Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

domingo, 27 de dezembro de 2009

Livros


Livros
Caetano Veloso
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.


Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.


Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:


Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Dezenove Dúzias de Palavras e Mais Uma de Quebra

As pessoas precisam se certificar que nem tudo que acontece a nossa volta são fatos que se correlacionam com outros que se desenvolveram anteriormente, e por isso são independentes, e sendo assim nada pode ser tão surpreendente a ponto de forçar atitudes declaradamente anormais. Nada poderá deter a vontade de usarmos de todos os nossos recursos, mesmo que eles não venham refletir nossa maneira própria de agir, e identificarem nossa imagem aos olhos daqueles que nos observam, e por isso mesmo têm dentro de si a opinião que seus conceitos podem ser emitidos a qualquer um que lhes questione ou não, e façam com que as versões dos fatos observados envolvendo determinadas situações sejam colocadas à discussão por pessoas que não têm procuração para decidir sobre a sorte que acontecimentos alheios irão ter num arsenal de opiniões, às vezes sem um fundamento lógico a se despejar sobre nós, à nossa revelia.
Acima de qualquer coisa, as verdades são inquestionáveis até o limite da distorção que determinados fatos poderão sofrer, e dessa forma impedir que as coisas venham a se inteirar com outras, criando uma cadeia de acontecimentos distorcidos, que qual uma teia de aranha vão se interligando e formando um todo que se torna uma forma única. E assim se traçam os caminhos que poderão dar em alguma parte talvez perdida, como terras desabitadas em meio ao deserto da distorção das verdades, temporariamente abandonadas, porém não de todo ignoradas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Bolso Cheio de Calhorda


Em 1966 Bob Dylan sofreu um acidente de moto, que o obrigou a ficar um bom tempo de repouso. Durante aquele período se refugiou em uma fazenda em Woodstock, onde gravou com a The Band o antológico Basement Tapes, e escreveu o livro Tarântula. Os textos de Tarântula são caóticos, e como diz a contracapa da edição brasileira (Eitora Brasiliense - 1986), "Tarântula é um caleidoscópio de prosa e poesia, e sobretudo um exercício de liberdade da imaginação e da fantasia". Já li o livro três vezes, e cada leitura é uma descoberta, sempre um prazer renovado. A tradução é de Paulo Henriques Brito. Segue um trecho da obra:

Bolso cheio de calhorda

numa hilariante sepultura de frutas se esconde o pequenino pistoleiro - uma garrafa quente de suco de casadecômodos da beira da pele de carneiro dele/ lorde thomas dos rouxinóis, pássaro da juventude, rasputin o panaca, galileu o gente fina & max, o enxadrista principiante/ as batalhas dentro das almas deles & luvas tão mortas quanto as lendas deles só mais trabalho pros bobos da corte vivos - vítimas de assassinato & morrer é fácil... do outro lado da lápide, o vilão amador dorme com a língua de fora & a cabeça dentro da fronha/ nada nele faz que ele pareça diferente/ ele passa despercebido

caro Sabu
é a minha menina! ela me diz que
faz longos passeios no bosque,
o gozado é que uma noite
fui atrás dela, & é verdade mesmo, tento
fazer ela se interessar em coisas
tipo armas i futebol, mas ela
fecha os olhos e diz:
"não acredito que isso exista mesmo"
ontem à noite ela tentou se enforcar...
na mesma hora pensei em internar
ela, mas porra, ela é a minha menina,
& todo mundo vai me olhar de esguelha
porque eu vivo com uma maluca,
quem sabe se eu der um carro só pra ela
não ajuda/ qual a solução?
obrigado pela atenção
Nas Últimas

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Fernando, o Namorado da Bisavó


Fernando, o Namorado da Bisavó orienta seus passos segundo o que manda sua consciência, e acredita que o comportamento que resolveu adotar no direcionamento da sua vida irá ao encontro de seus reais anseios, fazendo com que as frustrações colecionadas ao longo dos anos sejam convertidas em momentos secundários em sua biografia.
Alicerçando suas conquistas pessoais em lembranças de vivências fortalecidas em suas peculiaridades personificadas em exaltações a nível pessoal, ele faz com que sua história seja escrita através de imagens projetadas por sua imaginação auto-glorificadora.
Fernando, o Namorado da Bisavó recorrerá às falsas afirmativas de auto-estima para que nunca saia da mira dos holofotes da exaltação, aos olhos daqueles que segundo ele, acompanham sua trajetória de vida.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Milena


