Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Vinil - A Volta Dos Que Não Foram


De tempos em tempos é comum determinado produto, modismo, hábito, etc, sair de evidência. Muitas vezes, no caso dos produtos, eles acabam se tornando obsoletos, e por isso abandonados pelos consumidores a ponto de deixarem de ser fabricados, ou terem sua produção reduzida drasticamente. Essas mudanças, provocadas normalmente pelos avanços tecnológicos que trazem praticidade e melhor qualidade para o produto final muitas vezes trazem um efeito colateral para a indústria envolvida no processo, e por extensão aos próprios consumidores.
O exemplo mais conhecido e comentado na atualidade é o mercado fonográfico. Com o advento da pirataria e dos downloads de discos, muitas gravadoras deixam de investir em um produto que não tenha um retorno garantido, buscando-se cada vez mais produtos comerciais, ou seja, menos apurados.
Em meio a toda essas mudanças, que começaram a ganhar força há mais ou menos vinte anos, com a popularização dos cds, os discos de vinil tiveram momentos em que foi decretado seu fim eminente. Isso ocorreu exatamente nesse período citado, em que a maioria dos consumidores de música, encantados pela qualidade apurada e limpeza do som dos cds, além da praticidade de seu uso, passaram a considerar o velho bolachão um produto obsoleto. As lojas, que até então, naquele período de transição entre um formato e outro, passaram a colocar os lps em saldo, por preços reduzidíssimos, para desocuparem espaço e se dedicarem somente à grande novidade do mercado. Assim, havia lojas que vendiam até lps a quilo, como um restaurante self service. Aquele período, no início dos anos 90, foi a melhor época para se comprar discos de vinil, pois passou a ser considerado um produto ultrapassado, e fadado a desaparecer do mercado.

Eu, assim como outros aficcionados pelos velhos bolachões, não me deixei contaminar pelas previsões nada otimistas com relação ao fim definitivo dos lps, e consequentemente dos aparelhos, agulhas e peças de reposição.
Apesar de também ter comprado um cd player, e me encantado pela sonoridade limpa e por todas as facilidades que a nova tecnologia trouxe, nunca perdi meu encanto diante de um lp. Iniciei uma coleção de cds que hoje é bem volumosa, mas minhas visitas a sebos de discos nunca deixaram de ocorrer.
Hoje, eu vejo uma valorização ao formato do vinil. O mercado de vendas tem se reaquecido, velhos discos vêm sendo relançados e muitos lançamentos em cd também estão sendo postos no mercado em lp. Isso prova que o formato vem ganhando espaço não só para os velhos apreciadores, como também para uma nova geração de consumidores que começaram a ouvir música através dos cds, e hoje se encantam com um lp girando num toca-discos, como nos velhos tempos.
Na verdade, os discos de vinil nunca deixaram de ter seu apelo e reconhecimento. Continuaram a ser comercializados em um mercado paralelo. Quem continuou, mesmo na era digital, a cultuar e consumir aqueles velhos discos sabe que o que hoje já se chama de uma volta gradativa do vinil não é exatamente uma realidade, pois sempre houve esse comércio. O que ocorre hoje, é a volta da fabricação de produtos nesse formato.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Alceu Valença - 1975


Em 1975 Alceu Valença trazia uma renovação para a MPB. Era um dos representantes da música nordestina, que ganhava força no panorama musical brasileiro. Junto a Ednardo, Quinteto Violado, Belchior, Geraldo Azevedo, Fagner e outros, Alceu mostrava um trabalho diferenciado, de ritmo e poesia. Sua postura, imagem e presença de palco remetiam a um músico de rock, e sua música fazia essa fusão - o rock, o repente nordestino, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro com a pulsação e a eletricidade do rock. A revista Música do Planeta Terra nº 1, de 1975, trazia uma matéria sobre Alceu. O texto não é assinado, e reproduzo abaixo:
"Força: a primeira palavra. Poder da força. Poder em cima da minha cabeça. Poder fazer o que está em cima.
São restos, são sobras, são pedras preciosas, lamentos, uivos, um grito. É a pedra das eras (o rock) latente no secular cancioneiro popular do nordeste.
O discurso de Alceu Valença vem direto dos poetas de cordel, cantando nas praças do sertão de Pernambuco. Caído em meio a Copacabana.

Alceu é o grito, o palhaço, o carrasco da cultura burguesa, pulando com as botas de couro, os cabelos mais compridos, correndo atrás da banda de pífaros eletrificada de Zé da Flauta, as cores da guitarra que de repente explode. Esta banda tem um drive que de imediato faz vir à lembrança uma locomotiva, Israel e Juliano, bateria e percussão, são a máquina de ritmo, a bateria providenciando a base densa, sempre em crescendo, a percussão fazendo um firme comentário a essa solidez. O baixo aqui é pedra, ponteio sólido das bandas de soul nascidas em meio ao Recife.
Junto a Alceu, está Zé Ramalho da Paraíba, um outro fino poeta nordestino, seco, agreste, que inventa um blues carioca em cima da hora, repentista, violeiro, a base sólida de onde Alceu alça voo qual um carcará cabeludo, gritando sozinho por um milhão de famintos.
É um momento de puro poder. Poder mágico. Transporte. São as raízes em busca da linguagem universal, cometendo porém o que se passa aqui, em nossa volta.
Nesta banda, o preciosismo técnico não é meta., aqui se investe o poder das raízes eletrificadas. Nada de preciosismo burguês. Apenas raízes elétricas, atômicas, nordestinas."

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Juiz Roubou


Em minha adolescência fui peladeiro. Jogava meu futebolzinho em um campinho de várzea, próximo à minha casa. Quando escrevi meu romance Chicletes & