Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 30 de março de 2010

... Então manda!


Algumas piadas só são compreendidas e funcionam dentro de uma época e contexto. Com o passar do tempo se tornam incompreensíveis. As piadas políticas, por exemplo, se tornam datadas muito rapidamente, pois só funcionam naquele momento. Existem também aquelas piadas que satirizam determinados fatos momentâneos, como personagens de novelas, músicas de época ou comerciais de tv. Nesse último caso se enquadra a piada acima, que na época achei sensacional e morri de rir, mas se hoje não for devidamente explicada não faz o menor sentido.
no fim dos anos 80 e início dos 90 a a fábrica de enlatados e conservas Perdigão patrocinava o piloto brasileiro de Fórmula Um Maurício Gugelmim, contemporâneo de Ayrton Senna. O dito piloto aparecia em um comercial, em que chegava em uma padaria ou lanchonete, e pedia um sanduíche de presunto. Ao receber seu pedido, ele perguntava: "É da Perdigão?", quando o atendente confirmava, ele respondia: "Então manda!" Esse era o bordão do anúncio, que inclusive ganhou outras versões, sempre com a frase em destaque: "É da Perdigão? Então manda!". O jornal O Planeta Diário então fez uma sátira a esse bordão usado pela Perdigão, mostrando dois empresários comentando sobre uma crise empresarial, em que muitos funcionários teriam de ser mandados embora. Um deles pergunta se eles eram da Perdigão. Tal qual o empregado da lanchonete, o outro empresário confirma, então o outro diz: "Então manda!"
Na época, eu morri de rir, e hoje, muitos anos depois, revendo esse antigo exemplar do jornal, voltei a rir, mesmo se tratando de uma piada que perdeu a atualidade e o sentido.

sábado, 27 de março de 2010

Os Beatniks de Katmandu


A antiga revista semanal O Cruzeiro trazia em junho de 1967 uma matéria intitulada Os Beatnicks de Katmandu, sobre um grupo de andarilhos que se instalaram no Nepal. Apesar da época ser o auge do movimento hippie, eles eram denominados beatniks, talvez por não seguirem exatamente os mandamentos hippies. Olhando as fotos, realmente eles não traziam a indumentária típica dos hippies, e não eram tão desapegados aos bens materiais, sendo por isso mesmo mais identificados com os beatniks. Eis a transcrição da matéria:
"Eles vieram de Nova Iorque, de Londres, de Paris.E encontraram na capital do Nepal condições para estabelecer seu paraíso terrestre. Em Katmandu, ninguém se incomoda que eles cortem ou não os cabelos. Com o dinheiro que trouxeram, conseguem no câmbio negro local, o suficiente para levar vida de reis, principalmente os que trocaram dólares. Por apenas uma rúpia, no Blackman Bar ou no Globe, podem almoçar fartamente. O resto do dia é consumido nas rodas de haxixe, que eles fumam, um de cada vez, como o cachimbo da paz. Quando o cansaço os domina, os templos budistas lhe servem de estalagens acolhedoras. Repatriação é uma palavra riscada do seu dicionário. Só procuram suas respectivas embaixadas para requerer salvo-condutos que lhes permitam desfrutar, por mais algum tempo, o seu paraíso. Onde não falta sequer o pão do espírito: há a filosofia asiática para inebiá-los, segundo um deles, Larry, um americano, diz que vai fazer-se monge. O francês Michel está aprendendo o nepalês para se entender melhor com os nacionais, e afirma ter encontrado o "essencial", que não explica o que seja. As coisas deste mundo não os interessa, exceto se encontrarão bom arroz para o repasto ou se o preço dos alimentos está em alta ou baixa..."