Milena

Subi os degraus do ônibus. Ao passar pela roleta avistei um lugar vago. Ao me sentar percebi que a morena ao lado era ela. Milena, a cantora da noite.
Naquele fim de semana eu lhe havia entregue um bilhete com um pedido: “Close To You”. Acho que é de Burt Bacharach. Mais do que a música, o que eu queria era chegar perto dela. Até deu pra sentir o seu perfume. Era o mesmo que usava ali, a meu lado.
Não era todo dia que eu teria Milena lado a lado, num banco de ônibus, como uma simples mortal. Hoje é meu dia de sorte.
- Você é Milena, que canta na noite?
- Sou. – Me respondeu ao mesmo tempo em que se levantava para descer no próximo ponto.
Olhando a poltrona vazia pensei:
- Da próxima vez vou pedir “September Of My Years”. Sinatra é foda!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

Salvação da Lavoura


Essa ilustração nasceu a partir da frase exposta. Não me lembro em que circunstância eu a criei, mas acredito que escrevi em um papel e me esqueci dela, e depois ao pegar a folha em que ela estava escrita, resolvi fazer algo com ela. Achei que a melhor forma de utilizá-la seria adaptá-la a uma imagem. Normalmente quando isso acontece eu faço um desenho de alguém falando a frase, ou utilizo um desenho já pronto e acrescento um balão com a frase que desejo trabalhar. Nesse caso, eu preferia utilizar uma imagem que de alguma forma interagisse com a ideia da frase, pois uma ilustração onde somente aparecesse um personagem pronunciando a frase, perderia um pouco de um impacto visual que eu procurava. Um dia vi essa ilustração em um jornal, e encontrei finalmente o que procurava.O desenho, que era em preto e branco, eu colorizei digitalmente, e o resultado foi esse.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Aldir Blanc



Quem me conhece sabe que Aldir Blanc é um de meus heróis, desde adolescente, desde que passei a admirar a palavra bem escrita, bem falada, bem cantada, a palavra do bem. Primeiro descobri o letrista, depois o cronista, e o poeta de sempre. Esse poema eu li em 1982, em sua coluna no Pasquim. Ao terminar a leitura, exclamei: "puta que pariu!". Poucos poemas que li em minha vida, e não foram poucos, me tocaram e me emocionaram tanto. Eu, que guardo todos os jornais, revistas, recortes, e tudo que acho interessante, não tinha comigo esse poema que tanto me marcou, porque o jornal era emprestado, e eu o devolvi sem copiá-lo - uma terrível falha.
Bastante tempo depois, reencontrei esse poema em um de seus livros, e o resgatei definitivamente.

Choro Pra Bandolim
Tenho uma filha enterrada na Cacuia,
enterrada junto com milhares de olhares meus
que, sobre sua agonia, suplicavam que vivesse,
enterrada junto com outros meros números
nas estatísticas falsificadas
de nossa mortalidade infantil.
Tenho um futuro enterrado na Cacuia,
um deles,
enterrado
junto com os passeios de mãos dadas
e uma bicicleta verde
que não encostamos na relva suja
de nossas praças miseráveis.
Filha,
enquanto apodreces,
minha carne se retesa de amor
pelas meninas brasileiras.
Estou pra sempre livre da necrofilia
porque fui abençoado por um instante
de luz em teus olhos escuros,
por um filete de sangue
de tuas narinas pequenas,
pela tua agonia sem metáforas
que me transformou nesse rebelde,
nesse incoformado,
nesse ser agora diferente de você
visceralmente diferente de você
ansiosamente diferente de você
mortalmente diferente de você.
Às vezes, julgo te reconhecer
num carnaval, de clóvis na linha do trem,
num São João, com sobrancelhas pintadas de rolha,
no Maracanã, com a camisa do Vasco,
pivete, vendendo limão entre carros,
mendiga, de pés descalços e barriga estofadinha de parasitas.
Às vezes, penso que ficaste soterrada
nos escombros de um barraco
durante a chuvarada,
ou que estavas entre as crianças
no circo que pegou fogo,
na epidemia fatal de poliomielite,
de meningite, de burocratite,
na bala perdida,
no trem descarrilado,
no avião perdido por aí,
no bueiro aberto ou no escapamento de gás,
no fio de alta-tensão desencapado
ou no pronto-socorro do Andaraí,
onde tu entra cajá e sai caqui.
Mas não. Estás enterrada na Cacuia,
ancorada na Ilha do Governador
e és terra, pó, lixo, talvez uma pequena flor amarela
que ninguém sabe o nome.
Dorme, filhinha, teu desperto sono
de coisa em transformação
que, no coração do Rio de Janeiro,
eu, teu pai e mau poeta,
velo ainda por tua lembrança
no momento derradeiro
até o interminável abraço que seremos
um dia: solo brasileiro.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Colagem meio pop-art

