Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A Volta de Taiguara - Revista Música (1984)

Taiguara (1945-1996) foi um dos muitos artistas brasileiros vítimas da Censura Federal dos tempos sombrios da ditadura. A grande decepção que sofreu ao ver um de seus discos mais bem produzidos, Imyra Tayra Ipy, de 1976, ser recolhido das lojas sem maiores explicações, numa atitude típica de uma época de triste memória para o Brasil, fez com que esse grande criador buscasse um auto-exílio, e desaparecesse completamente do cenário artístico.
Após vários anos sem dar notícias, o que levava a várias especulações sobre seu paradeiro, só em 1984 Taiguara retornaria ao país, depois de percorrer vários países, e gravaria o disco Canções de Amor e Liberdade. Na ocasião, a revista Música trazia uma matéria sobre esse retorno de Taiguara ao mundo do disco, assinada por Marina C. M. Teixeira e Mello, e intitulada "Mais que nunca é preciso cantar":
"Para os amigos, uma atitude há muito esperada. Para os fãs, uma bela surpresa; para os críticos, a expectativa diante de novos trabalhos. Depois de um afastamento de 10 anos do público e das gravações, Taigura está de volta - e pra valer. Um disco lançado e outro em preparação, projetos de shows em grande escala e sobretudo uma vontade imensa de falar, de tirar a diferença do longo silêncio.
As razões da ausência vieram explicadas de forma lírica, numa de suas novas composições ('O Amor da Justiça') onde ele diz: 'Pois é, companheiro/ não dá pra ver tanta injustiça/ e estar a dizer 'eu te amo' pra alguém que não vê/ Por isso esses anos/ calado/ Por isso meus versos proibidos/ Por isso não houve notícia de mim pra você.'
Dos velhos tempos permaneceu o sorriso e a voz bonita. Aos 38 anos, Taiguara Chalar da Silva não mudou apenas no físico; no rosto marcado do homem maduro refletem-se os anos de exílio voluntário, imposto pela revolta e  impotência diante de uma censura que sistematicamente boicotava o seu trabalho. E seus olhos faiscam, enquanto ele recorda os fatos passados.
'Foi em 1973 que dei o meu grito de protesto, do único jeito possível: largando tudo e saindo do país. Não havia canais de denúncia, e todas as minhas composições eram vetadas pela censura prévia. As poucas que passavam vinham mutiladas, recebendo a indesejável 'parceria' dos censores... Depois de terem sido proibidas 44 músicas, desisti. não dava mais pra aguentar.'
Estava longe o jovem cantor dos grandes festivais, das noitadas românticas no famoso 'João Sebastião Bar', onde se apresentava com Claudete Soares e Geraldo Vandré, dos shows universitários de bossa-nova, ao lado de Toquinho e Chico Buarque. Mas algumas de suas composições desafiaram a ausência e permaneceram até hoje - gravadas por outros cantores ou garantindo o sucesso de um disco. É o caso das antológicas 'Hoje', 'Viagem' ou 'Universo no Teu Corpo'.
A conscientização política de Taiguara incomodava, naquele período negro do final da década de 60. Por isso teve início o processo de perseguição da censura, que culminou com a sua partida do Brasil. Todos os seus discos foram retirados de catálogo - e somente algumas canções consideradas 'inofensivas' foram reeditadas, com 'um cuidado especial: em álbuns de coletâneas de sucesso da pior qualidade'.
Longe da pátria, Taiguara passou a ter uma nova visão de nossa realidade. 'Andei pela  Europa, África e todo o continente americano. Do México às Malvinas vi na América um amontoado de povos inseguros, vivendo sob pretensas leis 'de segurança', oprimidos pela agressão colonial, sentindo o mesmo terror e correndo os mesmos riscos de Granada... Todos os povos latino-americanos - e incluo o Brasil - são pequenas e grandes 'granadas', prontas para explodir.'
Em Londres, onde cursou a pós graduação da Guidhall of Music and Drama, Taiguara produziu um LP com músicos da orquestra sinfônica, que foi proibido antes mesmo de ser editado. E ele desabafa: 'Como consolo, ou suborno para que eu me calasse, a Odeon me ofereceu a chance de fazer um disco 'com toda a liberdade'. Voltei então ao Brasil, e em 76 produzi com Hermeto pascoal o LP Imyra Tayra Ipy (onde falava do índio e da gente brasileira) que seria lançado com a Sinfônica do Rio Grande do Sul. E o que ocorreu? Simplesmente a Odeon não se empenhou no lançamento do disco; a censura do Rio Grande do Sul desmobilizou a Sinfônica e foram cancelados todos os shows do Circuito Universitário. Mais uma vez vencia esse pessoal que se esconde na noite escura do terrorismo, queima bancas de jornais e sufoca toda e qualquer liberdade'.
Com toda perseguição, como conseguiu voltar? Taiguara sorri: 'Minha volta foi muito preparada no Brasil. Houve uma mobilização dos companheiros que exigiam que eu voltasse à MPB, e dentro do clima e da tendência atual de 'abertura', minhas músicas foram examinadas pelo menos com respeito. E aí está finalmente o meu Canções de Amor e Liberdade.
Taiguara se ilumina ao falar do novo disco, onde canta suas raízes sulinas e o amor, sempre dentro de uma dimensão social e política. E faz sentir a influência de sua mulher Eliana, descendente dos índios Potiguares, que lhe deu os filhos Moina, Potiguar e Tagira, e com quem redescobriu a felicidade e o amor. 'Um amor maior, que vai além do relacionamento puro e simples entre um homem e uma mulher - analisa ele - e atinge uma ligação de solidariedade com a própria humanidade. Eliana é companheira de todas as horas. 'Esse amor o compositor mostra em algumas das novas composições, especialmente 'Marília das Ilhas' e 'Anita'. E a influência do Sul e do tempo vivido junto aos índios potiguares, estão em 'Voz do Leste', 'Che Tagira' ou 'América Del Índio'.
As tendências políticas permeiam todas as  novas músicas - e num momento Taiguara cede à tentação e resvala para uma redundante 'lição de moral' - na faixa 'Mais Valia', única falha real do disco. Mas a sua vibração não fica só em Canções de Amor e Liberdade, e ele diz, convicto: 'Estou cada vez mais consciente. É preciso cantar, lutar contra esse sistema, quebrar a flacidez em que se encontra a intelectualidade.' "

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Os Primeiros 25 Anos de Carreira de Eric Clapton (1988)

