Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

sábado, 26 de novembro de 2011

Os Carloz - Sesi Campos


O SESI Campos durante esse ano de 2011 se constituiu em um novo espaço para a música produzida na cidade. O bom teatro, com espaço para duzentas pessoas, tem atendido bem aos projetos musicais desenvolvidos por bandas e artistas locais de diferentes segmentos, do samba ao rock. Várias bandas da cidade têm passado pelo palco do teatro do SESI, e tudo indica que em 2012 o espaço continuará aberto para a produção local, não só de música, como também o teatro. Não se pode esquecer de mencinar o empenho do diretor Fernando Rossi, que administra o espaço e tem dado esse apoio tão necessário.
Mas falando especificamente do show de ontem, a banda Os Carloz se dedica preferencialmente ao repertório da fase Jovem Guarda de Roberto Carlos. Formada por Ranieri Martins (vocal), Ricardo Kadico Azevedo (guitarra), Guilherme Rabelo (baixo) e Daniel Azevedo (bateria), a banda se propõe a dar uma nova roupagem ao repertório Jovem Guarda de Roberto, porém sem procurar inventar muito - os arranjos originais foram na maioria respeitados.
A descontração foi a tônica do show, com os membros tocando como se estivessem numa festa entre amigos, e na verdade era um pouco isso mesmo, e esse clima ajudou a tornar o show bem animado, com o público bem participativo. Na verdade foi uma grande festa de arromba, como foi a fase da Jovem Guarda.
Alertando ao público que não se considera um cantor, o vocalista Ranieri, apesar de não ter uma grande voz soube segurar a onda, interpretando vários clássicos do Rei. Iniciando a apresentação com Se Você Pensa, trazendo em seguida É Proibido Fumar e Não Vou Ficar, ele chamou o público a se levantar das poltronas e se aproximar do palco, pra festa ficar completa. Empolgado pela música dançante, e ainda estimulado por uma cachacinha oferecida pelos promotores do evento, a diversão estava garantida. Não faltaram outros clássicos da Jovem Guarda, como Ciúme de Você, O Gênio, Noite de Terror, Eu Te Amo,Te Amo,Te Amo, Não Há Dinheiro e Nasci Para Chorar, entre outras. A bela balada, de autoria de Antonio Marcos, E Não Vou Mais Deixar Você Tão Só, representou bem o romantismo do Rei. Agumas músicas pós-Jovem Guarda também entraram no repertório, como o Portão.

Muito boa também a inclusão de uma de Erasmo, como não poderia deixar de ser, e melhor ainda de tê-la dedicada a mim, um fã confesso do Tremendão. Filho Único, do disco A Banda dos Contentes, de 1977, caiu bem em meio aos sucessos de Roberto. Outra da fase posterior à Jovem Guarda incluída no set-list foi Além do Horizonte. Essa música eu preferiria que fosse cantada conforme Roberto gravou, sem a inversão dos versos "Se você não vem comigo tudo isso vai ficar no horizonte esperando por nós dois/Se você não vem comigo nada disso tem valor valor, de que vale o paraíso sem amor". A letra foi cantada conforme a gravação do Jota Quest. Eu gosto mais da forma original. Mas esse detalhe não invalida a interpretação.
O ponto alto da apresentação em minha opinião foi com Todos Estão Surdos, numa levada bem funkeada. A fase soul de Roberto, um dos pontos altos de sua longa carreira, não poderia ficar de fora, e nessa música novamente a banda mostrou competência, com o baixo de Guilherme fazendo a marcação funk, com a guitarra de Kadico conduzindo a levada funk/soul, e a batera segura de Daniel ditando o ritmo, enquanto Ranieri nos vocais passava a mensagem pacifista da bela letra. Encerrando o show, Amigo, outro clássico pós-Jovem Guarda, para dar um clima de fim de festa, e fazendo todo mundo cantar e dançar. Foi um belo show para homenagear aquele que sempre será o nosso Rei.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Raul Seixas - 1976