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Irreverência da Tropicália



Começou ontem, dia 24, e vai até 16/04 a amostra A Irreverência da Tropicália, no Sesc Campos. O evento traz exposição, painéis ilustrativos, espetáculos musicais, performance teatral, audição de discos em vinil e exibição de filmes.
A exposição mostra figurinos da época, como túnicas, colares, roupas coloridas, um casaco de peles semelhante ao que Caetano usa na capa do disco londrino, além de imagens de fotos, desenhos e anotações de Torquato Neto e painéis fotográficos com frases marcantes de letras e declarações. A parte musical acontecerá sempre às quintas, no horário das 20h, no cyber espaço do Sesc com shows de Adriana Medeiros e Maria Fernanda (25/03),Poeira D'Água (08/04)e Betinho Assad Power Trio (15/04). Sempre antes do shows vai rolar sons da Tropicália em vinil durante uma hora. Os filmes serão exibidos às sextas, sempre às 19h: dia 26/03 - Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade; 09/04 - Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni; 16/04 - São Paulo Sociedade Anônima, de Luiz Sérgio Person. Não assiti aos dois últimos, e não sei a ligação deles com o Tropicalismo. As datas de lançamento de ambos são anteriores ao movimento (1962 e 1965), mas a estética pode até ser proto-tropicalista. Macunaíma, de 1969, é Tropicália pura.
Vale a pena prestigiar.

terça-feira, 23 de março de 2010

Memórias Esportivas - Parte 2


Alguns jogos de times amadores, que assisti no Estádio Ângelo de Carvalho, do Campos A.A. também ficaram na memória, como um jogo da AABB !(Associação Atlética Banco do Brasil), quando eu assisti a maior performance de um goleiro em jogos naquele período. O cara simplesmente pegava tudo. Foi uma sucessão de defesas cinematográficas e saídas precisas, com direito até a um pênalti defendido. Saí do estádio impressionado com o goleiro da AABB, e nunca me esqueci daquela tarde de sábado.
Um treino inesquecível para mim foi um dos juvenis. Não por causa de um golaço ou de alguma jogada em especial. O treino corria normal, quando entra no estádio um garoto, e próximo ao campo chama pelo nome do irmão, que estava treinando, e grita: “Mamãe ta chamando!”. Os torcedores que acompanhavam o treino começaram a rir da situação. Em pleno treino uma voz gritando para um dos jogadores e pedindo para abandonar o treinamento porque sua mãe estava chamando, virou motivo de piada e constrangimento para o futuro craque, que indiferente, continuou treinando até o fim.
Em 6 de agosto de 1974, nos festejos do padroeiro da cidade, o time do Palmeiras, de Leão, Luís Pereira, Leivinha e Ademir da Guia veio fazer um amistoso em Campos, no campo do Goitacaz. Naquela época não era comum grandes equipes do futebol brasileiro virem jogar em Campos. A participação do Americano no Campeonato Nacional (como era na época chamado o Campeonato Brasileiro) só aconteceria no ano seguinte, assim como a presença de Americano e Goitacaz no campeonato estadual só viria acontecer em 1976. Portanto, a presença do timaço do Palmeiras, que se tornaria campeão brasileiro daquele ano de 74, conhecido como “Academia”, se tornou um acontecimento marcante nos meios esportivos. O adversário que enfrentaria o temido “verdão” não seria o Americano, Goitacaz, nem um combinado campista, mas sim o Campos A.A.. Outra atração para essa partida seria a presença do meia Afonsinho, um jogador que se notabilizou não só por seu excelente futebol, mas também por ser talvez o primeiro jogador a lutar pelos direitos do atleta profissional, e bater de frente com treinadores e cartolas. Afonsinho veio, inclusive, a ser homenageado por Gilberto Gil em uma música chamada “Meio de Campo” (Prezado amigo Afonsinho/ Eu continuo aqui mesmo/ Aperfeiçoando o imperfeito/ Dando um tempo/ Dando um jeito/ Desprezando a perfeição). Afonsinho atuou durante 45 minutos com a camisa do Campos.
Eu não poderia terminar sem lembrar de outra partida do Campos, que eu vi dois anos depois. Os tempos já haviam mudado. Americano e Goitacaz passaram a disputar o campeonato estadual, após a fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, e se tornou inviável disputarem ao mesmo tempo o campeonato campista. Naquele ano de 1976, pela primeira vez o campeonato campista era disputado sem suas duas grandes forças.
Eu já não acompanhava muito o futebol de Campos, mas não pude deixar de comparecer àquela partida. Decisão do campeonato: Campos x Paraíso, no campo do Americano. Vi o Campos sair de lá campeão do último campeonato campista de futebol. Não me lembro do placar (talvez 3x1) nem do nome de nenhum jogador. Meu avô, que havia me ensinado a amar o “roxinho”, já não estava nesse mundo, mas aquele jogo eu vi por ele, e voltamos pra casa campeões.