Em 1988 Eric Clapton completava 25 anos de carreira. Tendo passado por vários grupos, como os Yardbyrds, os Bluebreackers de John Mayall, Cream, Blind Faith, Derek and The Dominos, e uma carreira-solo de sucesso, tendo tocado com quase todos os músicos importantes do circuito de blues e rock, Eric chegava aos 25 anos de carreira ainda com muitos planos. A seção dominical Rio Fanzine do jornal O Globo trazia em sua edição de 21/02/88 uma matéria com Clapton, intitulada "Eric Clapton - bodas de prata, assinada por Carlos Albuquerque, e também um texto sobre o show comemorativo desses 25 anos, acontecido no Royal Albert Hall:
"Quando o jovem Eric Patrick Clapton resolveu abandonar os estudos numa escola de artes na cidade de Surrey, na Inglaterra, para abraçar definitivamente a guitarra e seguir carreira como músico, ele provavelmente não imaginava que, não apenas estaria ajudando a reescrever a história desse instrumento, como também se tornaria um dos maiores nomes do rock de todos os tempos. Hoje, 25 anos depois de formar seu primeiro grupo, sua trajetória é uma das mais interessantes da história do rock'n roll.
Sua primeira guitarra, uma Hofner de segunda mão, era dedilhada nos intervalos das aulas, para uma interessada plateia de jovens estudantes da mesma escola, todos mais velhos que ele, como Brian Jones, Ginger Baker, Mick Jagger e Jack Bruce. Em 1963, com dezessete anos, formou seu primeiro grupo, The Roosters. A banda teve fôlego curto, oito meses, bem como a seguinte, Casey Jones and The Engineers. Ambas calcadas no rythm'n blues, uma extensão da paixão de Clapton pelo blues americano.
O próximo passo seria consagrador: os Yardbyrds, o grupo que colocou de vez a guitarra na linha de frente do rock. Foi a primeira vez em que se ouviu o termo 'guitar hero'. Os shows dos Yardbyrds eram cultuados por uma fiel plateia, principalmente pelo desempenho de Clapton. É dessa época o grafite definitivo: 'Eric is God', rabiscado em diversos pontos de Londres.
Essa incontida adoração agradava a todos, menos a Clapton, dono de uma autocrítica tão exagerada como sua timidez. Mais tarde deixou o grupo (sendo substituído por ninguém menos que Jef Beck e Jimmy Page) e se juntou ao semi-lendário bluesman inglês, John Mayall, na mais brilhante formação dos seus Bluesbreackers. E novamente incomodando Clapton.
Depois de uma jamesbondeana excursão pela Grécia com um grupo de amigos formado de última hora (quando tiveram que fugir pela fronteira), Clapton reuniu-se ao primeiro supergrupo da história: o Cream, literalmente a nata musical de então. Um 'power-trio' inigualável: além dele, Jack Bruce e Ginger Baker. O conceito musical do grupo era acima de tudo a liberdade harmônica. Ou seja, cada um solava desenfreadamente. Na clássica 'I'm So Glad' o retrato perfeito disso: um diabólico solo a três, um para cada lado.
O fim do grupo veio junto com a vontade demonstrada por Clapton de seguir um novo caminho, menos desgastante e musicalmente mais contido, embora não menos rico.
Nasceu o Blind Faith, outro supergrupo (Clapton junto a Ginger Baker, Rick Grech e Stevie Winwood). A postura, entretanto, era outra, mais 'laid back', relaxada. A banda teve vida curta, apenas um disco e um frustrante show ao vivo no Hyde Park. Eric nessa época já flertava com as drogas, principalmente a fatal heroína.
A partir daí, coma chegada dos anos 70, a carreira de Clapton começou a oscilar entre altos e baixos. No primeiro caso, o disco 'Layla', sua obra-prima, era dedicado a Patti, mulher de seu melhor amigo, George Harrison, dos Beatles. O fracasso comercial do elepê, a morte de Duanne Allman (que abrilhantou decisivamente o trabalho) e a certeza de um amor impossível o levaram perigosamente à beira do abismo.
O primeiro renascimento da década de 70 veio com '461 Ocean Boulevard', gravado nas Bahamas, e firmando-se definitivamente, já no final da década, com o duplo 'Just One Night' e 'Another Ticket'. Neles, pra felicidade geral, volta à ativa o mitológico guitarrista, agora mais econômico, a nota certa no momento certo, como os grandes mestres do blues.
Hoje, Eric Clapton não tem mais nada a provar a ninguém. Se seu mais recente elepê 'August', produzido por Phil Collins, é polido demais, ao vivo ele ainda mostra que sua guitarra ainda continua ligada no amplificador. Uma fonte eterna onde continuam a peregrinar alguns dos mais brilhantes guitarristas da atualidade, como Eddie Van Halen ou Robert Cray. Apesar de tudo, o mito sobrevive intocável."
Na mesma matéria, há um ´texto sobre um show comemorativo dos 25 anos de carreira de Clapton, assinado pelo fotógrafo Milton Montenegro, e intitulado "A noite em que Deus tocou uma Fender":
"Quando eu tiver 64 anos e o Rio Fanzine me pedir uma lista dos dez maiores shows da minha vida, não sei se vai haver lugar para Bo Diddley arrebentando num clube do Village, o Run-DMC em pleno Apolo, ou os Paralamas do Sucesso em Mendes. Mas certamente disputando as primeiras colocações, vai figurar o show de Eric Clapton, mês passado em Londres - experiência mística comparável somente às que eu ainda não vivi (passeios de OVNI, um concerto do Regional do Caçulinha no Central Park etc).
Meninos e meninas, eu vi. Deus, ao vivo. E olha que meu périplo ia se encerrando sem maiores emoções musicais; o show sem tempero de Les Rita Mitsuoko em Nova York e um do Lloyd Cole & The Commotions absolutamente meia-bomba no Zenith Paris. Meu Deus, é justo, verdadeiro e anglo-saxão. Chegando a Londres de trem, Victoria Station, confiro logo no Time Out; 25 anos de Eric Clapton no Royal Albert Hall.
Na banda, Nathan East, no baixo, Mark Knopfler, o próprio, reverenciando o mestre e Ray Cooper, a réplica da velha Albion ao nosso Repolho. E a música de Clapton... A música de Clapton é o som que vem dos P.A.s do Olimpo. Não há muito o que dizer, só lembrar pra sempre.
Mas, de volta ao nosso rincão, o pêndulo de muitas dúvidas me assalta; constituinte, 40 graus, Marronzinho, enchentes. Certeza só  uma: Deus existe e toca uma Fender."
Obs: No último parágrafo, o citado Marronzinho era um camarada que queria se candidatar à presidente da república - um semi-analfabeto que só falava bobagem, e virou figura folclórica.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Nelson Cavaquinho Lança Seu Terceiro Disco (1973)