O desenho ao lado é uma colagem que faz parte de uma publicação minha que se chamou "Crazy?". Eu costumo criar grafismos e desenhos de expressões humanas. Resovi juntar esses dois tipos de desenhos, e colori em torno pra ver o resultado. O desenho original apresentava algumas imperfeições, principalmente nos grafismos, como por exemplo, irregularidades no enquadramento. Também alterei algumas cores digitalmente. O resultado final ficou assim.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Assassinato de Glauber Rocha

Em agosto de 1981 o Brasil perdia Glauber Rocha, vítima de pneumonia em um hospital de Portugal. Na época a extinta revista Careta fez uma ampla reportagem sobre o acontecido. O jornalista Tarso de Castro era amigo pessoal de Glauber, por isso a revista foi quase toda dedicada a ele. A chamada de capa, destacada ao lado, trazia como título O Assassinato de Glauber Rocha.
Abaixo o texto emocionado do jornalista falando do amigo:

"É muito estranho escrever sobre a morte de Glauber Rocha. É muito estranho escrever sobre a morte de um amigo. Portanto, é difícil começar esse artigo. Difícil e fácil porque, na verdade, nada está morto em Glauber - o que está morto é um pedaço do Brasil; morto Glauber, assassinado, morreu de todos nós um pouco. Que se fodam os respeitáveis, os do poder; ele foi tão grande que nenhum deles poderia engraxar-lhe os sapatos.
Eu queria dizer-lhes o seguinte: vocês nunca foram nada, não são nada, nunca serão nada. Nem deixarão nada, nada parecido com o que ele deixou.
Morremos de rir de vocês.
Ele foi envenenado pelo colonialismo português. Explico: deixaram-lhe bacilos e germes a invadir-lhe o sangue. Morto pelo Hospital CUF de Portugal.
Se estou louco?
Estou. De dor. De dor pelo assassinato de Glauber e pelo nosso próprio assassinato. Pobre de um país que já se chamou Brasil e que não consegue absorver seu melhor filho. Que foi a luz mais luminosa de uma possível manhã que é turvada pela nuvem de dezoito anos, nojenta nuvem que não o tolerou quando ele - que sempre foi o maior, melhor, mais digno - ofereceu-lhe tolerância, contra tudo e contra todos. Deus, quantos criticaram Glauber. E, depois, qual deles soube morrer, pagar até o fim?
À merda a farda de Zé Celso Martinez Correa e seus asseclas. À merda os salvadores da pátria que a tranformaram em palavra iniciada em letra minúscula. Glauber deu-lhes a última chance de se perfilar dignamente: foi quando passou deitado e sorrindo em seu caixão."

Na revista, acima desse artigo havia uma cópia da certidão de óbito de Glauber, e o texto termina assim:
"Acima está o certificado de óbito. Falta a verdadeira Causa Mortis. Se chama Brasil."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Entre X e Y na Escala Pegman

O texto abaixo foi escrito da seguinte forma: Eu havia resolvido fazer um exercício de escrita, pegando uma folha pautada, e colocado de forma aleatória todas as letras do alfabeto. Depois tentava escrever um texto cujas palavras fossem se encaixando nas letras previamente colocadas na folha. À princípio achei que não teria grandes dificuldades em conseguir, mas a coisa era bem mais difícil do que eu pensava. Depois de inúmeras tentativas fracassadas, fui tentando criar uma técnica que me permitisse vencer o desafio, e finalmente criar um texto. Resolvi então criar um pseudo-texto científico em que inventaria expressões técnicas para que certas letras que se encontravam previamente na folha pudessem se encaixar no texto. Após inúmeras tentativas o resultado foi esse:


AS DÚVIDAS QUE POVOAM MINHA CABEÇA SE DISSIPARÃO NESSE CÉU AZULZÃO. PERGUNTAS AINDA NÃO FORMULADAS SERÃO LANÇADAS AO PROJECTOR VICTI EM QUESTÃO DE BREVES SEGUNDOS. O ZOOM DAS FOTO-TRIMENS REFLETIRÃO FOCOS LUMINOSOS, DIMENSIONANDO E ENQUADRANDO IMAGENS TRIDIMENSIONAIS, PODENDO QUEBRAR A BARREIRA H, E LANÇANDO JOGOS MENTAIS DE DEDUÇÕES LÓGICAS QUE IRÃO REGULAR AS NOVAS CONDUTAS, SEMPRE REUNINDO SOBRAS DE IDEIAS QUE SERÃO APROVEITADAS SEM DESFRAGMENTAÇÕES DESNECESSÁRIAS E TOLAS. RESTABELECER SITUAÇÕES ANTERIORMENTE DEFINIDAS ENTRE X E Y NA ESCALA PEGMAN. A PARTIR DESSA FASE, OS DIFERENTES NÍVEIS DE ENTENDIMENTO OCASIONARÃO PERFEITAS VISÕES.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Cabeças Pensantes



Cabeças pensantes entrarão em órbita e viajarão entre cometas e asteróides que reluzem pelo céu como vagalumes da consciência a despejar fagulhas na escuridão de uma noite adormecida em nossa mente, refletindo e respirando indagações que nos remetem ao fundo de nosso inconsciente que se embriaga com as sílabas ondulantes de frases desconexas que nos vêm pelo ar como uma nuvem de gafanhotos guiados por seu instinto de inseto a destruir a lavoura de conceitos comportamentais pré-estabelecidos pela sociedade que nos rodeia como ondas do mar em torno de uma ilha onde gaivotas sobrevoam pelo simples prazer de saber que o espaço e o vento são elementos aliados para um conceito abrangente da busca da liberdade.

Tumultuados Momentos

Tumultuados Momentos está entre os meus melhores desenhos, em minha opinião. A ilustração traz dois caras olhando para um determinado ponto, que não fica explícito no desenho que se trata do mesmo ponto, já que os dois se encontram em planos diferentes. O personagem que aparece em detalhe dá um discreto sorriso, enquanto o outro, de camisa preta, esboça um sorriso maior. O fato é que a imagem (ou imagens) que ambos olham lhes traz(em) algo positivo e/ou interessante. O texto que acompanha o desenho dá a entender que se trata de uma descrição do que eles observam, já que a imagem está fora do campo de visão de quem observa a ilustração. A expressão "tumultuados momentos" contrasta com a posição passiva e relaxada de ambos personagens, porém como as calamidades decorrentes dos tumultuados momentos descritos são qualificadas como de miniatura, e as consequências apenas relativas, fica entendido que o que eles observam tem um caráter cômico.
O processo de criação da ilustração foi o seguinte: eu desenhei os dois personagens, inicialmente sem pensar em escrever nenhum texto. Quando terminei os dois desenhos resolvi escrever naquele espaço a primeira coisa que me viesse a cabeça, e saiu o pequeno texto. Esse desenho eu modifiquei digitalmente. O fundo vermelho, era roxo, e algumas cores eu avivei, já que a coloração havia sido feita originalmente com hidrocor. No texto, eu fiz duas mudanças. Uma foi tirar o trema da palavra consequências, de acordo com o recente acordo ortográfico. A outra foi uma coisa que eu sempre invoquei com o texto. Eu havia escrito "calamidades em miniaturas". Depois de escrito eu achei que seria mais correto usar "em miniatura", no singular. Mas como havia escrito à caneta, se tentasse corrigir poderia rasurar a imagem, e preferi não correr esse risco. Através do processo digital, pude fazer essa correção sem problemas.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Millôr Fernandes- Um escritor sem estilo