domingo, 21 de março de 2010

Memórias Esportivas Parte 1



Durante dois anos de minha infância, entre os 8 e os 9 anos, eu frequentava diariamente os treinos dos profissionais e juvenis do Campos Atlético Associação, o “Roxinho do Parque Leopoldina”, levado por meu avô. Quando comecei a acompanhar os treinos eu ainda não tinha um clube de minha preferência em Campos, embora tivesse uma certa simpatia pelo Goitacaz. Mas aos poucos, sob a influência do meu avô, me tomei de simpatia pelo “roxinho”, e quando me dei conta já era um torcedor do Campos.
Era engraçado ser torcedor do Campos. Era assim como um torcedor carioca torcer pelo América ou Bangu. Os amigos sempre estranhavam minha preferência. Ainda me lembro de alguns craques do time principal; o goleiro Jorge Uébe, Neném, Bitiu, Grilo, Arruda, Tatu, Luis, Carlinhos, Ronaldo.
Algumas partidas ficaram em minha memória. Uma vitória inesquecível foi contra o Goitacaz. Campos 2x1, com os dois gols marcados por Tatu, um negão forte, um pouco acima do peso, camisa 10. Tatu virou herói pra mim naquela tarde. Lembro-me de ter comentado com meu pai, que se fosse formada uma seleção campista, a camisa 10 tinha que ser dele. Havia um certo exagero nessa conceituação, mas o seu feito heróico em minha visão infantil o credenciava a figurar entre os grandes craques de nosso futebol. Depois daquele jogo não me lembro de ter visto outro gol de Tatu, mas aqueles dois que ele marcou contra o “Azul da Rua do Gás” foram suficientes para colocá-lo na galeria de minhas memórias esportivas.
Na época, as duas grandes forças do futebol campista eram o Americano e o Goitacaz (daí a importância daqueles 2x1). Os dois times eram uma espécie de Cruzeiro e Atlético Mineiro, ou Grêmio e Internacional, ou seja, os campeonatos campistas quase sempre eram decididos pelos dois clubes, que eram bem superiores aos demais. Às vezes o Rio Branco, considerado a terceira força do futebol campista corria por fora – chegou a decidir com o Americano em 72, num jogo duro em que o Americano ganhou na decisão por pênaltis. Havia também os times formados nas usinas de açúcar: o Cambaíba, o Paraíso e o Sapucaia.
Houve dois jogos dos infanto-juvenis que também ficaram na memória. O time de infantos era formado por garotos com uma faixa de idade intermediária entre os “dentes-de-leite” e os juvenis (hoje chamados de juniores). Os jogos dos infanto-juvenis eram disputados normalmente nas preliminares dos jogos dos juvenis. Lembro-me de uma partida entre Campos e Paraíso, quando o Campos impôs no adversário uma goleada histórica por 9x1, com direito até a gol que não entrou. Eu explico: No primeiro tempo, uma bola foi chutada por um jogador do Campos contra o gol adversário, e o tiro acertou a rede, pelo lado de fora. Porém, como a rede não estava bem fixa no chão, a bola acabou entrando por debaixo dela, e o juiz, mal posicionado, validou o gol. Nas categorias inferiores não havia bandeirinhas. O time do Paraíso partiu inteiro pra cima do juiz, que não voltou atrás. Como dizia o antigo locutor esportivo Waldir Amaral, “Não adianta chorar, a nega ta lá dentro!”. Lembro-me que no intervalo um torcedor perguntou ao autor do gol polêmico se a bola havia entrado, e ele confirmou que não. Voltando para o segundo tempo, o time do Campos continuou dando um show de bola, e fechou a partida com o placar histórico de 9x1.
Alguns meses depois, no segundo turno do campeonato, novamente Campos e Paraíso se enfrentavam na categoria infanto-juvenil. Quando os times entraram em campo me lembrei daqueles 9x1, imaginando que jamais veria um placar tão elástico como aquele. O Campos dominava a partida, e os gols iam saindo naturalmente. Mais uma goleada à vista. Placar final: Campos 9x1. A mesma goleada, desta vez com todas as bolas realmente entrando.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Novos Horizontes