Nelson Cavaquinho é um daqueles nomes que sempre farão parte de um seleto time de grandes criadores, reconhecidos quase unanimemente por todos aqueles que apreciam música. Autor intuitivo, e possuidor de uma invejável capacidade de expressar uma musicalidade bem pessoal, Nelson, por isso mesmo é um daqueles compositores que podem ser facilmente identificados como autor de suas músicas ao serem ouvidas pela primeira vez. O seu toque de violão é outra característica bem pessoal, uma forma diferente e intuitiva, desenvolvida por ele mesmo, e que já chegou a ser elogiada até por Egberto Gismonti em um depoimento sobre Nelson em um programa de TV. A matéria que destaquei , inclusive, faz um comentário sobre um disco antigo seu, em que os produtores o proibiram de tocar seu violão, justamente por sua maneira diferente de tocar. A matéria abaixo foi publicada no jornal Folha da Manhã, de Porto Alegre em 18/12/73, e é assinada pelo jornalista e crítico Tárik de Souza:
"A voz é irremediavelmente rouca e difusa: raramente alcança o tom exato da música. O estranho violão toca sempre contrário à linha melódica, uma espécie de execução pelo avesso que às vezes lembra harmonizações orientais. E as letras contam histórias banais de maneira requintada e surpreendentemente arrojada. O autor deste equilíbrio entre forma, intenção, conteúdo e execução chama-se Nelson Antônio da Silva, filho de uma lavadeira e de um tocador de tuba da Polícia Militar do Rio. Mais conhecido por Nelson Cavaquinho por causa de um instrumento que quase nunca usa. Nelson grava seu terceiro e mais poderoso elepê de mais de 40 anos de carreira vivida menos no ambiente artístico que nos botequins cariocas. 'Nelson Cavaquinho' (elepê Odeon) revela todas as faces conhecidas do magnífico compositor e algumas ainda surpreendentes mesmo para quem o conhece agora no auge da carreira, consagrado aos 62 anos de idade. Por exemplo, Nelson apresenta e canta em dueto com o parceiro Guilherme de Brito algumas das principais músicas que fizeram juntos: A Flor e o Espinho, Se Eu Sorrir, Quando Eu Me Chamar Saudade e Pranto de Poeta. Além disso, toca cavaquinho - coisa que sempre se recusa a fazer nos shows - em seu choro 'Caminhando', estilo de música que o lançou ainda na década de 30, no bairro da Gávea no Rio. À vontade em disco pela primeira vez (antes gravou um elepê cheio de arestas numa gravadora que faliu e um disco onde foi proibido de tocar violão, na RCA) Nelson desfia suas cenas de marginalidade, boemia, ornadas por imagens que invariavelmente descrevem mulheres, flores e cenas de morte. 'Se eu for pensar muito na vida/ morro cedo, amor/ meu peito é forte/ nele tenho acumulado tanta dor/ as rugas fizeram residência no meu rosto' (Rugas, composta em 1941). 'Noites eu varei/ mas cada amor me fez um rei/ um rei vadio/ um poeta tão sem lei' (Rei Vadio). 'Mas depois que o tempo passar/ sei que ninguém vai se lembrar que eu fui embora/ por isso é que eu penso assim/ se alguém quiser fazer por mim, que faça agora' (Quando Eu Me Chamar Saudade). Acompanhado de conjunto e coro, Nelson e seu violão arrevesado contam trechos de uma das carreiras mais fantásticas e substanciosas da música brasileira.
Nascido na rua Mariz e Barros e criado na Lapa, Nelson viveu desde o início num ambiente de músicos: além do pai, seu tio adotivo era violonista e levava o instrumento para tocar em sua casa. Nelson havia fabricado um arremedo de violão (uma tampa de caixa de charutos com barbantes esticados) mas depois de fazer parte do primário foi obrigado a começar a trabalhar para ajudar a sustentar a família.
Em 1929, o Rio tinha cerca de 50 mil operários, concentrados principalmente na Gávea, onde Nelson foi morar também com a família e tornou-se tirador de espolim (resíduos têxteis) numa fábrica de tecidos. Ficou algum tempo como eletricista no centro da cidade e a seguir trabalhou numa outra fábrica como operário antes de casar ('sem dinheiro nem pra comprar sabão') e ingressar na Cavalaria da Polícia Militar, definindo os rumos de sua vida. Seria exatamente a que levou durante tantos anos até ser descoberto na década  de 60 cantando para estudantes e classe média no restaurante Zicartola, do compositor Cartola e sua mulher Zica. Cumprindo um longo roteiro de bares todas as noites, passando às vezes três dias sem ir em casa dormir, ele apesar da rotina policial, frequentava o morro de Mangueira e compunha sambas depois de ter sido um apreciável chorão na época em que morava no reduto deste gênero de música, a Gávea. No morro, Nelson acaba tornando-se um compositor e vivendo de música apesar da dificuldade de acesso aos meios de divulgação. Prefere vender seus sambas a ter que enfrentar os corredores das rádios. Ainda assim, na década de 40, Cyro Monteiro gravou alguns sambas onde o autor aparece sempre espremido entre torrentes de parceiros, como Bilhetinho (com Augusto Garcez e Arnô Canegal), Apresenta-me Aquela Mulher (com Garcez e G. Oliveira), Não Te Dói a Consciência (com Garcez e Ary Monteiro) e assim por diante. Vivendo com dificuldade até a consagração atual. Nelson era mais a figura lendária cujas histórias pareciam sempre inacreditáveis, como a corrida numa das muitas noites de boemia ainda como polícia-militar, quando seu cavalo voltou sozinho para o quartel, enquanto o dono comemorava numa tendinha.
Marcado de contradições e surpresas, Nelson Cavaquinho (considerado um violonista invulgar por Egberto Gismonti e  o violonista Turíbio Santos) é um dos casos isolados do samba carioca: uma escola que começa e termina nele, apesar da confessada admiração de Paulinho da Viola, por exemplo. Nelson Cavaquinho é único, porque sua música está diretamente ligada à sua vivência movimentada, qualidade e substância que não se encontra com facilidade."

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Rita Lee Rescinde Contrato com a Phonogram (1975)

Em 1975 Rita Lee já seguia sua carreira-solo após a saída dos Mutantes anos antes, e lançar pela gravadora Phonogram, no ano anterior, o disco Atrás do Porto Tem Uma Cidade. Ao mesmo tempo, deu uma reformulada em seu grupo. Rita assinaria em seguida com a Som Lvre, sua nova gravadora. Em matéria publicada na revista Pop em abril de 1975, Rita falaria de seus planos:
"Para Rita Lee, este começo de ano foi quase como um novo começo de carreira. No mês passado, quando já estava iniciando os ensaios das músicas que vai cantar nos próximos shows e no novo disco, Rita enfrentou duas 'crises' que devem ter repercussão fundamental em seu trabalho. A primeira gerou a rescisão de contrato com a gravadora Phonogram e o compromisso assumido imediatamente com a Som Livre. Rita desmente que teria sido dispensada por não dar lucros à Phonogram, e sua empresária, Mônica Lisboa, explica que o que houve foi uma diferença entre sua política de trabalho e a da gravadora. Mônica e Rita têm, já funcionando, uma boa infra-estrutura de produção e divulgação .A Phonogram por sua vez, prefere que seus artistas deixem também essa parte do trabalho a cargo da gravadora. 'Assim', diz Mônica, 'já que somos uma companhia produtora, precisávamos de uma gravadora basicamente de industrialização e distribuição. O casamento com a Som Livre foi perfeito.'
Mas quando começou a ensaiar o novo repertório para a gravação do disco, Rita enfrentou o segundo problema: o baterista Emilson, e a guitarrista Lucia Turnbull decidiram abandonar o grupo Tutti Frutti. No lugar de Emilson, entrou Franklin (ex-Made in Brazil), um adepto do rock pesado, que deve engrossar o ritmo do conjunto, E, em vez de substituir Lucinha, Rita procura um tecladista para o Tutti Frutti. Assim poderá ficar mais solta no palco, curtir mais a voz e dedicar-se mais à flauta. Mas, acima de tudo, Rita faz questão de dizer que não e é fácil substituir Lucia: 'Era um componente muito forte, com personalidade própria.  Não é uma pessoa que se substitua, conseguindo-se  o mesmo efeito' "
A mesma revista também trazia uma matéria sobre a saída de Lucia Turnbull do Tutti Frutti, após tocar com Rita durante três anos, destacando que sua saída foi sem brigas, apenas uma opção profissional:
"Lucinha Turnbull, a guitarrista que acompanha Rita Lee desde 1972, acha que chegou a hora de  mostrar sua própria música. Por isso, desligou-se do conjunto Tutti Frutti e está procurando 'um lugar tranquilo para passar um tempo fora de São Paulo e sentir o que posso fazer'. 
Lucia Turnbull
Ela tem só 22 anos, mas seu passado musical já é respeitável. Antes de encontrar Rita, Lucinha andava  muito pelas estradas do mundo. Assim, em 69 tocava violão num grupo folk inglês. Em 71, de volta ao Brasil, encontra os Mutantes e sua cabeça começa a girar. Quando Rita desliga-se do  grupo, nasce a dupla com Lucinha. As duas se apresentam na Phono 73, já com a ideia de formar um conjunto feminino. Mas, para conseguir acompanhar o estilo forte e seguro de Lucinha, só mesmo um grupo de homens. E é assim que nasce o Tutti Frutti, ainda no ano de 1973. Com esse grupo, Lucia confirmou seu talento de guitarrista e cantora. E conseguiu conquistar seu próprio público, em todo o Brasil. E é exatamente para este público que ela começa  agora um trabalho próprio, 'uma coisa que nem eu sei bem o que será. Mas será eu'. "