Millôr Fernandes é um de nossos gênios, uma daquelas cabeças privilegiadas que todo país precisa ter pra se orgulhar depois. Acompanho o trabalho de Millôr, creio que até antes de aprender a ler, pois sempre adorei seus desenhos, e olhava as ilustrações de seus textos que saiam em sua coluna de humor Pif-Paf, na revista O Cruzeiro. Uma de suas frases geniais, por sinal, faz referência ao ato de desenhar: "Viver é desenhar sem borracha".
Passei a admirar seu texto, e continuei acompanhando seu trabalho ao longo dos anos, no Pasquim, Veja, JB, O Dia, etc, etc. Uma de suas séries de frases mais interessantes é uma chamada Provébios Prolixados, em que ele pega vários daqueles ditados bem conhecidos e os reescreve de uma forma incompreensível para quem os lê. Eis alguns exemplos:
"A substância insípida, inodora e incolor que já se foi não é mais capaz de comunicar movimento ao engenho de triturar cereais" (Águas passadas não movem moinhos)
"O artífice que fabrica cabaz fundo, é capaz de fabricar vinte vezes o quíntuplo disso" (Cesteiro que faz um cesto faz um cento)
"De unidade de cereal em unidade de cereal a ave de crista carnuda e asas curtas e largas da família das galináceas abarrota a bolsa que existe nessa espécie por uma dilatação do esôfago e na qual os alimentos permanecem algum tempo antes de passarem à moela" (De grão em grão a galinha enche o papo)
"O Espírito das Trevas não é tão destituído de encantos e graças físicas quanto se o representa por meio de traços e cores" (O diabo não tão feio quanto se pinta)
"Quando o sol está abaixo do horizonte a totalidade dos animais domésticos da família dos felídeos são de cor mescla entre branco e preto" (À noite todos os gatos são pardos)
"Aquele que se deixa prender sentimentalmente por criatura destituída de dotes físicos e encanto ou graça, acha-se dotado desses mesmos dotes que outros não lhe veem" (Quem ama o feio, bonito lhe parece)
"A criatura canonizada que vive em nosso próprio lar não é capaz de produzir feito extrordinário que vá contra as leis fundamentais da natureza (Santo de casa não faz milagre)
"O traje característico que usa não identifica fundamental a pessoa que, por fanatismo, misticismo ou cálculo, se isola da sociedade, levando vida austera e desligada das coisas mundanas (O hábito não faz o monge)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Notícia de Jornal


Há muitos anos eu escrevi um verso que dizia:
Transmutado em gafanhoto
Invadindo a lavoura
É o meu braço canhoto
Em sua cabeça loura
Nesse verso eu comparava os cabelos louros de uma mulher com uma enorme plantação de trigo, e ao fazer um carinho em sua cabeça, imaginava meu braço com uma nuvem de gafanhotos voando sobre o campo dourado. Era uma visão poética de um gesto de carinho. Anos depois saiu nos jornais a história de uma mulher que virou gafanhoto após receber R$ 30,00. Os recortes ao lado foram tirados de dois jornais diferentes para não parecer que se trata de uma matéria de humor, uma piada. A notícia me fez lembrar de meu antigo verso, embora na notícia não exista nada de poético. Virar um gafanhoto por apenas R$ 30,00 é um retrato da condição precária de nosso povo.
Apesar de parecer surreal, as manchetes são reais, e não há nada de humorístico. Na verdade a história do gafanhoto se refere a um dos muitos escândalos e golpes contra o patrimônio público brasileiro. São tantos esses escândalos, que sempre são batizados com um nome específico, que já nem me lembro direito do caso. Só sei que "gafanhoto", por algum motivo era a denominação dos "laranjas" que eram usados para que mais um crime do colarinho branco fosse realizado. Como na época esse golpe vivia nos noticiários, as manchetes sobre os gafanhotos-laranjas não causava nenhum espanto, mas como sei que com o tempo os escândalos acabam sendo esquecidos, até porque são substituídos por outros, imaginei que anos depois as manchetes pareceriam coisa de maluco. Por isso recortei, guardei, e esperei o tempo passar. Não sei que fim levou a mulher que virou gafanhoto em troca de grana, mas tenho certeza que os verdadeiros gafanhotos estão soltos, muito bem de vida, e invadindo outras lavouras.