Trazíamos a tempestade nos olhos e o estranho e persistente desejo de abrirmos clareiras nas florestas interiores que pulsam em nossos corações. Buscávamos um ponto luminoso que nos guiasse nas noites sem luar que envolviam impiedosamente nossos corpos. Nossos passos cansados e trôpegos nos conduziam instintivamente por atalhos que nossos olhos, lacrimejados pela esvoaçante poeira, não alcançavam. Era uma cansativa e obstinada caminhada rumo a um ponto distante e desconhecido, que nos fazia derrubar as muralhas da incerteza, pois sentíamos que ao final da jornada teríamos um horizonte de visões belas e claras para mirar.
Nossa liberdade interior estava adormecida, e o silêncio a nossa volta nada fazia para arrancar de algum ponto próximo ou distante um sopro de vida que a despertasse daquele estado dormente. O próprio vento soprava mudo, como se procurasse no silêncio um cúmplice para seus temores, e desse vida ao desejo de passar despercebido e incógnito, sem trazer consigo as vozes de sua natureza.
Ficávamos a contemplar paisagens distantes, como se nossos corpos não carregassem a essência vital que abastece de luz e vida nossa alma, e o sabor do prazer estivesse abandonado em algum ponto esquecido e empoeirado de nossa mente. Sabíamos que o tempo era como uma chama, que com sua efêmera luz poderia se apagar tão rapidamente que nossos olhos só perceberiam os vestígios deixados pela fumaça, até sumir qualquer sinal de sua existência. Porém uma força interior nos impulsionava e nos fazia desviar os pensamentos de qualquer sinal de medo.
Nossos impulsos vitais nos conduziam através de sua força misteriosa, e nos faziam acreditar que o caminho a ser trilhado aguardava os nossos passos, pois sabia que o destino nos guiaria até ele. As evidências viriam trazer indicações, deixar rastros e abrir picadas em meio às densas florestas de incertezas que nossos receios cultivam em nossas mentes.
E ali estávamos nós, embriagados pelas visões de um mundo paralelo ao real e a tudo que se possa chamar de compreensível. Os impulsos provenientes da insaciável busca por algo mágico, e carregado de um sentido vital que nos fazia desviar dos caminhos óbvios que a vida nos indica, guiavam nossos passos e mentes em rotas alternativas que somente uma visão interior inexplicável poderia nos transportar.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Roberto Carlos em Ritmo de Aventura - Bastidores



A revista semanal Intervalo, que circulava nos anos 60, e durou até o início dos 70, era especializada em televisão e notícias da Jovem Guarda, Em setembro de 1967 a revista trazia essa matéria sobre as filmagens de Roberto Carlos em Ritmo de Aventura. O título:O Zero Zero Brasa, é um trocadilho, que mistura 007 (o agente James Bond, do cinema)com “o Brasa”, apelido de Roberto na época. Abaixo a transcrição da matéria:

Ação: O Rei está sendo perseguido por uma organização clandestina internacional, que planeja o rapto a fim de obrigá-lo a fornecer informações a um cérebro eletrônico que produzirá iê-iê-iê em massa. Mas ele consegue escapar e os bandidos, obedecendo às ordens do homem cara de pau que os comanda, partem levando as seis lindas garotas que faziam companhia ao Rei num passeio de iate pela Baía de Guanabara. Percebendo a situação, ele sai em perseguição aos inimigos numa lancha supersônica, mas ainda não é dessa vez que consegue alcançá-los. Corte: terminou a filmagem das primeiras sequências de Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura, que vai mostrar nas telas, o brasa
numa espécie de James Bond nacional musicado.
As cenas foram rodadas no Iate Clube do Rio de Janeiro, com o Rei protegido por um esquema de segurança capaz de fazer inveja até a um presidente da república. Os repórteres e fotógrafos sequer puderam chegar perto do Atrevida, o iate onde Roberto passeava tranquilamente com as garotas, até a chegada dos bandidos. “Não quero ninguém perturbando as filmagens”, explicou o diretor Roberto Faria. Depois de mais de sete horas de trabalho ininterrupto, Roberto Carlos voltou para para o cais do Iate Clube, cansado e sonolento. E conversou com o pessoal da imprensa, explicando: “Olha, turma, prometo que da próxima vez nada disso vai acontecer. Vocês sabem que comigo é tudo barra-limpa”.

domingo, 7 de março de 2010

De Caetano, sobre Jorge Mautner


Texto de Caetano Veloso para a contracapa do primeiro disco de Jorge Mautner, "Pra Iluminar a Cidade", de 1972:

Já é com um atraso de anos que se registra o trabalho de Mautner. Em 63, Néci me falou de "Deus da Chuva e da Morte". Eu vivia lendo a revista Senhor: vi uma entrevista esquisita desse cara que olhava os homens do alto de um edifício de São Paulo e os via como formigas. Um dia vi o livro e, assustado com a grossura do volume, não li. Depois fiquei sabendo de "Kaos". Ele era um escritor estranho de quem se falava. Uma vez Rogério me disse que esse escritor Jorge Mautner cantava muito engraçado, bonito como um bandolim e que aprendera o alemão antes do português. Soube que ele cantara na televisão uma canção que falava em Hiroshima e bomba atômica: algumas pessoas da música popular brasileira estavam indignadas com a escolha dos temas. Diziam: que temos a ver nós com a bomba atomica? Um dia Nara tocou no assunto comigo, em tom de pergunta. Eu não tinha resposta porque não conhecia as tais canções. Nara falava mais cheia de curiosidade do que de preconceito. Ela parecia estar realmente querendo saber como encarar um fato tão diferente dentro da música brasileira, enquanto para outros (inclusive para mim mesmo, que nem sequer me esforcei para conhecer tais composições) a própria estranheza desse fato aconselhava a ignorá-lo. Depois veio-nos, veio-me, veio o Tropicalismo. De vez em quando eu me lembrava desse nome Jorge Mautner e ficava curioso querendo saber. Ele tinha ido embora para os Estados Unidos. Os Mutantes, que me mostravam tanta coisa, contaram-me que que Jorge era bacana, tinha cada coisa louca, cantaram alguns trechos de canções escritas pelo Jorge. Não me lembro como eram esses pedaços de canções, e creio que não me causaram nenhuma impressão definida. Um dia tive vontade de perguntar a Zé Agripino. Acabou-se o Tropicalismo. Em Londres, apareceu Jorge Mautner com um guarda-chuva. Gostei logo dele porque ele é uma figura incrível e também porque ele foi logo me fazendo umas profecias muito boas (e que felizmente deram certo). Ri muito. Ele cantou "O Vampiro" e essa canção me impressionou de um modo como só "Charles Anjo 45" havia antes me impressionado. Fiquei fã de Jorge Mautner. Suas canções têm cheiro de liberdade criadora que eu só encontrara em Jorge Ben. Na Espanha ele ficava falando em Nietsche e nos filósofos pré-socráticos, falando em Apolo e Dionísius, lendo Sartre nas praias da Catalunha. A gente chamava ele de mestre. Mas principalmente ele cantava suas cantigas de chuva com seu bandolim. Ele não tem nenhum medo do ridículo. Ele parece com tudo. Ele é completamente diferente de tudo o que há na música brasileira, no show-bizz brasileiro. Ele parece uma formiguinha com seu bandolim, um telefone. Ele sabe imitar porta, vaga-lume, liquidificador. Só escreve clichê, com a originalidade de um mrciano. Eu fiquei realmente assustado ao saber que "O Vampiro" era anterior a "Alegria, Alegria" e "Domingo no Parque".

