Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Waly Salomão


Meu grande amigo
desconfiado e estridente
eu sempre tive comigo
que eras na verdade
delicado e inocente
findaste o teu desenho
e a tua marca sobre a Terra resplandece
resplandece nítida e real
entre livros e tambores do Vigário Geral
e o brilho não é pequeno
Eu sigo aqui e sempre em frente
deixando minha errática marca de serpente
sem asas e sem veneno
sem plumas e sem raiva
suficiente

Caetano Veloso

domingo, 21 de agosto de 2011

Preciosidades em Vinil - Concerto para Bangla Desh

Um concerto beneficente, organizado por George Harrison, resultou em um dos momentos mais marcantes do rock nos anos 70. A consciência política e histórica foi a tônica do grande concerto acontecido em 1971, no Madson Square Garden. Além de George Harrison, participaram do concerto Ravi Shankar, Bob Dylan, Eric Clapton, Billy Preston, Leon Russel e Ringo Starr.
Também lançado como filme, o Concerto Para Bangla Desh teve sua gravação ao vivo lançada em um álbum triplo, lançado em uma caixa, trazendo todo o clima do histórico show. O crítico americano Jon Landau escreveu na épóca do lançamento:
"O Concerto Para Bangla Desh é o rock atingindo sua maturidade. Sob a liderança de George Harrison, um grupo de músicos conhecidos admitiu, de forma consciente, deliberada e profissional, que tinha responsabilidades - e se propôs a tratar delas seriamente.
Com nomes como Eric Clapton, Ringo Starr, Billy Preston, Leon Russel e, finalmente, Bob Dylan, o concerto seria fatalmente sucesso, não importa como fosse planejado e executado. Mas parte da beleza do disco se deve ao fato de que Harrison fez um concerto digno do propósito para o qual foi idealizado, em todos os sentidos. Com tanto talento disponível, ele criou um programa que escapou miraculosamente à comparação com quaisquer supershows anteriores, através do expediente simples de não fazer dele uma série de apresentações individuais, mas mostrar uma revista, um aglomerado de atrações."
Lembro-me de ter assistido ao filme quando tinha 15 anos, e estava começando a conhecer o rock, portanto, muitos daqueles artistas que se apresentaram ainda eram desconhecidos pra mim. Mas aquelas imagens me marcaram, até porque, foi o primeiro filme de rock que assisti. O álbum triplo do concerto era um sonho de consumo, que achava que nunca iria realizar. Cheguei a gravar o disco em fita cassete nos anos 90, quando foi lançado em cd. Na época, algumas locadoras de vídeo também alugavam cds, e como eu tinha o hábito de alugar cds e gravá-los em cassete, um dia encontrei o Concerto Para Bangla-Desh, aluguei e o gravei. Anos depois, já na era dos dvds, consegui uma cópia do concerto. Também baixei o disco em mp3, mas faltava a edição em vinil, aquela caixa contendo os três discos extraídos do show. Acabei encontrando por acaso em um sebo da cidade, em ótimo estado, e por um preço bem razoável. Hoje posso dizer que possuo esse álbum histórico.
É difícil se destacar algum momento do show, já que todo o concerto é fantástico, e todos os músicos fazem uma ótima apresentação. George Harrison, o anfitrião da noite, realiza uma apresentação impecável. Bob Dylan, que na ocasião andava meio recluso, aceita participar do concerto, e fez um show emocionante. Eric Clapton, fez uma apresentação discreta, porém sua guitarra fala por si. Na época, ele andava muito envolvido com a heroína, e sua apresentação era dúvida até momentos antes do show. Havia até um outro guitarrista preparado para substituí-lo para o caso de sua ausência. Clapton ao subir no palco recebe uma grande ovação do público. Ao lado de Harrison e Leon Russel, ele toca em Beware of Darkness e While My Guitar Gently Weeps. Ravi Shankar, que abriu a série de shows, trazendo a música indiana para as massas roqueiras foi uma grande surpresa da noite. Billy Preston tocou uma ótima versão para That's The Way God Planned It. Ringo Starr cantou seu sucesso da época, It Don't Come Easy. Leon Russel, outra atração do concerto, também realizou um belo show. Concerto Para Bangla Desh, minha mais recente aquisição em vinil, já é um dos ítens mais importantes de minha coleção.