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Entrevista com Liminha, Ex-Mutantes e Produtor de Discos

Liminha é um nome dos mais importantes do rock brasileiro. Além de ter feito parte do antológico grupo Mutantes, se tornou nos anos 80 um produtor dos mais requisitados e respeitados do Brasil, sendo o grande responsável, por exemplo, pela virada do som dos Titãs, ao produzir o histórico disco "Cabeça Dinossauro", em 1986, e os discos posteriores da banda, além de outros artistas. Nessa entrevista, concedida ao jornalista Ricardo Cruz e publicada em agosto de 2003 na revista da MTV, Liminha fala de sua carreira e suas histórias:
MTV - Como foi seu começo na música?
Liminha - Comecei bem cedo. Com 9, 10 anos de idade entrei no colégio em que minha irmã estudava em São Paulo, onde nasci. Estava começando a tocar violão e fiz uma música, com letra, para a escola. Eu tocava para as menininhas do colégio, fazia o maior sucesso. Passei por várias bandinhas, e meu pai me deu um baixo quando eu tinha uns 12, 13 anos. Lembro que uma menina que tinha me visto tocar com a minha banda num clube me convidou para uma festa e quando cheguei lá já tinha uns 15 caras me esperando para me enfiar porrada.
MTV - Você que pediu um baixo?
Liminha - Foi, mas na verdade eu experimentei. Minha irmã mais velha levou um dia uma banda em casa para tocar num sábado à tarde e na hora que deu um break eu sentei na bateria e comecei a batucar. O pessoal disse: 'Pô, o moleque tem jeito, e meu pai me deu uma bateria, que ficou uma semana em casa. Ninguém aguentou o barulho. Eu fechava tudo quanto era cortina para abafar o som, mas meu pai disse: 'Bateria é instrumento de índio, toque baixo, toque guitarra, sei lá o que'. Aí me encantei com o baixo, parecia uma coisa de outro planeta, música de gente grande. Com o baixo que ele me deu toquei em bandas, fazendo a surf music instrumental da  época. A primeira banda foi o The Thunders, a segunda foi The Smarts, era tudo 'The'.
MTV - E como você entrou nos Mutantes?
Liminha - Conheci o Sérgio Dias quando eu tinha uns 16 anos e foi o maior adianto pra mim, porque ele estava anos-luz à frente de todo mundo. Fui na casa dele, vi as guitarras que o irmão fazia, umas cópias de Fender Jaguar, ele fazia amplificadores também. Fiquei amigo dele. Depois disso eu entrei numa banda que se chamava Os Baobás, a gente tocava só cover em São Paulo, numas festinhas de domingo no clube Pinheiros, no Círculo Militar, chamadas mingau. Com essa mesma banda gravei dois compactos com músicas internacionais - Light My Fire, dos Doors, e The Dock of the Bay, do Otis Redding.
MTV- Os Baobás tocaram com Caetano, não?
Liminha - Na época da Tropicália eu deveria ter uns 17 anos e o Caetano estava precisando de uma banda. Não sei como ele acabou indo procurar os Baobás. Aí, tocando com ele, comecei a encontrar com os Mutantes na televisão e eles me chamaram para participar de dois festivais. Acabou que eu entrei no disco Divina Comédia, que era o terceiro da carreira deles.
MTV - Isso em 1969, 1970?
Liminha - Era fim  de 1969. Eu me lembro que em 1970 entrei na faculdade e fiquei até setembro porque fomos tocar em Paris. Quando voltei, já tinha chutado o pau da barraca e larguei a faculdade. Aí o negócio da música engatou.
MTV - Você fazia faculdade de música?
Liminha - Não, fui fazer administração de empresas...
MTV - Para fazer a vontade de seu pai?
Liminha - Sim, para agradar a família no mesmo ano prestei vestibular para farmácia e bioquímica porque meu pai tinha um laboratório de análises clínicas. Mas a música falou mais alto e fiquei nos Mutantes até 1974, 1975.
MTV - Daí começou a produzir?
Liminha - Mudei para  o Rio e comecei a trabalhar como músico freelance, gravando com uma porrada de gente, o que me deu uma baita experiência. Sempre gostei de estúdio, de ficar vendo, fuçando. Nem entendo de eletrônica, mas adoro equipamentos eletrônicos. Mais ou menos em 1976 me convidaram para ser assistente de produção na Warner e produzi um monte de gente.
MTV - Qual foi o trabalho que te marcou neste começo de carreira como produtor?
Liminha - Entre as coisas que fiz, uma das primeiras e que gosto muito é o primeiro disco da Banda Black Rio, o Maria Fumaça. Nem assino a produção, mas a direção de estúdio. Foi muito legal trabalhar com eles, é um disco importante que até hoje é reeditado, lançado aqui e lá fora.
MTV - E aí você produziu As Frenéticas?
Liminha - O Nelson Motta tinha feito o Dancing Days, uma boate na Gávea, onde as garçonetes, em uma determinada hora da noite, subiam ao palco e cantavam. Eram As Frenéticas. Aí a Warner jogou essa produção na minha mão, eles não sabiam no que iria dar. Eu adorei porque com elas tive a possibilidade de exercitar meu know-how de rock com tranquilidade. Ali havia músicas como Perigosa, que a Rita Lee mandou, que era uma coisa meio Rolling Stones. Elas não eram grandes cantoras, a Dudu cantava bem, mas consegui uma sonoridade superlegal. Não tinha compromisso com o passado de sucesso, de ter que dar certo ou se superar. A gente fez e foi o maior estouro, o primeiro disco de ouro da Warner.
MTV - Já havia uma tradição de produtores musicais no Brasil?
Liminha - Não, e eu não tinha experiência. Na verdade ficava frustradíssimo porque só ouvia disco legal, mas não conseguia tirar aqueles sons que eu gostava. Escutava Pink Floyd e pensava: 'Porra, como faço para ter esse grave, esse peso no som?' Não sabia como, mas fucei muito, li muito, fui muito cdf. Sempre corri muito atrás do som porque queria melhorar a qualidade da música brasileira mesmo. Lembro que a gente ligava o rádio e tocava uma música nacional com um som horrível, mais baixo, mais abafado, menos pressão, menos tudo, e eu ficava puto com isso.
MTV - E quando você conseguiu tirar esse som, equivalente aos gringos?
Liminha - Quando fui para Los Angeles, no fim dos anos 70, produzir o Luar, do Gilberto Gil. Tive a sorte de o engenheiro de som Humberto Gatica, um cara muito gente fina que já havia trabalhado com um monte de gente, inclusive o Michael Jackson, me ajudar muito. Eu levei um caderno com todas as anotações das gravações do Gil. Ele viu que eu era muito interessado e me deu altos toques que eu uso até hoje no estúdio. Acredito que essa minha ida a Los Angeles tenha sido um verdadeiro marco na qualidade de produção nacional.
Realce e Luar, discos de Gilberto Gil
MTV - Foi a fase em que Gil se firmou como vendedor de discos, no começo dos anos 80?
Liminha - O Gilberto Gil havia passado a ser um grande vendedor de discos com o Realce, o disco anterior, que ele havia gravado em Los Angeles, e eu me esforcei muito. Fiquei apavorado porque tinha de conseguir no mínimo a mesma qualidade do disco anterior. Lembro que, quando eu cheguei ao estúdio para gravar, o assistente veio me mostrar a demo da banda dele e foi um susto porque era melhor, em termos de qualidade de som, que o disco do Gil. Faltava aqui informação, aquela troca de aprender as coisas vendo os outros fazendo, não tinha com quem aprender, tinha que fuçar mesmo, correr atrás. E foi isso que eu fiz.
MTV- Como você definiria seu trabalho de produtor de música para um leigo?
Liminha - Vejo essa minha profissão como uma espécie de composição, você tem que estar inspirado, tem que ser criativo e estar informado do que está acontecendo. O produtor de disco nada mais é  do que um diretor de cinema, completamente envolvido com o todo, vivendo as cenas, fazendo as melhores tomadas, dando sugestões. O talento de um produtor está dentro de um artista, é detectar o que ele tem de melhor e viabilizar e dar ideias. Tem que ser uma troca, não  é um trabalho em que você só executa tarefas. Tem também um lado administrativo-musical com o lado artístico, que é pensar e organizar o repertório, fazer um organograma de gravação, pensar num arranjo e nos músicos que melhor o executariam, descolar a sonoridade. É um universo amplo, tem que cuidar de tudo, da administração do dinheiro, do tempo, seguir os prazos. O produtor é um link entre o artista, a gravadora, os músicos e profissionais envolvidos, tem de ter uma visão global, um senso crítico muito aguçado. É uma atividade complexa.
MTV - Como era a questão das drogas nos anos 70, na época dos Mutantes?
Liminha -  Era muito diferente do que é hoje, claro.  A gente achava bebida coisa de maurício, era radicalmente contra. Existia uma preocupação, uma certa filosofia, misturado com macrobiótica, esoterismo, de fumar ou tomar alguma coisa e achar que estava entrando em contato com o inconsciente coletivo. A gente não tomava droga para ir em baile de carnaval ou para cair na balada. A gente era bem louco, mas era outra época, existia todo um romantismo, era mais saudável. Nos Mutantes a gente conseguiu canalizar essa loucura para uma coisa positiva e produtiva. A gente ficava doido, mas o negócio saía direto, não me pergunte como. Fico meio grilado de falar de drogas porque a gente tá vivendo um  momento superdelicado em que a droga faz parte do crime organizado, alimenta todo um ciclo de violência. Tive a sorte de passar por isso e não ter ficado com sequelas, de conseguir tocar minha vida, mas muitos amigos deram uma pirada, ficaram pra trás.As drogas fazem mal e são muito perigosas.
MTV - Quando você ouve uma música, dá pra dizer se ela vai estourar?
Liminha - Essa é a coisa mais difícil que existe, a bola de cristal na maior parte das vezes está embaçada. O que é muito ruim do que é muito bom é fácil de distinguir, o complicado é o que fica no meio. Dizer se isso ou aquilo vai dar certo é uma tarefa impalpável demais, não tenho essa receita de bolo. E a música é um pouco de fenômeno. No primeiro disco tem aquele impacto da novidade, mas quando você faz muito sucesso no primeiro, meu amigo, fazer o segundo é uma encrenca.
MTV - Tem a história no livro Dias de Luta, de você ter dado ao Lulu Santos um livro sobre como fazer músicas de sucesso. Foi isso mesmo?
Liminha - Foi, comprei na Tower Records de Los Angeles um livro que se chama How to Write Hit Songs e botei na mão do Lulu. O livro dizia quer a música tinha que ter um refrão que você conseguisse assobiar. O Lulu disse que esse livro o ajudou pra caramba. Foi uma puta duma dica pra mim porque na época dos Mutantes, ou mesmo mais tarde na época das Frenéticas, muitas músicas não tinham refrão, e eu não me preocupava, formatava a música do jeito que minha sensibilidade mandava. Depois comecei a pensar na concepção musical mesmo. "


sábado, 18 de fevereiro de 2017

João Bosco Estreia Temporada no Teatro Rival - RJ (1997)