Raul Seixas é um dos mais marcantes, influentes e carismáticos artistas surgidos no Brasil. "Você tem que deixar sua marca no planeta" disse ele uma vez, e hoje o culto à sua obra prova que sua marca ficou.
Em agosto de 1976 a revista Música trazia uma matéria de capa com Raul, que vivia na época o seu auge criativo, vivendo ainda sua antológica parceria com Paulo Coelho. O texto se iniciava com uma pequena apresentação de Raul e sua obra:
"Raul Seixas é uma figura nebulosa. Para falar dele, e entendê-lo, necessita-se uma visão aberta aos conhecimentos racionais, à Metafísica. Na sua mente misturam-se plantas, velas, frenesis, espíritos, bomba atômica. Uma coisa meio complicada. Mas tudo isso é ele mesmo. É sua vivência, sua cabeça. Suas letras apresentam figuras bíblicas aliadas a mulheres de taberna, Condes Dráculas e Zumbis e soldados de campanha. Em outras, se auto-define como sendo as coisas da vida, o início, o fim e o meio. Aqui ele se expõe. Sem início, meio e fim."
Na época em que a revista saiu, Raul vivia um período de grande sucesso. A faixa-título de seu disco Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, tocava direto nas rádios, impulsionando as vendagens de seu álbum. O disco, por sinal, era muito bom. Sua parceria com Paulo Coelho representava a melhor fase de seu trabalho. Apesar de hoje, seu antigo parceiro ser considerado um escritor que produz uma literatura de qualidade duvidosa, não se pode negar que como letrista, Paulo Coelho conseguia traduzir em palavras todas as ideias revolucionárias e contestadoras que emergiam da cabeça inquieta de Raul. Abaixo alguns trechos da matéria:
"'Eu sou de 45, o ano em que soltaram a bomba atômica'... é assim que ele se define, fruto de uma época. Seu trabalho, como diz é 'o espírito social de uma época.' Criado em uma família comum, teve uma infância fechada em casa. 'Minha mãe não me deixava sair na rua para não aprender palavrão.' A vasta biblioteca de seu pai foi seu brinquedo preferido , daí veio seu gosto pela palavra e uma miopia precoce. Como muitos garotos dessa geração, logo se interessou por James Dean e sua rebeldia. Elvis Presley veio logo em seguida tomar seu lugar. 'Eu ouvia Elvis o tempo todo'. Um violão comprado pela mãe foi o resultado rápido dessa devoção. Os acordes foram vindo sozinhos, ouvindo os discos e tentando tirar as músicas. 'Pegava fogo dentro de mim'. A música e a literatura misturavam-se, preparando o caminho para sua carreira."

A matéria segue narrando a carreira e a vida de Raul. Em determinado trecho é citada a ida de Raul para os Estados Unidos - um exílio imposto pelo governo da ditadura, pelo seu caráter anarquista que incomodava os militares. O enorme sucesso de Gita, que estourou nas paradas quando ele estava fora, obrigou os militares a trazê-lo de volta, pois não tinham como justificar a ausência do mais popular cantor da ocasião. De volta ao Brasil, Raul alimentou um mito, um suposto encontro com John Lennon e Yoko Ono, que na verdade nunca ocorreu. A matéria assim descreve esse episódio:
"Nos Estados Unidos em Nova York por um ano, conhece John Lennon e Yoko Ono e lança as bases da Sociedade Alternativa, uma proposta de vida, da qual muita gente tentou ser sócio, 'mas não é nada disso, ela está apenas na cabeça de todos nós.' Seus estatutos diziam: 'Faze o que tu queres, tudo é da Lei'."
Na parte final da matéria, Raul declara:
"Faço um embrulho bonito do que eu quero dizer. A música é uma embalagem do que eu sei fazer. Poderia ter sido escritor, mas canalizei no rock.
Eu sei ser simpático quando aperto a mão das pessoas. Isso vem de coração. Elas entendem. É assim que eu faço música, na intenção e na intuição. A ideia básica sai do coração, espontânea. O invólucro, a embalagem é um tempero proposital para as pessoas gostarem."