domingo, 14 de agosto de 2011

Rita Lee 1973 - Retomada na Carreira



Em julho de 1973 a revista Pop trazia uma matéria com Rita Lee, recém-saída dos Mutantes. Na época ela retomava a carreira, ao lado de Lúcia Turnbull, quando formou a efêmera dupla as Cilibrinas. Na matéria Rita afirma que sua saída dos Mutantes foi pacífica e na boa, fato desmentido por ela muitos anos depois, quando afirmou ter sido expulsa da banda. Também fala de drogas, afirmando que não as usava na época, coisa que também não corresponde a verdade. Interessante também é o uso do verbo transar, que na época tinha outro sentido. Transar com alguém significava trocar experiências, interagir com essa pessoa. Abaixo trechos da matéria:
"No começo, ela não sabia exatamente o que ia fazer. Pensou uma banda só com mulheres e até ir pra África fazer Teatro Mágico. Achou que era piração e ficou.
Nessa jogada, a Rita fica com o teclado, mexe com o mug, flauta, harpa e violão. Lúcia, que apareceu, pela primeira vez, num palco brasileiro cantando na peça Casamento do Pequeno Burguês e já havia transado em Londres (com um grupo de música folk) é quem toca pra valer no Cilibrinas. Ela está com os instrumentos de corda, banjo, viola americana e guitarra.
Cândido é o técnico de som do conjunto e vai ter uma participação ativa, dando efeitos eletrônicos, jogando o som de um lado para o outro, mexendo com o eco, as fitas. Horácio vai cuidar da parte visual: luzes, ilusão de ótica, cenário.
O afastamento de Rita dos Mutantes não foi como o dos Beatles. Tudo aconteceu na base da paz e amor.
'Nós não nos desunimos. No nosso caso, o que ocorreu foi uma multiplicação. Agora, em vez de apenas os Mutantes, existem Rita e Lúcia. A música dos Mutantes sempre foi muito do meu gosto, apesar da letra um pouco fraca. Saí para abrir novos caminhos.'
Antes de Caetano e Gil, tudo era uma caretice no Brasil, diz Rita Lee. 'Agora, o que se vê é uma reviravolta geral, na cuca das pessoas, no som. Esse papo de astral, de interesse pela pessoa humana está sendo curtida pra valer pelo pessoal. Agora a turma está mais solta, mais bem informada, sem medo do imprevisto. Ou estou pirando ou as coisas estão mesmo melhores.'

Ela não tem religião, mas é ligada no zen-budismo. Curte muito horóscopo, seu signo é Capricórnio, e sabe que pode transar legal com Touro e Virgem. É contra droga e outros baratos que só fazem intoxicar o organismo e diz que o importante é ter fé pra chegar até Deus.
Separou-se do marido, Arnaldo, porque 'isso de transar com uma só pessoa limita muito'. Atualmente, Rita dorme na casa de Lúcia, passa na sua só para apanhar as roupas e ensaia na casa de Arnaldo. Lúcia Turnbull, a parceira de Rita Lee, tem vinte anos, é paulista e estuda canto e teoria musical. Com catorze anos começou a tocar violão, já vidrada nos Mutantes. Em 1969 morou em Londres, onde tinha um grupo de música folk, que se apresentava em clubes e praças públicas. Sempre curtiu muito som americano, o que determina, de certa forma, seu modo folk de cantar e pensar as coisas. Seu entrosamento com Rita foi natural e espontâneo.
Grande inovação no Cilibrinas: utilização de vários aromas nos shows.'É pra obrigar as pessoas a usar todos os sentidos'"

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Negão Nas Parada - Aldir Blanc

Volta e meia eu falo em Aldir Blanc aqui neste espaço. Gosto de falar das pessoas que admiro, por isso Aldir, o "ourives do palavreado", como bem definiu Caymmi, é um dos personagens que mais cito aqui, até como uma forma de valorizar meu blog.
Dentre as características que mais admiro em Aldir, uma é a diversidade de sua poética. Alguns de seus mais famosos versos são carregados de uma profunda densidade, uma poesia rebuscada, carregada de metáforas muitas vezes até difíceis de serem interpretadas. Posso citar como exemplo Caça à Raposa, Corsário, Falso Brilhante e tantas outras. Por outro lado, em outras letras Aldir usa um linguajar popular, a fala do povo, carregada de erros propositais de português e concordância à la Adoniram Barbosa, numa linguagem simples, totalmente em contraponto com o exemplo anterior. Posso citar, por exemplo, Kid Cavaquinho (Ói que foi só pegar no cavaquinho/Pra nego bater/Mas se eu contar o que que pode um cavaquinho/Os home não vai crer...).Existe uma gravação de Emílio Santiago para essa música em que ele teve a infeliz ideia de corrigir o português(...Mas se eu contar o que que pode um cavaquinho/Os homens não vão crer). Para quem conhecia a letra original, chegou a doer no ouvido.
Outro exemplo, dentre tantos outros, desse estilo de letra praticado por Aldir, é Negão nas Parada, parceria com Guinga, que o próprio Aldir interpreta muito bem em seu disco comemorativo a seus 50 anos. O título, com seu erro de concordância, já dá pistas do estilo da letra, que abaixo reproduzo, com a escrita conforme foi publicada pelo autor:

Eu vou pro Estácio, negão,
Parece fácil, nénão...
No tempo do lotação
já era rúim, hoje então...
Mas só no Estácio, negão,
batuca o meu coração.
Parece papo, nénão:
naquele chão é que se cria
a picardia, a fidalguia...
Eu vou pro Estácio, negão
Que de metrô? Nã-nã-não!
Joguei, fiquei sem tostão,
eu vou movido a limão,
Aí, no Estácio, mermão,
acerto a tal transação,
Tu fica frio, negão,
qu'esses cabôco é tudo lôco e hoje eu tô um pôco rôco
Eu tô levando a seda de primeira na algibeira pro canudo
eu tô que tô, pô!
E o recheio é da boliviana,
das Guianas, do Himalaia, tás com tudo, ô
O Dunga vai te dar a cobertura.
Esse é bandido joia e cana dura,
chegado num pagode com morena, sangue bom,
é meu bróder
Eu vou pro Estácio, negão.
Tô parecendo avião,
Fiz por você. Condição:
eu não repito mais, não,
Tô cheio que nem balão,
num gosto de confusão,
Chegando aí, coração,
tu solta o meu e pega o teu,
pois quem sou eu?,
valha-me,Deus
Ceceu me disse que Eunice, se te visse na rua,
chamava logo a Entorpecente e te sentava a pua.
Mas se Eunice persistisse nesse erro primário,
Paulo Amarelo aparecia sem cobrar honorário...
Tô de saída, negão,
O Estácio é fácil? Nénão...
No tempo do lotação
já era rúim, hoje então...

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Revista Bizz Especial - Amy Winehouse



Desde o sábado, 23 de julho, quando foi anunciada a morte de Amy Winehouse, já era de se esperar que a notícia ganhasse grande repercussão, como costuma acontecer na morte de pessoas famosas, embora em termos de popularidade, Amy ainda não estivesse no nível de outros astros, como Michael Jackson, Kurt Cobain, Elvis, Lennon, etc. Muita gente, aliás, conhecia mais o nome de Amy pelos constantes escândalos e notícias de seus excessos de álcool e drogas, do que propriamente por sua música. Eu mesmo, demorei um pouco a conhecer o trabalho de Amy, sobre quem sempre lia em revistas e matérias de jornais. Acho que até conhecia suas músicas mais radiofônicas, mas talvez não identificasse aquela potente e bela voz como sendo daquela excêntrica figura. Não tardei a me encantar pela cantora, e ao mesmo tempo, me compadecia por sua vida sem limites, suas internações e vexames públicos, e um futuro previsível, que infelizmente se confirmou naquele sábado de julho.

Igualmente previsível era que começassem a sair nas bancas revistas especiais sobre sua vida e carreira, e assim a Bizz - uma revista que já foi mensal, e hoje só publica edições especiais - saiu na frente, e lançou um número especial com a cantora. E assim, com um belo trabalho gráfico, com várias fotos de diferentes fases da vida de Amy, desde sua infância, sua carreira, e claro, aquelas que se tornaram a alegria dos paparazzi, de seus escândalos e flagrantes de sua conturbada vida pessoal. O texto é informativo, e traça um perfil do que foi sua vida, sua forma de encarar o mundo, seu envolvimento profundo e autodestutivo com a bebida e as drogas, e também, como não poderia deixar de ser para uma publicação especializada em música, seu talento, e a marca que deixou no mundo da música.
A revista, de 66 páginas, se divide em vários capítulos, e vai mostrando quem era essa figura que hoje é tão comentada, e passou a ser ouvida com mais atenção por uma boa parte do público após sua morte - um lado um tanto mórbido da indústria cultural. Várias de suas frases mais marcantes e reveladoras são também destacadas, como "Minha desculpa é que a maioria das pessoas da minha idade passa um tempão pensando no que vão fazer pelos próximos cinco ou seis anos. Enquanto elas pensam na vida, eu passo o tempo bebendo". Sua vinda ao Brasil, em janeiro, também é destacada. Desde detalhes de seus dias no hotel onde se hospedou em Santa Tereza, no Rio, a preocupação com seus empresários e os promotores dos shows por aqui em não deixá-la próxima de nenhum tipo de bebida - coisa que ela soube desobedecer sem dificuldades - a famosa foto em que tirou na sacada do hotel, com cara de quem havia tomada todas, e ainda pagando peitinho para os fotógrafos, até seus shows nos palcos brasileiros.
Na parte final da revista, são destacados também aqueles artistas, que como ela, se foram aos 27 anos, também em virtude de excessos e abusos com drogas e bebidas: Jimi Hendrix, Brian Jones, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain. É uma boa revista para se ler e guardar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Egberto Direto da Horta