João Bosco é um dos grandes artistas de palco do Brasil. Tendo a capacidade de só com sua voz e o violão dominar plateias, esse formato de show sempre foi muito utilizado por João em suas apresentações pelo Brasil. Assim foi uma temporada em 1997 no Teatro Rival, localizado no centro do Rio. Tive a oportunidade de assisti-lo no mesmo ano e local, porém em um show único, também de voz e violão, que como sempre foi um grande show, como tantos outros desse grande artista que eu tive a oportunidade de assistir.
Nessa matéria publicada no jornal O Globo em 16 de fevereiro de 1997, e assinada por Mauro Ferreira, João fala do show, do novo disco que estava gravando, e especialmente sobre uma nova composição homenageando Pinxinguinha e Clementina de Jesus, com quem aliás, já havia dividido o palco e estúdio de gravações. Segue a matéria:
"João Bosco lembra com saudade de sua estreia no projeto 'Seis e Meia', do Teatro João Caetano, em 1976, ao lado de Clementina de Jesus. Ele tocava violão acústico e cantava com ela duas músicas de Pinxinguinha, 'Yaô' e 'Benguelê'. Os dois temas, de inspiração afro, são destaque no show que Bosco vai apresentar, a partir de quarta-feira, no Teatro Rival. É a sua volta ao Centro depois de 21 anos. Na temporada de um mês, Bosco vai apresentar uma música inédita que compôs em homenagem a Pixinguinha, 'Benguelô', referência aos dois temas que cantava com Clementina. Enquanto trabalha no conceito de seu próximo disco - a ser gravado a partir de junho - e na trilha que fará para um dos próximos espetáculos do grupo Corpo, o cantor e compositor mineiro festeja o show em que se apresenta apenas com seu violão.
- Cantar e tocar violão acústico é o que eu mais gosto de fazer - diz Bosco. - Preparei um roteiro conhecido para celebrar esta volta ao Centro. Meu encontro com Clementina despertou uma negritude que eu ainda não exercitava na época.
Bosco vai pôr negritude na pauta dos temas que entregará para o Corpo no segundo semestre  do ano. Conterrâneo do grupo, o mineiro Bosco recebeu o convite para compor para o balé quando foi ver, no Teatro Municipal do Rio, o último espetáculo do Corpo, 'Bach'.
- Estava muito a fim de trabalhar com o Corpo e já estou fazendo pesquisas musicais sobre o universo musical mineiro - conta Bosco. - O lado barroco de Minas é muito conhecido e exaltado, mas eu pretendo mostrar, com a trilha desse balé, um lado mineiro mais popular e mais negro, que é o das folias de reis e das congadas.
Nascido há 50 anos em Ponte Nova - cidade vizinha de Ouro Preto, para onde foi estudar engenharia - Bosco planeja adicionar outros temperos ao seu som no disco que lança em agosto.
- Quero experimentar sons de ambientes ciganos e flamencos e da região do Magreb, no Norte da África - anuncia o cantor. - Vou fazer um disco autoral, totalmente inédito, com músicas ligadas à magia das 'Mil e uma noites' e da região do Oriente Médio. Quero ser mais explícito na tradução desses sons para o Brasil. Minha ligação com eles é de sangue, de gens. Meu avô veio do Líbano para o Brasil aos 17 anos.
João e Clementina
A rota musical de João Bosco é, cada vez mais, internacional. Já habituado a fazer turnês anuais pelo exterior, o cantor tem seis apresentações agendadas para abril na casa Blue Note, em Nova York. Ele subirá ao palco ao lado do saxofonista Leo Gandelman.
- Quero ver se encontro algum músico que possa se juntar aos brasileiros na gravação do álbum - sonha Bosco. - Eu corro atrás do dinamismo da música, mas sem me preocupar com linha evolutiva. Só que, por mais que tenha me comunicado com outros sinais, eu jamais deixei de ser um músico brasileiro.
O violão - velho companheiro de Bosco desde os tempos em que ele, adolescente, formou um conjunto de rock para se apresentar nas vesperais dançantes de Ponte Nova - é o instrumento usado na hora de compor. E vai reinar absoluto na temporada no Teatro Rival, a primeira de Bosco na casa dirigida por Ângela Leal.
- Sou um compositor que faz músicas com versatilidade, mas é o violão que me dá sustento nessa diversidade - ressalta ele. - Meu violão exibe todas as faces que um violão brasileiro pode apresentar. Ele já passou pelos boleros, teve a sonoridade metálica do rock'n roll e cutucou as músicas populares vindas do violão de Dilermando Reis, conservando o toque de Baden Powell e sugerindo o ambiente decorativo do violão de Dorival Caymmi.
Foi com o violão que Bosco gravou um álbum praticamente ignorado em sua discografia, 'Esta é a sua vida', lançado em 1981 com um punhado de regravações de sucessos de artistas como Elis Regina. O Bosco intérprete voltaria a se manifestar com igual intensidade no recente 'Dá Licença, Meu Senhor', CD cujo repertório de standards da MPB é uma das bases do novo show.
- Vou fazer uma retrospectiva da carreira para deixar as pessoas felizes - diz Bosco. -  O charme é o violão, porque ele é parte fundamental e inseparável de toda  música que faço.
Bosco faz sua música plural, síntese de Rio e Minas, desde os tempos de Ouro Preto, onde chegou a esbarrar com Pablo Neruda, Miles Davis e Vinícius de Moraes. Na época, o violão já era  o amigo fiel e inseparável."

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O Pasquim Fala da Morte de Pixinguinha (1973)

Pixinguinha é um personagem eterno em nossa música. Considerado por muitos como a figura mais importante da música brasileira, um conceito sempre sujeito a questionamentos, devido ao grande número de gênios musicais que possuímos, Pixinguinha nunca foi totalmente esquecido, mesmo nesse país que tão pouco reverencia seus grandes personagens. Compositor dos mais inspirados, criador de clássicos que se eternizaram, e excelente flautista e saxofonista, Pixinguinha sempre é lembrado por sua simplicidade, a ponto de muitos que  o conheceram o chamarem carinhosamente de "São Pixinguinha", conferindo-lhe uma santidade, em virtude de sua personalidade. Pouco tempo após sua morte, em fevereiro de 1973, o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral escreveu uma crônica em sua homenagem, na edição nº 191 de O Pasquim, intitulada "O maior de todos". A matéria trazia uma ótima caricatura do músico, de autoria do cartunista Redi, que ilustra também essa postagem. Segue a matéria:
"Terminado o programa Domingo é da Guanabara, na TV Itacolomi, em Belo Horizonte, a gente ia para um restaurante (o nome, se não me engano, era Califórnia) jantar. Meia-noite, meia-noite e meia, a gente chegava, embora o restaurante estivesse fechando. Mas o dono era boa praça, deixava um garçom à nossa disposição, e lá ficávamos até amanhecer.
Aquela noite era especial: a minha estreia como autor do script do programa (produzido pela Agência Squire) que não precisava dar IBOPE, segundo recomendações do patrocinador. Ele queria um programa que ensinasse música popular brasileira ao público. E a estreia foi justamente com a presença de Pixinguinha, Donga, João da Baiana e todo o pessoal da Velha Guarda. Resultado: Fred Chateaubriant, diretor da TV Itacolomi, telefonou dando ordens para prosseguir e deixar de apresentar o que viria em seguida; deu 90 pontos no IBOPE.
No restaurante, depois do jantar, os velhinhos começaram a tocar. E tome chorinho, samba, valsa, um show de quase  quatro horas para uma meia dúzia de pessoas. Lá pelas tantas, o garçom pediu a Pixinguinha:
- Toca Lábios que Beijei.
E Pixinguinha tocou no saxofone. Entre uma frase e outra, tirava o instrumento da boca e comentava:
- Isso é do meu amigo J. Cascata.
J. Cascata havia morrido há pouco tempo. Era o mais jovem integrante do Conjunto da Velha Guarda e um grande compositor das décadas de 1930 e 1940. De repente, vi Pixinguinha chorando sem parar de tocar. O sopro lhe saía suave, sentido e doce e ele chorava. Nunca mais esquecerei a cara de mestre Pixinguinha chorando e tocando Lábios que Beijei.
No dia seguinte, pela manhã, estávamos no bar do aeroporto de Pampulha aguardando o avião para voltarmos pro Rio, quando Pixinguinha descobriu que a cachaça era servida numa garrafa com um troço no gargalo, de plástico, sanfonado, com uma biquinha. O cara comprimia de cima pra baixo e a cachaça escorria pela biquinha. Embora sem beber cachaça há muito tempo (já havia aderido ao uísque), Pixinguinha consumiu toda a garrafa só para ver o aparelhinho funcionando. Ele era também uma criança.
Essa viagem a Belo Horizonte foi uma das primeiras coisas que me vieram a cabeça quando fui tirado do desfile da Banda de Ipanema pela notícia da morte de Pixinguinha. Vinha eu, com a camisa  do Vasco toda molhada pelo temporal que caiu durante o desfile, ligeiramente bêbado, quando o fotógrafo Walter Firmo me deu a notícia (eu desconfiava que depois da morte de Dona Beti, Pixinguinha não ia durar muito. Durou sete meses. Eles se amavam muito. Poucos dias antes dela morrer, Pixinga sofreu um distúrbio circulatório e foi internado no mesmo hospital onde estava internada. Para que ele não soubesse o que se passava, Pixinguinha colocava o terno nos dias de visita e ia conversar com Dona Beti como se tivesse vindo de casa).
Pixinguinha e Louis Armstrong
É bom que se diga uma coisa, agora que ele morreu: Pixinguinha é o nome mais importante de toda a história da música popular brasileira. Ele foi o inventor da orquestração da nossa música, foi um instrumentista genial e um compositor incomparável. Mesmo levando em conta a importância de um Ernesto Nazareth, um Noel Rosa, Ari Barroso, Ataulfo Alves, Ismael Silva, Lamartine Babo, João de Barro, Haroldo Lobo, Antonio Carlos Jobim, Chico Buarque de Hollanda, Baden Powell, Caetano Veloso e Gilberto Gil, nenhum deles tem a grandeza de Pixinguinha. E digo mais: Pixinga é do mesmo time daqueles brasileiros extra-classe tipo Villa-Lobos, Oscar Niemayer e Pelé.
Há quem se surpreenda quando alguém coloca Pixinguinha no seu devido lugar. É que ele não se comportava como um gênio. Era uma figura, por exemplo, muito difícil de se entrevistar. Para dizer a verdade, era péssimo de falar e até mesmo ingênuo. Pixinguinha, onde você mora?
- Na Rua Pixinguinha, 23.
Durante muito tempo, morou na rua que tinha o seu nome, o que jamais lhe impressionou. Tanto que se mudou de lá para Jacarepaguá e depois para um conjunto residencial na Estrada Velha da Pavuna, para onde um táxi lhe levava diariamente na saída do Bar Gouveia, que continuou frequentando, mesmo depois de ter deixado de beber.  Aliás, apesar de ser a grande atração do bar, pagava todas as suas contas. Em seu depoimento no Museu da Imagem e do Som, revelou que apenas uma vez bebeu de graça no Gouveia: quando Tom Jobim apareceu por lá e o dono do bar resolveu homenageá-lo colocando uma garrafa de uísque na mesa.
