Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

sábado, 25 de agosto de 2012

Paulo Leminski e a Vanguarda Cultural

"A vida de Paulo Leminski foi uma procura intensa, quase desesperada, de ser o que realmente se é. Precoce, o guri de Curitiba descobriu que era um poeta, talvez, como ele afirmava, 'por um erro na programação genética'. Seja como for, Leminski aceitou a missão com a resignação de um santo e com o orgulho de um samurai. 'Não discuto/com o destino/o que pintar/eu assino'. Assim, o 'samurai malandro', como o nomeia a ensaísta Leila Perrone-Moisés, conduziu a vida de poeta errante.
Atravessou os anos 1960 entusiasmado com o rigor e com a ruptura proposta pela poesia concreta. Ficou impressionado também com os bárbaros baianos no final daquela década, quando o movimento tropicalista retomou o princípio da antropofagia do poeta Oswald de Andrade. Experimentou uma aproximação com a música popular. Suas letras foram gravadas por Moraes Moreira, Caetano Veloso, Itamar Assunção e Ângela Maria. Na década de 1970, personagem constante de revistas e publicações alternativas, se tornou um dos ícones da geração que ficou conhecida como a dos 'poetas marginais' ". Assim começa o texto de apresentação da edição especial da série "Rebeldes Brasileiros" da revista Caros Amigos, onde Paulo Leminski foi destacado. O texto ressalta a ligação de Leminski com as vanguardas culturais brasileiras, como o Modernismo, através do Movimento Antropofágico da década de 1920, a poesia concreta, a partir dos anos 50 e o Tropicalismo, nos anos 60, que marcaram a vida cultural do jovem poeta curitibano.
Em 1968, com a explosão da Tropicália, Leminski encontra a forma de linguagem que buscava. Em sua biografia, "O Bandido Que Sabia Latim", o autor Toninho Vaz destaca a forte influência do movimento tropicalista, deflagrado por Gil e Caetano no Festival de Música da TV Record nos interesses estéticos de Leminski. As letras fragmentadas dos dois baianos, mostradas em Domingo no Parque e Alegria, Alegria, além do som desafiador das guitarras, no templo sagrado da MPB, seduziu e norteou o rumo poético do jovem Leminski.
Inspirado nos movimentos vanguardistas de música e poesia, representados pelos poetas concretistas e pela música revolucionária dos tropicalistas, Leminski cria no Paraná o Grupo Ásporo, em cuja foto acima, ele, o primeiro a partir da esquerda em foto de 67, aparece ao lado dos amigos Lélio Sottomaior e Ivan Costa. Os três integrantes do movimento, criado em Curitiba, publica um manifesto no jornal Diário do Paraná, onde combatem "o provincianismo cultural de Curitiba, uma cidade anti-radicais, onde ninguém partem para a pesada em termos de engajamento intelectual". Sua ligação com a música passa a ganhar maior intensidade a partir do início dos anos 70, quando começa a escrever letras, principalmente em parceria com a banda de rock A Chave, de Curitiba. Essa parceria gerou um projeto que Leminski intitulou de "Em Prol de Um Português Elétrico", que segundo ele, tinha por meta "atingir uma estética através de uma tecnologia". Mas foi a partir de 1977 que suas canções, que compunha com seus vários parceiros, passam a ser gravadas por artistas de renome, como Moraes Moreira, Caetano Veloso, Itamar Assunção, Paulinho Boca de Cantor, A Cor do Som, MPB4 e o grupo curitibano Blindagem. Mas sem dúvida o forte de sua obra vinha através de seus livros de poesia, como Caprichos e Relaxos, Distraídos Venceremos e La Vie en Close, dentre outros.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Secos & Molhados - Um Fenômeno Pop dos Anos 70