Matéria Interessante



Desde adolescente eu já me ligava em música, e lia tudo que conseguia sobre o assunto. A música brasileira vivia uma fase brilhante, com o surgimento de vários cantores e compositores que traziam algo novo no cenário musical. Em setembro de 1975 a revista Veja trazia uma matéria de capa com a seguinte frase de chamada:"Uma Geração de Briga". A capa trazia uma foto com Luiz Melodia, Fagner, João Bosco e Walter Franco. Quando soube dessa matéria, logo comprei a revista. A matéria trazia o título de Andarilhos Solitários, e falava nas dificuldades e agruras pelas quais os novos compositores passavam, e também trazia um panorama da MPB da época, em seus vários estilos, incluindo o rock.
Os quatro músicos destacados na capa deram seus depoimentos, assim como outros compositores que surgiam na época. Fagner, por exemplo, ainda um artista de penetração restrita no mercado, mostrava sua indignação: "Eu sou um cara que consigo (sic) as coisas porque vou lá e brigo. Não quero saber se tem secretária mandando eu não entrar, eu abro a porta, vou lá e pergunto qual é. Porque quando você conversa com esses caras de gravadoras parece que você está falando de laranja e banana. Os caras que mais odeiam música são os que trabalham com ela."
Walter Franco, também dá seu depoimento, com sua postura zen, e à sua maneira define bem o que era fazer parte do grupo dos "malditos" da MPB, já que seu trabalho era, e ainda é, anticomercial ao extremo: "As coisas mais simples são as mais profundas - e vice-versa. Uma delas, uma das poucas certezas que tenho, é que os homens se dividem, desde os tempos não registrados pela História em grupos e tribos. E existe uma, a tribo dos que caminham à frente da manada, dos que amam, dos que têm fé neles mesmos e em suas pequenas, infinitas descobertas. Essa tribo foi necessária - e odiada. É a minha. Diminuta, composta de gente que pretende a harmonia, o belo, e que se nutre de amplos espaços que os outros só ocuparão muito tempo depois."

A matéria também destacava Raul Seixas, que na ocasião estava gravando o disco Novo Aeon (que na ocasião da matéria iria se chamar Caminhos), Alceu Valença, Belchior, e outros, ainda em início de carreira.
A matéria ainda trazia um box intitulado "Os, apesar de tudo, estreantes", que destacava compositores novatos, ou não tão novatos assim. Os nomes destacados eram Sueli Costa, Lô Borges, Carlinhos Vergueiro, Lecy Brandão, Duardo Dussek (ele só adotaria o nome Eduardo nos anos 80), Ednardo, e dois nomes que não se destacaram na carreira: Walker e Marcus Vinícius. Walker, eu soube que lançou um cd nos anos 90, e Marcus Vinícius eu creio que seja um produtor musical que de vez em quando eu leio a respeito, mas não tenho certeza.
A matéria é interessante, e lê-la hoje, 34 anos depois, nos dá uma visão do panorama musical da época.

Por que Paulo Coelho é tão odiado?


