Um livro muito marcante em minha vida, e um dos primeiros que comprei, é um que faz parte de uma coleção que saía em bancas de jornal nos fins dos anos 70 e início dos 80, abordando diferentes assuntos. A coleção chamava-se Biblioteca Salvat, publicado pela Salvat Editora, e o volume a que me refiro era sobre os movimentos pop, o nº 41 da série. O assunto já me fascinava - eu tinha na época 20 anos - e através desse livro tive meus primeiros contatos com informações importantes sobre o universo pop.
O livro fala do conceito de pop, comunicação de massa, formas de comunicação em diferentes manifestações, etc. Para quem como eu se interessava pelo assunto, mas que na época só conhecia o conceito de pop um pouco mais profundamente através da música - rock mais especificamente, esse livro me mostrou pela primeira vez outras vertentes da arte pop como literatura, cinema, artes plásticas, quadrinhos, etc. Através desse livro fui apresentado a alguns personagens marcantes e novas formas de se entender a cultura e contracultura em diferentes épocas e manifestações artísticas.
O livro inicia com uma ótima entrevista com Umberto Eco, na época ainda pouco conhecido por aqui. Nessa entrevista Eco é apresentado como professor de Estética na Universidade de Turim, e com algumas obras publicadas. Em sua entrevista Eco faz declarações como:
Humberto Eco |
"É um erro confundir arte popular e arte pop; diria mesmo que se trata de uma confusão de tipo anglo-saxônico, porque na tradição anglo-saxônica sempre se chamou popular art àquilo a que nós chamamos 'cultura de massas', e falava-se de popular art mesmo quando se fazia uma crítica aristocrática da cultura de massas, dizendo que a popular art não era arte. A pop art nasceu precisamente como um jogo inteligente e irônico sobre a popular art, mas pela capacidade de identificar-se com ele acabou por ser o mesmo; os quadrinhos, por exemplo, eram popular art, enquanto a imitação dos quadrinhos de Lichtenstein era pop art. Porém, quando os desenhistas de quadrinhos começaram a imitar Linchenstein, evidentemente que as diferenças desapareceram e se voltou à situação anterior. A arte pop chegou a ser um dos momentos, embora o mais crítico, da cultura de massas. Em contrapartida, quando a expressão 'pop' se refere, por exemplo, aos jovens que dançam o rock em Woodstock alude a produtos que já existiam antes da arte pop e que simplesmente evoluíram, ironicamente ou não. Os Beatles ou os Rolling Stones criaram produtos musicais que provavelmente permanecerão como testemunhos de uma época e talvez sejam até preferidos em relação a certas composições de música culta contemporânea. Creio ser pertinente distinguir entre a popular art que existia antes do pop e pop art, a nova popular art, posterior, consequência de uma espécie de integração dialética entre ambos."
Duchamp e Léger considerados precursores da arte pop |
O livro busca as origens do pop, quando o termo ainda não existia, mas cuja arte já se manifestava em movimentos como o dadaísmo. Duchamp e Léger são, dessa forma apresentados como precursores da pop art:
"No dadaímo de Duchamp e em Léger encontramos os primeiros precedentes da arte pop. Pode-se afirmar que quando Marcel Duchamp pôs bigodes em La Gioconda e Léger interessou-se pelo urbanismo de Chicago, a arte pop encontrava-se então em avançado estado de gestação.
Efetivamente, mesmo que a arte pop deva sua força à situação existente em princípios da década de 60, é indubitável que tanto Duchamp como Léger contribuíram em grande medida para criar o ambiente de opinião que permitiria o posterior desenvolvimento do pop. Os ready-made de Duchamp em pouco se diferenciaram das denominadas mais tarde pinturas pop ou dos objetos de arte pop."
Andy Warhol, logicamente, merece um capítulo à parte. Considerado por muitos o papa da pop art, Warhol é definido no livro como "um dos mitos do pop... ou talvez seu anti-herói, e sua arte pop foi transcedida pelo ambiente mítico criado em volta de sua pessoa, de seu núcleo, de seu círculo. Warhol descreveu friamente o mecanismo de desumanização levado à prática pelos modernos meios de comunicação de massas. Como ele próprio disse: 'Quando vemos várias vezes seguidas uma fotografia macabra, acaba por não nos causar nenhum efeito.' "
Andy Wharol, um dos expoentes máximos da pop art |
O livro, fartamente ilustrado, abrange ainda várias outras vertentes do pop, e destaca muitos representantes marcantes de arte vanguardista, ligados ao abrangente conceito de pop, como John Cage: "Muitos críticos norte-americanos designaram John Cage como inventor da arte pop. A estética de Cage, derivada da arte dadá e da filosofia zen, contribuiu para abrir o panorama cultural e artístico norte-americano. Cage incentivou os artistas a apagar as fronteiras entre a vida, atacando as opiniões preconcebidas sobre a função e o significado da arte e colocando perguntas como: 'Pode-se afirmar-se que o som de um piano de uma escola de música seja mais musical que o de um caminhão que passa pela rua?'. "
O rock também, logicamente, ganha um capítulo especial, principalmente analisando-se os grandes festivais que reuniram milhares de pessoas, e a capacidade de comunicação de massa que o gênero exerce até hoje sobre a juventude em todas as partes do mundo. Hoje em dia a denominação "pop" é um pouco diferente da de décadas atrás. O conceito "pop" hoje é ligado mais a uma música mais comercial, de consumo mais fácil, diferente do que é enfocado no livro, que abrange as origens do termo.
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