Certos fenômenos são difíceis de explicar. Eles simplesmente acontecem, extrapolando regras e previsões. O grupo Secos & Molhados é um exemplo. Não creio que o os membros do grupo imaginassem o furor que causariam no mercado musical quando lançaram seu primeiro LP, em 1973. Esse disco se tornou um marco em termos de sucesso e execução nas rádios. Músicas como O Vira, Sangue Latino, Assim Assado, Rosa de Hiroshima, Fala e outras invadiram as rádios e eram executadas, acredito que sem uma campanha especial de marketing. Foi tudo muito espontâneo, muito diferente de hoje em dia, quando determinados artistas e grupos são produtos fabricados e jogados no mercado para virarem ídolos de massa.
Os Secos & Molhados, ao contrário, conquistaram sua enorme fatia no mercado por produzir algo novo e surpreendente até então. A figura andrógina e transgressora de Ney Matogrosso chocava os padrões conservadores da sociedade, mas ao mesmo tempo atraía atenções gerais de diferentes classes sociais e culturais, razão pela qual o primeiro disco do grupo alcançou vendagens surpreendentes. Mesmo com todo o sucesso, e o dinheiro entrando, os Secos & Molhados duraram pouco. A relação entre os membros da banda, principalmente entre Ney e João Ricardo, azedaram de vez após o segundo ter tentado se apossar da maior parte dos lucros advindos daquele enorme sucesso, através de um escritório montado com seu pai para defender questões de direitos e finanças, onde aos outros dois membros, Ney e Gerson Conrad, caberia uma parte menor dos ganhos. Em janeiro de 1974, no auge do sucesso, a revista Pop trazia uma matéria com o grupo:
"Para eles, cada show é um ritual. Ney Matogrosso pinta o rosto alongando a linha dos olhos até a testa. João Ricardo cobre com tinta branca a cara toda, e Gerson desenha um coração ao lado do nariz. Já está tudo pronto: mais uma vez os Secos & Molhados vão cantar para uma casa lotada de gente que vibra com o grupo que Caetano Veloso definiu como 'uma das coisas mais importantes que já aconteceram na música brasileira'. E a crítica também tem elogiado muito o trabalho musical que eles fizeram em cima de poemas de Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo. Mas que é quem nos Secos & Molhados? Os compositores João Ricardo (harmônica de boca) e Gerson Conrad (violão) acompanham as incríveis vocalizações de Ney Matogrosso, além de mais quatro caras que fazem um som da pesada: Marcelo Frias (bateria), Sérgio Rosadas (flauta tranversa e ocarina), John Prado (guitarra) e Willy Verdaguer (contrabaixo).
Em 1971 eles fizeram a música para a peça Corpo a Corpo, de Antunes Filho. Mas foi depois da primeira apresentação em público, na Casa de Badalação e Tédio (São Paulo), que o grupo estourou. O primeiro LP já vendeu 100.000 cópias e continua nas paradas (Sangue Latino, Rosa de Hiroshima e Vira são as faixas de maior sucesso). E, renovando-se a cada apresentação, eles parecem dar vida às palavras de Ney Matogrosso: 'Sem regras estabelecidas é bem melhor a gente viver'".

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caetano - 70 anos

Hoje Caetano Veloso completa 70 anos. Um de nossos mais brilhantes compositores, cuja carreira é repleta de polêmicas e surpresas, de versos inspirados e melodias ricas e criativas, chega aos 70 anos em pleno processo criativo, interagindo com novos músicos, e produzindo uma música que ainda soa moderna e atual.
Um dos líderes de um movimento que trouxe uma inovação no panorama de nossa música, o Tropicalismo, e sempre buscando novos caminhos e trazendo ousadia e renovação para nossa música, Caetano ao longo de sua carreira se manteve num patamar que o coloca ainda hoje como uma referência em termos de criador e renovador.
Logicamente, por sua personalidade polêmica e contestatória, canalizou antipatias, e por isso está longe de ser considerado uma unanimidade. Suas constantes brigas com órgãos de imprensa, suas declarações ferinas a respeito de diferentes assuntos e pessoas públicas, muitas vezes fazem com que muitas pessoas confundam seu talento musical incontestável com esse lado às vezes não muito simpático de sua personalidade, e ele seja criticado também como compositor. A verdade é que Caetano foi para minha geração um ícone, uma figura das mais representativas no aspecto musical e cultural. Discos como Transa, Qualquer Coisa, Joia, Muito, Cinema Trancendental, e mesmo o ousado e contestatório Araçá Azul marcaram muito a década de 70.
Aliás, naquela década o poeta e crítico Augusto de Campos falou de Caetano: "O que ele fez, faz, está fazendo para ou pela música popular brasileira não há mais quem ignore. Ele explodiu a canção, levando-a a caminhos jamais palmilhados entre nós. Revolução. Depois da Bossa Nova (um movimento 'joia'), Tropicália (um movimento 'qualquer coisa'). Proibido proibir: sons em liberdade. Navegar é preciso:o deconhecido. Tudo comer: antropofagia. Metapoesia e metamúsica: nos discos e nos shows a melhor crítica-em-ação da música popular feita e por fazer."
Há exatos vinte anos, ao completar 50 anos, o crítico Tárik de Souza escreveu sobre Caetano no Jornal do Brasil: "Seu coração não se cansa de ter a esperança de um dia ser tudo o que quer. Com essa profecia em forma de letra, numa ponte cerzida por violão entre bossa-nova e respectiva descendência em Coração Vagabundo, Caetano Veloso traçou seu plano de voo num disco de estreia tardia em 1967, dividido com Gal Costa. Uns dois ou três anos antes, desde quando o show Opinião importou Maria Bethânia da Bahia, para substituir Nara Leão, o irmão-compositor de De Manhã, Um Dia, O Cavaleiro e Avarandado começou a marcar a MPB. O regionalismo baiano durou menos que um disco. Em 1967 mesmo, ele já instaurava as bases do Tropicalismo numa visão universalista dessa úmida cultura equatorial. No Dia Que Eu Vim Me Embora era a recusa da herança retirante e Alegria, Alegria, junto com Baby , Superbacana e Saudosismo, o tíquete-refeição no banquete tecnológico do Primeiro Mundo. Note-se que os biscoitos finos de Caetano nunca rejeitaram o PF brega de massa, a partir de Coração Materno, de Vicente Celestino."
Ao completar 70 anos, Caetano comprova a longevidade de uma geração que ainda não foi superada pelas posteriores, ao contrário, serve de referência e inspiração para quem veio depois. Apesar dos inegáveis talentos musicais que têm surgido ao longo dos anos, aqueles novos e promissores músicos, letristas e intérpretes surgidos nos anos 60 ainda são imbatíveis e atemporais, como Caetano.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Revistas Legais - MPB Ivan Lins