quinta-feira, 4 de março de 2010

Severina Xoque-Xoque - Raul Seixas e Paulo Coelho


Um fenômeno interessante é quando alguma coisa que faz muito sucesso ou ganha destaque na mídia, de forma positiva ou negativa, acaba gerando sub-produtos, geralmente satíricos. As antigas marchinhas de carnaval são um bom exemplo. Uma novela de sucesso, um fato político ou um personagem (real ou fictício) acabava virando uma marchinha no carnaval seguinte. O mesmo pode acontecer com alguma música de sucesso, que pode gerar outras.
Um exemplo é um grande sucesso musical de 1975, Severina Xique-Xique, cantada por Genival Lacerda. A música contava a estória de uma tentativa de golpe do baú e o refrão, que até hoje é lembrado diz: "Ele tá de olho é na butique dela". A música fez tanto sucesso que até virou filme, que por sinal foi gravado em Campos, e que trazia como um dos atores, que fez. Ele mesmo, o político Garotinho. Outro sub-produto foi uma música composta e gravada por Paulo Diniz, chamada Severina Cooper. Outra música satírica baseada nesse grande sucesso foi composta por Raul Seixas e Paulo Coelho, e felizmente, nunca gravada, permanecendo inédita. Digo que felizmente não foi gravada porque é uma grande bobagem, bem aquém da obra genial da dupla. Acredito que nunca será gravada, apesar de trazer a grife musical de Raul Seixas e Paulo Coelho, pelos seguintes motivos:
1- Por se tratar de uma sátira a Severina Xique-Xique, perdeu o sentido pelo fato da música original estar fora da mídia, apesar de uma simples mudança no título resolver a questão
2- A letra perdeu a atualidade, e se tornou datada por falar em desquite, já que na época não havia divórcio no Brasil. O projeto do divórcio só seria aprovado pelo Congresso em 1977. Hoje ninguém mais se desquita.
3- Provavelmente a melodia feita por Raul se perdeu, caso contrário, se houvesse alguma fita cassete com Raul cantando, com certeza já teria sido lançada, após passar por algum processo de melhora na qualidade do som.
4- Paulo Coelho com certeza não autorizaria alguém a gravar a música.
5- A música é uma grande bobagem.
Leia a letra, e veja se não tenho razão:

Severina Xoque-Xoque

Me casei com uma dona com uma cara de jumento
Transformei no meu trabalho este tal de casamento
Eu só não contei pra ela que eu era um cabra fedorento
Mas eu não tomava banho nem de tarde nem de dia
Tinha medo de chuveiro que nem gato de bacia
O que eu gostava mesmo era de uma boa porcaria
No início do casório a mulher não reclamou
Eu mandava, ela fazia, em nome do nosso amor
Fingindo que não cheirava, aguentava o meu fedor
Nem o porco que eu criava aguentava com o meu cheiro
Fez as malas e foi embora, se mandou lá do chiqueiro
A gambá pediu as contas, foi golpe derradeiro
Eu passava o dia lendo meus livrinhos de cordel
Toda a noite eu rezava para o meu papai do céu
Não usava sabonete, nem escova e nem papel
Até que depois de um ano se passou um ano inteiro
A mulher não aguentou mais, se mudou pro galinheiro
Eu pedi desquite a ela e fiquei com o dinheiro
Pra vocês agora eu provo como é fácil enriquecer
É casar com mulher rica e depois deixar feder
Ela pega e vai embora e deixa o ouro com você