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Só Garotos - Patti Smith


No momento estou lendo, e já quase chegando ao fim, o livro Só Garotos, que são memórias da cantora Patti Smith. Trata-se de um livro onde ela narra sua relação com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, com quem ela conviveu bem antes de se tornar uma das cantoras e compositoras revelação dos anos 70. Numa apresentação na contracapa, o livro é assim apresentado:
"Antes de se tornar famosa, a poeta e performer Patti Smith dividiu a cama, a comida e o sonho de ser artista com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, a quem prometeu escrever este livro, pouco antes que ele morresse".
O título do livro é explicado logo em seu início, nesse trecho:
"Em um dia de veranico vestimos nossas roupas favoritas, eu com minha sandália beatinik e uma velha echarpe, e Robert com suas amadas miçangas e o colete de ovelha. Pegamos o metrô até a West Fourth Street e passamos a tarde na Washington Square (...)
Estávamos andando em direção à fonte, o epicentro da ação, quando um casal mais velho parou e ficou abertamente nos observando. Robert gostava de ser notado, e apertou minha mão com carinho.
'Oh, tire uma foto deles', disse a mulher para o marido distraído, 'acho que são artistas.'
Ora, vamos logo, ele deu de ombros. 'São só garotos.'"
Um trecho do livro me fez lembrar de um fato que também aconteceu comigo uma vez, nos anos 80. O trecho é o seguinte:
"Uma frente fria passara por Nova York em outubro. Fiquei com muita tosse. O aquecimento nem sempre fucionava em nosso espaço. Não era um lugar feito para morar e sentíamos frio à noite. Robert muitas vezes ficava no Davis, e eu pegava todos os nossos cobertores e ficava acordada até bem tarde lendo Luluzinha e ouvindo Bob Dylan. Tive problemas com meus dentes do siso e estava acabada. Meu médico disse que eu estava com anemia e me mandou comer carne vermelha e beber cerveja escura, conselho dado a Baudelaire quando passou um inverno terrível em Bruxelas, doente e solitário.
Eu dispunha de um pouco mais de recursos do que o pobre Baudelaire na época. Vesti um velho casaco xadrez com bolsos grandes e surrupiei dois filés pequenos no Gristede's, pensando em fazê-los na frigideira de ferro fundido da minha avó, fritos no meu fogareiro elétrico. Fiquei surpresa ao encontrar Slim na rua e fizemos nosso primeiro passeio não noturno.Preocupada que a carne pudesse estragar, finalmente admiti que estava com dois pedaços de carne crua no bolso. Ele olhou para mim, tentando apurar se eu dizia a verdade, então enfiou a mão no meu bolso e puxou o bife no meio da Seventh Avenue. Balançou a cabeça fingindo me dar uma bronca e disse: 'Ok, docinho, vamos comer'".

O fato semelhante que aconteceu comigo, e que esse trecho me fez recordar é o seguinte. Uma vez, nos anos 80, numa noite de sábado, encontrei com um amigo, que estava de carro. Havia outras pessoas conosco, e uma dessas pessoas era um cara, que eu não conhecia, e que teve acesso à cozinha de um hotel da cidade. Num momento em que ficou sozinho no recinto, surrupiou um pedaço de carne crua, então saímos pela cidade, na madrugada, procurando um trailer que aceitasse assar aquele pedaço de bife na chapa. Após peregrinarmos por vários trailers da cidade, finalmente encontramos um que aceitasse grelhar nosso bife, que dividimos irmamente.
Também éramos só garotos.

