Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Raul Seixas e Raulzito Sempre Foram o Mesmo Homem

Quem conhece um pouco da história de Raul Seixas deve saber que antes de se tornar um cantor e compositor de sucesso, ele trabalhou durante quatro anos como produtor de discos de artistas populares na gravadora CBS, hoje Sony Music. Além de produtor, Raulzito, como era mais conhecido na época, também fornecia músicas de sua autoria para os artistas que produzia, como Jerry Adriani, Diana, Renato e Seus Blue Caps, Wanderley Cardoso, José Roberto, Leno e Lilian, Ed Wilson, Alípio Martins, e outros.
Quando esse seu passado de produtor veio à tona, surpreendeu a muita gente, pois aquele cantor e compositor rebelde, contestador, questionador, e que tratava em suas músicas de questões sociais, metafísicas, filosóficas, utópicas, etc, não combinava com o autor de sucessos populares como Doce, Doce Amor, Tudo Que É Bom Dura Pouco (Jerry Adriani), Ainda Queima a Esperança (Diana), Obrigado Pela Atenção e Darling (Renato e Seus Blue Caps). Todas essas músicas eu conhecia do rádio, eram hits que faziam parte da programação de emissoras AM.

Em sua composição As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor (do disco Gita, de 74), ele diz:"Raul Seixas e Raulzito/ Sempre foram o mesmo Homem/ Mas para aprender o jogo dos ratos/Transou com Deus e com o lobisomem". Nesse verso Raul promove uma espécie de aproximação entre esses dois personagens (ele sempre se dizia um ator), que em comum aprenderam "o jogo dos ratos", provavelmente uma metáfora para o mercado de discos, sempre em busca do sucesso, e nos dois lados distintos que ele conhecia, ele se saiu bem.
Seu trabalho como produtor, que aconteceu entre uma tentativa frustrada de alcançar o sucesso como artista e músico (o disco Raulzito e os Panteras), e a consagração a partir do sucesso do compacto com Ouro de Tolo, aconteceu de 1969 a 1973. Casado de pouco e com uma filha para criar, Raul empenhou a função de produtor e compositor para manter uma renda que lhe permitisse uma qualidade de vida razoável. Segundo o próprio Raul, nesse período ele compôs cerca de oitenta músicas, inclusive para artistas de outras gravadoras, todas com uma levada bem comercial. O grande responsável pela carreira de Raul como produtor foi o cantor Jerry Adriani, que o descobriu em Salvador, quando foi tocar por lá. A banda que iria acompanhá-lo não apareceu, e foi-lhe indicada a banda de Raul. Jerry gostou de Raul e convidou-o a ir para o Rio, e logo o apresentou a executivos da CBS, e pediu para que Raul produzisse seu próximo disco. Raul acabou produzindo vários discos não só de Jerry, como de outros artistas.

A experiência de Raul com a música de fácil consumo com certeza o levou a desenvolver seu trabalho pessoal anos depois, quando conseguiu aliar qualidade e popularidade. Seu parceiro de então, Paulo Coelho, sempre diz que foi Raul quem ensinou-lhe a falar de modo fácil, direto, sem complicações, e assim atingir um grande público, sem comprometer a qualidade do texto. Talvez daí venha o grande sucesso da parceria de ambos. O enorme sucesso de Gita é um exemplo. Uma letra extensa e carregada de referências esotéricas, não seria exatamente uma receita de sucesso. Porém a música caiu no gosto do público e tocou tanto, que Raul, que na época estava exilado nos EUA, teve que ser chamado de volta às pressas pelo mesmo governo da ditadura que o "convidou" a se retirar do país, pois seria difícil justificar a ausência do cantor e compositor dos mais populares do país na ocasião. Foi o único caso em que uma música, ao invés de expulsar seu autor do país, o trazia de volta. Coisas de Raul e Raulzito, que sempre foram o mesmo homem.

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