Os seus hábitos simples talvez tenham prejudicado a sua imagem de artista genial (e ele pouco ligava pra isso), mas agora, com sua morte, sugiro aos músicos brasileiros que deem uma olhada na sua obra. E desafio que digam se houve um músico brasileiro mais importante que ele."

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Ednardo Lança Mais Um Disco (1979)

Num período que corresponde ao final dos anos 70 e início dos 80, a música nordestina produzida por artistas como Fagner, Alceu Valença, Zé Ramalho, Vital Farias, Elba Ramalho, Cátia de França e Ednardo, entre outros, vivia seu auge em termos mercadológicos. A gravadora CBS, por exemplo, através do seu selo Epic, contratou vários desses artistas. Em 1979, o cearense Ednardo lançaria pela gravadora um belo disco, que tinha por título apenas seu nome, e que trazia um de seus maiores sucessos - Enquanto Engoma a Calça. Na ocasião a revista Música nº 41, publicada em 1980, faria uma matéria com Ednardo, assinada por Valéria Fontenele e intitulada "A poesia na voz agridoce de Ednardo":
"Em 1973, a gravadora Continental lança o elepê 'Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem', onde pela primeira vez aparece Ednardo, juntamente com Rodger Rogério e Teti, como integrantes do Pessoal do Ceará. Em maio de 79 é gravado no estúdio Transamérica, o elepê 'Ednardo', que ficou nada menos que cinco meses retido na Censura Federal que vetara oito faixas. 'Não apresentaram motivo algum para esse veto, tampouco para a queda do veto, com o disco sendo liberado na íntegra e saindo em outubro'. E prossegue; 'O meu prazer de cantar e poetar me deu energia para inventar meus mecanismos de voo, e esse  é o 6º elepê que faz parte de todo operariado artístico de ganhar espaço e voz, ao lado de tantos outros que assim fizeram'.
Ednardo vem desenvolvendo um trabalho - ou uma troca de energia, como ele prefere - a nível de regiões brasileiras, embora muitas vezes em detrimento de sua presença nos eixos que irradiam a cultura brasileira: Rio de Janeiro-São Paulo. 'O Brasil é um país imenso. O que eu quero na realidade é trocar energia, sempre que puder, com um grande número de pessoas. Claro que é a nível mercadológico, onde as gravadoras impõem que você esteja sempre no centro, não funciona muito, mas a nível pessoal é importantíssimo'. O disco está bem colocado nas emissoras de rádio, entretanto, somente neste abril, Ednardo veio divulgá-lo no Rio e São Paulo. De acordo com ele: 'Esse disco é uma panorâmica sobre um trabalho que eu desenvolvi ao longo dessa década de 70. Poeticamente ele fala disso, como musicalmente também. Ele fecha em 12 músicas, de maneira geral, o que eu pretendo como posição diante do que é fazer música no Brasil. Uma verdadeira desmistificação da seriosidade com que procuram vestir a MPB'.
'O relacionamento artista-gravadora é um encontro de duas necessidades. Uma, a do artista colocar, dentro da possibilidade de comunicação, aquilo que ele pensa, aquilo que ele capta da sociedade, como um ser que participa de uma comunidade, de um ambiente, de uma geografia. A outra, a da gravadora, como uma empresa que quer veicular isso aí e auferir lucros monetários dessa necessidade que as pessoas têm entre si de se comunicarem'. À medida que Ednardo discorre sobre determinado assunto, mais presente ainda se torna sua preocupação em se comunicar, em atingir um grande público. 'Atingir um grande público não é a possibilidade que um disco tem de vender muito. Na minha maneira de entender, um grande público é, justamente, a diversificação que você tem de alcançar faixas etárias, agrupamentos sociais e geografias diferentes. Eu sou uma pessoa que me comunico com o grande público. Eu tenho viajado muito e percebo que a minha comunicação tem duas vias, tem o retorno, o feed-back; independente de uma porção de coisas que as gravadoras elegeram como um grande público. Agora a resposta  dessa necessidade a nível de marketing, de mercado do qual as gravadoras dependem, é um problema que não me diz respeito e sim de que uma gravadora me inclua dentro do esquema de vendagem. Isso são jogadas subterrâneas que envolvem artista-gravadora das quais o artista em si não tem nenhuma condição de influir, a não ser com sua própria arte, com sua necessidade de dizer coisas e trocar energias'.
Ednardo conclui seu raciocínio a respeito do artista e de sua obra de uma maneira muito coerente: 'Um trabalho artístico pode sofrer retardamento, mas nunca pode ser destruído como tal. Ele é o resultado do sincretismo simbológico de um determinado tempo. O artista, de uma maneira geral, faz um serviço quase de reportagem; testemunho de uma época'.
'Ednardo' é o primeiro disco pela gravadora CBS. Nele estão presentes, como participação especial, os cantores e compositores cearenses: Teti, Vicente Lopes, Rogério, Régis, Simone Gadelha, Ângela Linhares e Petrúcio Maia. Em oito anos é essa sua discografia: 1973 - Continental/'Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem' (Pessoal do Ceará)/ 1974- RCA/'O Romance do Pavão Misteriozo'/ 1975 - Som Livre/ 'Festival Abertura'/ 1976 - RCA/ 'Berro'/ 1977- RCA/ 'O Azul e o Encarnado'/ 1978 - WEA/ 'Cauim'/ 1979 - CBS/ 'Ednardo'. "