sábado, 5 de novembro de 2011

Rumble Fish/ O Selvagem da Motocicleta


Em minha recente postagem sobre o poeta Chacal, eu falei sobre uma coleção chamada Cantadas Literárias, que a Editora Brasiliense mantinha nos idos dos anos 80. Várias obras de peso, nacionais e internacionais foram lançadas nessa coleção. Dentre elas um livro marcante, e que gerou uma excelente adaptação para o cinema. Trata-se de Rumble Fish, de Susan E. Hinton, que foi adaptado para o cinema em 1983. No Brasil, o filme ganhou o título de O Selvagem da Motocicleta. Esse título, por sinal, de vez em quando confunde algumas pessoas, que ao citarem o clássico O Selvagem, com Marlon Brando, erroneamente lhe dão o título de O Selvagem da Motocicleta, até porque Brando nesse filme, faz parte de uma gang de motociclistas.
O livro de Susan E. Hinton foi lançado em 1969, quando a autora tinha 19 anos. A adaptação para o cinema, com direção de Francis Ford Copolla aconteceu bem depois, já nos anos 80, e ajudou a impulsionar e trazer o livro de volta às livrarias.
No Brasil, na esteira do filme, Rumble Fish foi lançado em 1988, e na época saiu uma resenha num informativo da Editora Brasiliense chamado Primeiro Toque, que era um catálogo dos lançamentos de editora. Abaixo, alguns trechos dessa resenha, escrita por Pedro de Luna:
“Ainda me lembro muito bem do dia em que assisti a Rumble Fish pela primeira vez. Como sou um autêntico ‘cinemaníaco’, sempre procuro assistir aos novos filmes logo que eles estreiam. No caso de Rumble Fish isso não foi diferente. Era uma quinta-feira superquente, março de 87. Eu tinha passado o dia todo trabalhando aqui na editora e quando bateu as 5:30 eu queria, tinha, precisava mesmo dar uma saída. Eu já sabia que o filme estreava naquele dia e sabia que era do Copolla, um diretor que para mim, desde que assisti a Apocalypse Now é simplesmente demais!
Saí daqui com uma amiga que trabalhava na Arte, a Ângela, pegamos um ônibus na Paulista e fomos pro cinema, o Paulistano, ali na Brigadeiro Luis Antônio.
A gente tinha marcado de se encontrar com Celso, um cara muito legal que já editou o Primeiro Toque e que hoje está em Londres, mas ele deu o cano. Compramos os ingressos, entramos na sala e fomos sentar lá na frente. Estava passando o jornal do Primo Carbonari e a gente se divertiu contando quantas vezes o próprio Primo Carbonari (um velho imensamente gordo e careca que parece sempre usar o mesmo terno) aparecia nas reportagens daquele lixo que ele chama de cinejornal. E aí, de repente, Rumble Fish – proibido para menores de 16 anos, porque, segundo a censura, abordava ‘temáticas complexas’...(???)
Imagens em preto e branco, cenas de uma pequena cidade do meio-oeste americano, anos 60, o Bar do Benny (um cara de óculos que eu logo reconheci como sendo o músico Tom Waits), e Matt Dylon, ou melhor, Rusty James, um garoto de 16 anos, metido a valentão, e que sonha em ser como o irmão mais velho (explicação: o irmão mais velho é nada mais, nada menos do que Mickey Rourke, o motorcycle Boy)
Foram duas horas de paralisia. Eu estava grudado na poltrona e não conseguia me mexer. Através da simples história de uma guerra entre gangs juvenis e das perspectivas de um adolescente diante do seu futuro, Rumble Fish foi para mim uma das mais contundentes e ferinas críticas ao american way of life, um sistema que, como todo o sistema, só serve para quem nele se insere, ou se submete.”

Apesar da publicação ter como objetivo promover e divulgar o livro, o texto fala do filme e não da obra literária, embora, logicamente por se tratar de uma adaptação, o livro indiretamente é lembrado e também divulgado. O livro é mesmo ótimo, e mereceu a excelente adaptação cinematográfica, algo que nem sempre ocorre.
Uma citação de uma resenha publicada no jornal americano Newsweek descreve Rumble Fish como “um livro que fala de juventude, de liberdade e de espaços abertos. Mais do que isso, revela uma outra visão do american way of life: a dos inconformados, dos ‘selvagens’ que tentam a todo custo levar suas vidas fora dos padrões pré-estabelecidos, mesmo que – para isso – corram o risco de perdê-las. Rumble Fish é um brilhante poema sobre o exílio interior.”