Ivan Lins é um cantor e compositor que eu admiro desde minha pré-adolescência. Lembro que quando tinha 12 anos admirava muito suas músicas que tocavam no rádio. Seu primeiro LP, chamado "Agora, Ivan Lins" trazia músicas que me eram bastante agradáveis aos ouvidos.
Sobre o disco, Ivan disse, dez anos depois: "Foi um dos meus LPs que mais venderam. Teve a seu favor todo o aparato do programa "Som Livre Exportação", que ia ao ar pela TV Globo, então foi um disco de muita repercussão e deu um primeiro grande impulso à minha carreira." Encontrei esse LP recentemente, em bom estado, e lembrei um pouco daquele período de minha vida. Do disco constam músicas como "Agora", "Madalena", "O Amor É O Meu País", "Salve, Salve Aleluia" (a minha preferida na época) e uma música que não chegou a fazer sucesso, mas que também se destacou, chamada "Emi".
Apesar de boa, a revista traz uma grande bobagem, escrita pelo jornalista responsável pelo texto. Ao falar sobre o festival que impulssionou o nome de Ivan, com "O Amor É O Meu País" ele diz: "A vencedora do V FIC foi a ridícula 'BR-3', da dupla Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, massacrada por Tony Tornado." A música BR-3 é ótima, e mereceu ganhar o festival, e a interpretação de Toni Tornado foi bem marcante e reveladora.
A projeção que o festival deu a Ivan Lins fez com que a TV Globo, que buscava um ídolo de massas para apresentar um novo programa musical, visse nele o personagem que procurava: "Da noite para o dia, sem transição, virei um ídolo. 'Madalena', que eu gravara antes do FIC, a partir daí também estourou no país inteiro, tanto na minha interpretação como na de Elis". Alguns anos depois, Ivan admitia que na verdade foi usado pela ditadura para fazer a juventude se desligar e esquecer os graves problemas que o país atravessava - era o auge da ditadura militar. Ivan era universitário, tinha ótima presença de palco, suas músicas eram bem construídas e sem mensagens políticas aparentes. Isso ajudou a criar para ele uma imagem de alienado. Ivan só veio se conscientizar dessa condição ao dar uma entrevista para o jornal O Pasquim, em que se viu pressionado a admitir sua condição de alienado político, numa época em que a esquerda cobrava dos artistas um posicionamento. A respeito dessa entrevista, Ivan, em depoimento à revista revela: "Devorei livros e comecei a entender o processo político brasileiro a até meu papel nisso tudo."
A revista, que é de 1981, além de um texto biográfico, traz uma entrevista com o músico, que já trabalhava com o parceiro Vitor Martins, e vivia uma boa fase em sua carreira. Faz ainda uma análise de cada disco gravado por ele até então. Como se trata de uma edição especial da revista Violão & Guitarra, que era especializada em cifras para aprendizes de violão, a revista ainda traz muitas letras e gráficos para se acompanhar ao violão. A revista sempre destacava um astro da MPB, e Ivan Lins foi o destaque da vez.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

História do Rock Brasileiro - Revista Super Interessante (4 Volumes)