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Itamar Assumpção - Revista Mixtura Moderna (1983)

Itamar Assumpção é um dos principais nomes do movimento que ficou conhecido como Vanguarda Paulista. Seu disco "Beleléu Isca de Polícia" é um clássico do movimento, e considerado um dos grandes álbuns de música alternativa brasileira. Músico intuitivo e criativo, Itamar, apesar de sua morte precoce, deixou uma marca muito forte, e é sempre lembrado quando se fala em um músico que sempre navegou contra a maré, seguindo sua intuição musical e criatividade, sem fazer concessões ao mercado, apenas seguindo suas convicções musicais. Em 1983 a revista Mixtura Moderna, trazia uma matéria com Itamar, intitulada "Itamar às próprias custas S/A" (título do disco que ele estava lançando), assinada por Matias José Ribeiro. Segue abaixo:
"Itamar Assumpção não veio de Marte! Quem diz isso é o próprio Itamar Assumpção. Ele quer deixar claro que sua música não surgiu do nada, nem veio do espaço. Quer dizer que tem história - uma história que começou muito antes de 13 de dezembro de 1949, quando nasceu em Tietê, SP.
Itamar descende diretamente de angolanos, seus bisavós vieram em navio-negreiro da África-mãe. Seus avós, embora beneficiados pela Lei do Ventre-Livre, viveram ainda no meio escravo. E seu pai, em pleno século XX, precisou ainda lutar capoeira de rua, de matar, para sobrevivência mesmo. Mais, o pai de Itamar é pai-de-santo, desde cedo ele viveu num ambiente de misticismo negro, ouvindo batuques, absorvendo as coisas da tradição negra afro-brasileira. Mais tarde, já no Paraná, outras informações, mais lados para uma mesma moeda. Música caipira, iê-iê-iê, jovem guarda, os clássicos da MPB. E um cara fundamental: Jimi Hendrix.
'Eu ouvi muito Hendrix, muito mesmo. Eu já transava um pouco de música, tinha facilidade e quando eu conheci Hendrix fiquei preocupado... eu gostava. Não sabia porque, mas gostava e  ouvia mais. Mas a música dele tinha muito ruído, eco... eu não entendia. O ouvido não estava acostumado...'
'Meu recurso, depois de ouvir muito, foi separar os instrumentos, no ouvido. Ouvir só a guitarra, depois só o contrabaixo, só a bateria. Aí é que fui ver que Hendrix era um troço muito louco... Hendrix, esse exercício foi o toque. Aí eu realmente comecei a me preocupar com ouvir música.'
Dessa louca mistura de coisas tantas e outras como o teatro, a dança, dentro de todo um processo de vida, é que surgiu o Itamar Assumpção que conhecemos. O compositor-intérprete original e inovador, que dá o passo adiante da evolução da música popular com sua música que é só ritmo, negra, vigorosa, complexa. O Itamar Assumpção dono de uma postura cênica, de um visual novo. Agressivo, misto de marginal e bom sujeito, 'Benedito João dos Santos Silva Beleléu, vulgo Nêgo Dito Cascavel'.
'Eu sou um compositor popular. Me considero popular porque vim do povo, sou pobre, de Tietê. Mas é só uma questão de origem, de formação de vida. Meu trabalho é popular mas não é folclore, tenho consciência de que estou dando um passo à frente em termos de invenção. Sei que minha linguagem é desenvolvida.'
'Por acaso eu tive contato com coisas bem primitivas da cultura negra. Isso numa época em que já existe vídeo-disco! Houve época em que essa mistura toda, batuque negro & Hendrix & jovem guarda me incomodava. Eu já cantava, sempre fui intérprete e ficava; 'será que eu vou compor?'. Aí fui vendo as minhas possibilidades, fazendo algumas coisas. Mas achava que não acontecia nada quando eu cantava minhas músicas. Depois me achei, vi que sou um compositor de ritmo, não de canções. Já  o visual foi uma transação espontânea, que foi levada para o palco desse jeito desde a primeira vez. É uma coisa que nasceu comigo, lá em casa se dançava muito.'
A novidade visual de Itamar só conhece quem o viu no palco, raras vezes na televisão. Inclusive na Globo: ano passado ele apresentou sua 'Denúncia dos Santos Silva Beleléu' no MPB-Shell - assustou o júri global, que lhe deu o 'prêmio pesquisa', ironia do sistemão para para os verdadeiros inovadores. A novidade sonora do Assumpção, por sua vez, é mais acessível. Em 1980 ele lançou o LP Beleléu, independente ainda, sob o selo Lira Paulistana, só com composições suas. Agora acaba de aprontar o segundo LP, mais independente ainda. O título não poderia ser mais explicativo: Às Próprias Custas S/A.
No novo disco, Itamar Assumpção aprofunda temas sempre presentes em sua música: negritude, consciência negra, marginalidade social, liberdade, repressão, democracia, situação política - 'me coloco como um artista, refletindo os problemas de todos'. Simultaneamente, ao se assumir editor e produtor fonográfico de seu trabalho, Itamar procura se adaptar ao nosso tempo. Recusou 'propostas ridículas' de gravadoras e fugiu também dos esquemas alternativos, porque não aceita que seu trabalho de criação entre numa cooperativa.
'Minha arte não pode se submeter a esse tipo de coisa. Quero ter liberdade para criar. É uma reivindicação antiga, que sempre foi utópica mas que hoje está aí. Sou negro e pobre, de um estrato sempre pressionado socialmente; justamente por esse motivo pude perceber melhor que esse espaço existe - é ruço de se enxergar, mas tá aí.'
'Claro que essa liberdade não é fácil. Mas é viável. Não posso, por exemplo, querer sobreviver do disco; isso me obrigaria a ter uma burocracia de gravadora. Sobrevivo do nada, como eu sou. Esse sistema não me interessa, os meios é que têm que se submeter à arte. Mas só não caí na rede por estar bem escaldado, perdi a ingenuidade há  muito tempo'. "