quarta-feira, 3 de março de 2010

Saí pra comprar cigarro



Tem dia que é noite. Naquela tarde nada havia de interessante ou útil a se fazer. Talvez de útil até houvesse. Sempre há. Quem se sentia inútil era eu. A poeira nos cantos dos móveis sugeria uma limpeza, uma faxina, mesmo que superficial. Mas nada me incentivava a qualquer ação que me fizesse naquele momento ousar praticar algo de útil, mesmo em meu benefício.
O cinzeiro entupido de pontas de cigarro também clamava por uma limpeza, mas a única reação que aquela imagem sobre a mesa de centro da sala me estimulava eram duas lembranças: Andréa, a responsável por pelo menos metade daquelas pontas (as sujas de batom), e que os meus cigarros haviam acabado. Precisava descer e comprar mais um maço. Afinal alguma coisa de útil a se fazer. Se é que se deixar envenenar aos poucos pela nicotina pode ser chamado de útil.
No elevador, que me levava ao térreo, eu dividia o espaço com um vizinho mal encarado, que sei que não gosta de mim, e já fez queixas ao síndico sobre o barulho de música e vozes que constantemente vêm de meu apartamento. Nada pior, principalmente em um dia como aquele, ter que cumprimentar aquele sujeito com um boa tarde convencional.
Além dos cigarros, minha necessidade (não sabia precisar em que ordem de preferência) era falar com Andréa. Ficaram coisas pra trás. Coisas a serem ditas. Sempre ficam coisas a serem ditas, pelo menos em relação a Andréa. O seu celular fora de área era tão inútil quanto o maço de cigarros vazio e amassado no cinzeiro.
Ao descer do prédio e me encaminhar para a calçada, percebo que a luz do dia me incomodava. A escuridão preservada pelas cortinas fechadas me era mais aconchegante. Sentia-me como um vampiro, um ser das noites que se incomoda com a luz do dia. Precisava falar com Andréa.
No botequim da esquina cumpro a minha missão, que àquela altura, e naquelas condições, ganhava status de dever cívico. Precisava voltar a meu recanto, como um vampiro de volta à sua tumba, e deixar que o dia se transmutasse em noite. Ou nem isso, pois como já disse, tem dia que é noite, e aquele era um daqueles dias.
Subi o elevador com o cigarro já aceso, ignorando o regulamento do condomínio. Seria apenas mais uma transgressão, entre tantas outras, e para mim não faria a menor diferença.
Volto a meu apartamento, e só então percebo um odor de mofo, de coisa velha. O ar urbano que por poucos minutos respirei me trouxe o contraponto, e me fez perceber que naquele dia (que era noite) eu era mais um Nosferatu.
Apago o cigarro no cinzeiro, tomo um copo d’água, e então me encaminho à secretária eletrônica, e ouço uma mensagem de Andréa dizendo que precisava falar comigo, e imaginava que eu havia saído para comprar cigarros, já que ela me havia roubado o último maço (e eu nem me lembrava desse maço). Falou-me que estava indo embora, e talvez demorasse. Deixou-me um tchau e algumas pontas de cigarro sujas de batom.
Tem dia que é noite. E naquela tarde eu apenas saí para comprar cigarros. Só me restava acender outro, e deixar ficar na boca aquele sabor de Continental sem filtro.