Após a Globo exibir o programa Por Toda Minha Vida, falando da vida e carreira de Raul Seixas, entrei na comunidade oficial de Raul no orkut, parta ler e opinar sobre o programa. Me chamou a atenção um tópico sobre Paulo Coelho, que participou do programa através de depoimentos. O que vi nesse tópico foi um ataque feroz contra o ex-parceiro de Raul em cerca de 90% dos posts. Muitos minimizavam a importância de Paulo Coelho na parceria, outros até punham em dúvida a real participação dele em várias letras, alguns o acusavam de se valer da imagem de Raul para se promover, e por aí vai.
Não sou leitor nem fã de Paulo Coelho, embora já tenha lido alguns de seus livros. Sobre o escritor, devo dizer, baseado no pouco dele que li, que não acho que sua literatura seja tão bem escrita e fantástica a ponto de vender tanto, de ter tanto prestígio internacional, e até fazer parte da Academia. Por outro lado não acho que o que ele escreve seja tão ruim a ponto de receber tantas críticas. Na comunidade fui um dos poucos a defender e reconhecer que a parceria com Paulo Coelho foi a melhor fase da carreira de Raul, e afirmei que se após terminar a parceria, Coelho virasse um empresário, por exemplo, e sumisse da mídia, seria considerado pelos fãs de Raul como seu grande parceiro. Uma vez Tom Jobim afirmou que no Brasil o sucesso de alguém é quase uma ofensa pessoal. Essa máxima talvez se aplique a Paulo Coelho.
Recentemente li o livro A Canção do Mago, de Hérica Marmo, que fala sobre o letrista Paulo Coelho. Nesse livro encontrei muitos fatos interessantes sobre Raul, sobre a parceria com Paulo, o processo de criação dos dois, e muitas outras histórias. Já li várias biografias de Raul, conheço quase todas suas histórias, mas esse livro trouxe muita coisa que eu não conhecia. Acho que todo fã de Raul que se interessa por sua biografia devia ler esse livro, mas se eu indicar essa leitura, sei que serei execrado pela ala xiita dos fãs de Raul. O livro não fala somente da parceria de Paulo com Raul, mas á história dessa parceria está presente na maior parte do texto. O livro fala de outros parceiros, como Rita Lee e Zé Rodrix, ainda nos anos 70, e também num trabalho mais comercial para artistas populares, como José Augusto, Sidney Magal, Dudu França e outros menos cotados. Esse trecho do livro se torna menos interessante, mas é necessário que tenha sido registrado, já que a proposta da obra é abranger toda a obra de Paulo Coelho como letrista, independente da qualidade ou importância de seu texto musicado.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A primeira imagem

Essa imagem de Jimi Hendrix foi a primeira dele que eu vi. Aliás, foi com essa imagem que eu fiquei sabendo da existência de Hendrix, quando eu tinha uns dez anos. Era de uma campanha contra o uso de drogas que havia saído em uma revista, e usava o exemplo de Jimi, que havia morrido ainda recentemente, como uma vítima das drogas. Havia uma outra versão, talvez com o mesmo texto, usando a imagem de Janis Joplin. Anos depois já conhecendo um pouco da obra e da importância de Hendrix, quis ter aquela foto, e após muito procurar acabei encontrando a revista, e recortei e guardei a imagem que eu procurava. Procurei também a de Janis, mas não encontrei mais.
Ainda tenho essa foto, um tanto danificada pelo tempo, e resolvi restaurá-la, e o resultado é esse ao lado, embora ainda não tenha terminado o trabalho. O fundo amarelo fui eu quem colocou, pois havia um pequeno rasgão na parte inferior da foto, e para retirar essa marca, achei melhor mudar toda a cor do fundo, o que acabou dando um belo efeito visual. Também reavivei o preto. O interessante é que ao longo de todos esses anos, eu já vi centenas de fotos de Hendrix, em revistas, livros, fanzines, internet, etc, mas essa imagem eu nunca vi em lugar nenhum, a não ser estampada em uma camisa que um cara usava num baile de carnaval , logo depois de publicada naquela revista, e eu ainda era criança. Muito anos depois, tirei uma xerox ampliada dessa imagem e também coloquei em uma camisa. Sempre gostei dessa foto, pela expressão de seu rosto, e pelo efeito do sombreado.
Lembro que a primeira pessoa que me falou em Jimi Hendrix foi um colega de turma, quando eu tinha catorze anos. Eu já havia lido sobre ele, já sabia que Hendrix era um ícone do rock, que eu pouco conhecia ainda, mas ninguém até então tinha me falado sobre ele. Esse colega era de Niterói. Seu pai era militar, e naquele ano (1973) ele havia sido transferido para Campos para chefiar o quartel da polícia militar. Ele ao falar de Hendrix dizia que ele tocava com a língua, e com a guitarra nas costas, e ainda que era conhoto, coisas que eu ainda não sabia.
O som de Hendrix eu só fui conhecer um tempo depois, através de um flex-disc, que era um disco especial e promocional, de plástico em vez de ser de vinil, com uma música da fase final de sua carreira, com a Band of Gypsis. O primeiro lp eu só ouvi anos após, emprestado por um outro colega de turma. Não me lembro do título, mas é um disco em que na capa aparece um boneco de Jimi tocando guitarra com a mão direita. Um erro de informação.
Mas a primeira imagem ficou, intacta e restaurada.