A melhor publicação em revista sobre a história do rock brasileiro em minha opinião foi uma série de quatro volumes, publicada pela editora Abril no início da década passada, sob a marca da revista Super Interessante. Os volumes são fartamente ilustrados, com ótimas fotos e bons textos, que não só enfocam o assunto em si, mas traçam um panorama do momento histórico que o país atravessava. Alguns personagens marcantes são destacados, em textos que explicam sua importância histórica para o desenvolvimento do rock nacional.
O volume 1, que destaca os anos 50 e 60, fala dos primeiros passos, ainda tímidos, do rock brasileiro, seus primeiros ídolos (Celly Campelo, Tony Campelo, Sérgio Murilo, Demétrius, etc), o estouro da Jovem Guarda, quando o nosso rock, ainda inocente em sua temática, fabricava novos ídolos de massa, como Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléa, Renato e Seus Blue Caps, Ronnie Von, etc, e depois o amadurecimento da temática das letras, e a radicalização sonora, que trazia ecos do rock psicodélico, com o aparecimento do Tropicalismo e os Mutantes. Cada volume traz ao final uma discoteca básica. O primeiro volume traz em destaque, por exemplo, discos de Roberto Carlos (É Proibido Fumar e Roberto Carlos em Ritmo de Aventura), Erasmo Carlos (Você Me Acende), Renato e Seus Blue Caps (Um Embalo com Reanato e Seus Blue Caps), Wanderléa, Leno e Lilian, Tropicália, Jorge Ben (69), Gal (69), Mutantes (69), dentre outros.
O volume dois, fala dos anos 70, e começa enfatizando ainda os ecos do Tropicalismo, a volta de Gil e Caetano do exílio e personagens marcantes como Raul Seixas (que ilustra a capa do volume), Secos & Molhados, Novos Baianos, Rita Lee, etc.
Além disso, há um destaque para o Clube da Esquina, falando não só do disco, mas o movimento que se formou a partir dele, exemplificando uma aproximação entre a MPB e o rock. Essa linguagem brasileira do rock produzido por aqui, por sinal, ficou bem marcada na década de 70, não só com o pessoal do Clube da Esquina, como com os Novos Baianos e o rock rural, cujo representante mais genuíno foi o trio Sá, Rodrix e Guarabira. Os Malditos da MPB (Macalé, Walter Franco, Sérgio Sampaio, etc) também aparecem em destaque nesse volume, assim como os nordestinos, representados por Fagner, Alceu Valença, Balchior e Zé Ramalho, que também produziam rock. Bandas marcantes, como Casa das Máquinas, O Peso e O Terço também são lembradas.
Na discoteca básica da década, destaque para Expresso 2222 (Gilberto Gil), Tim Maia (1970), Acabou Chorare (Novos Baianos), Carlos, Erasmo (Erasmo Carlos), Clube da Esquina (Milton Nascimento e Lô Borges), Fa-Tal (Gal Costa), Ou Não (Walter Franco), Loki? (Arnaldo Batista), Krig-Ha, Bandolo (Raul Seixas), A Tábua de Esmeraldas (Jorge Ben), e muitos outros álbuns fundamentais.
O Volume 3, dedicado aos anos 80 destaca as bandas que marcaram a década, e dominaram a cena musical - um raro período em que o rock deu as cartas no mercado de discos no Brasil: Paralamas, Blitz, Lulu Santos, Ira!, RPM, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Titãs, Legião, Plebe Rude, Lobão, o punk nacional: Olho Seco, Ratos do Porão, Inocentes, etc. O metal também é destacado: Sepultura, Sodom, Korzus, Viper, etc.
Na discoteca básica, dentre outros álbuns são destacados O Ritmo do Momento (Lulu Santos), As Aventuras da Blitz, Maior Abandonado (Barão Vermelho), Ronaldo Foi Pra Guerra (Lobão), O Passo do Lui (Paralamas), Dois (Legião), Cabeça Dinosauro(Titãs) e Vivendo e Não Aprendendo (Ira!).
Finalmente, o quarto volume destaca os anos 90 e 00. Raimundos, Chico Science, Racionais Mc's, Skank, Mamonas Assassinas, Planet Hemp, Los Hermanos, O Rappa e bandas de reggae e rap são destacadas. Na discoteca básica: Roots (Sepultura), Calango (Skank), Raimundos (1994), Da Lama ao Caos (Chico Science e Nação Zumbi), Com Defeito de Fabricação (Tom Zé), Sobrevivendo no Inferno (Racionais MC's), Por Pouco (Mundo Livre S/A), Ventura (Los Hermanos), entre outros.