terça-feira, 2 de março de 2010

Dvds - aquisições recentes


Em visitas a lojas de departamentos e supermercados encontrei bons dvds em promoção. Os três últimos que adquiri são os que ilustram essa postagem: John Lennon – Gimme South Truth, Led Zeppelin – Live At The Earl's Court 1975 e Bob Dylan – Celebrating Bob. Todos foram comprados por R$ 10,00.
O dvd de Lennon traz o making off do álbum Imagine, de 1971. É um excelente documento, pois foram filmadas as gravações, as conversas com músicos, ensaios, etc.
Além do mais traz cenas caseiras entre Lennon, Yoko, família e amigos, inclusive uma imagem que eu nunca tinha visto: um encontro de John com Miles Davis. Há também a presença de George Harrison, que participou do álbum, fato que eu já nem lembrava. O dvd mostra também alguns clipes das músicas com as imagens gravadas com John e Yoko. O problema do dvd é para quem não domina o inglês, pois não há legendas em português. A única opção de legenda é em inglês, ou seja, não faz muita diferença, a não ser para facilitar o entendimento das falas para quem já conhece o idioma. Há muitos diálogos nas cenas, mas como boa parte das imagens são de Lennon e sua banda cantando e tocando, o dvd vale a pena para quem quiser ter imagens de valor histórico. Já os extras ficam prejudicados para os não familiarizados com o inglês, pois traz uma entrevista com John e Yoko. Não dá para entender esse lançamento sem legendas em português, pois não se trata de um dvd importado, portanto poderia-se traduzir as legendas em inglês para o português.
O segundo dvd, do Led Zeppelin, traz um show da banda realizado em 1975. Traz o Led em plena forma, numa ótima performance. A qualidade da imagem não é 100%, mas não compromete. O dvd traz algumas músicas que pouco aparecem em dvds anteriormente lançados da banda, como Sick Again e Bron-Y-Aur- Stomp, por exemplo. Mas também não deixam de tocar clássicos do repertório zeppeliano, como Rock an Roll, que abre o show, Dazed and Confused, numa longa versão de 33:38 min, com direito a solo de Jimmy Page usando arco de violino e também sua guitarra de dois braços. O show, de aproximadamente 1:30 min encerra, como não poderia deixar de ser , com Starway To Haven. O dvd não traz extras.
Já o dvd de Bob Dylan é meio desigual. A capa do dvd pouco revela seu conteúdo. Aparece uma foto de Dylan e o título do dvd. À princípio parece ser o registro de um show, mas na verdade são várias imagens já registradas anteriormente, de diferentes fontes. O dvd começa com imagens antigas de Dylan, já registradas no documentário Don't Luck Back. Em seguida aparecem as imagens de um show em homenagem a Dylan, onde se destaca Tom Petty. Também são mostradas imagens do show em homenagem aos seus 30 anos de carreira, que aconteceu em 1992. Mostra o próprio Dylan entrando no palco, anunciado por George Harrison e cantando It's Alright, Ma (I'm Only Bleeding), e em seguida o número final, com todos os participantes do tributo cantando Knockin Haven's Door. Em seguida são mostradas imagens de Dylan em shows e clipes de diferentes épocas e entrevistas antigas já mostradas no documentário No Direction Home. Os extras não trazem nenhuma novidade: uma biografia reduzida e discografia, que ao invés de mostrar os discos em ordem de lançamento, os apresenta em ordem alfabética, o que fica meio estranho. Para quem não possui nenhum material em vídeo de Bob Dylan o dvd é uma ótima opção, porém para quem como eu, possui vários dvds, fica repetitivo, uma espécie de versão reduzida do material que já possuo. Mas pelo preço de R$ 10,00 acho que fica valendo, pois há imagens que eu não possuia.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Itu Jazz Festival


A cidade paulista de Itu, conhecida folcloricamente por ter tudo em tamanho gigante, não poderia, em seu festival de jazz, deixar de apresentar o trio com o maior balanço. Basta ver as dimensões do mesmo no palco. Essa tira me fez lembrar de como surgiu o título de uma música de grande sucesso da bossa nova, de Maurício Einhorn e Durval Ferreira. Após a música pronta, os dois não conseguiam encontrar um nome adequado para a composição. Uma noite, Durval Ferreira foi a um bar e presenciou um freguês pedindo uma batida para o garçom, mas falou que queria "uma batida diferente". Ao ouvir sem querer o pedido do rapaz, o compositor teve a ideia para o nome de sua composição: Batida Diferente, que acabou virando um grande sucesso.