Em 1984 a revista Manchete trazia uma matéria com o grande músico Egberto Gismonti, que estava lançando na ocasião, seu disco Coração da Cidade. Abaixo alguns trechos dessa matéria:
"Egberto Gismonti está indo à horta. 'Eu tô agora só com gente-horta, tudo fresquinho, umidinho de sereno da manhã, é só passar a mão e comer, não tem nem de lavar por causa de inseticida. É puxar e mastigar. E isso está me dando uma energia muito grande, ouvir gente nova como essa que eu ando curtindo, aproveitando, ajudando. O brasileiro é um povo que está transbordando música.! Sabe, cavalo de raça preso? É isso aí! Tô vendo de perto. E me lembrando que não faz muito tempo eu também era horta, tantos anos depois de Tom e apesar de estar envolvido agora com tantas turnês mundiais. Mas sempre tenho um tempo. Ihhh, cê num pode imaginar como é bom! Ao mesmo tempo que estar envolvido agora com computadores, cítaras, violões, pianos, contrato pra tudo quanto é lado, ainda poder sentir cheirinho de seis e meia, sete horas da manhã, terra escura, boa, sacumé? Fica tudo uma coisa fácil demais, simples pra burro. Claro que há - ou deve haver - um componente psicológico nisso tudo, do fato de eu ter sido tirado da horta um dia e agora estar tirando outros dela, mas o que eu tenho tido de volta, de aprendizado! E o que acontece de mais gostoso é que, como tive muito mais prazeres do que decepções nesses anos todos de trabalho na música, a minha memória é muito viva quanto ao meu chegar ao Rio-cidade, vindo do Rio-estado, atravessar o túnel da Avenida Princesa Isabel, que desemboca em Copacabana e achar que estava na Grécia antiga, de tão grande, tudo. Eu nunca tinha visto um troço daquele tamanhão! Aquele marzão todo, ali, cê tá louco! Forte demais pra mim, dentro de um ônibus, abraçando meu violão. É muito bom que isso esteja presente e recente e que agora eu esteja podendo transar diretamente com esse tipo de coisa, ligando memória com realidade, redescobrindo o cheiro da terra.

Tudo muito presente, nos sentidos todos. Sem nunca neguinho ter chegado pra mim com a conversa de que dali pra diante era só enlatado. Sabe que ninguém, nunca, me forçou enlatados? Aliás, felizmente, porque se tivessem forçado, que sabe eu tivesse até engolido?'
Assim está Egberto Gismonti. Já em plena excursão nacional de lançamento de mais um elepê, que era pra ser chamado Bandeiras do Brasil, mas a censura não gostou. Virou Coração da Cidade.
Bandeira brabíssima seria - segundo ele - ter assinado contrato com a Atlantic Records, em 1975, quando morou nos Estados Unidos, e pretendiam transformá-lo num 'novo Sérgio Mendes'.

'Era uma pancada de dinheiro desgraçada, produções do Billy Coburn, na época com uma aura bacana, eu provavelmente fazendo até hoje uma coisa da qual diria ser 'meu música internéchional'. Rico, rico como o diabo. Mas felizmente resolvi que vou enriquecer de outra maneira: mostrando legumes frescos da horta. Porque a gente pode enriquecer de vérios jeitos, até com dinheiro. Até com dinheiro, né? A proporção dessa riqueza, meu amigo, é que é discutível. Porque o fato de imaginar e poder realizar projetos audaciosos, com gente nova, de eu poder subir a um palco de Saporo, no Japão, de Nagipur, na Índia, de Buenos Aires, na Argentina, de Quebec, no Canadá, ou de Macaé, no Estado do Rio, é uma riqueza muito grande'"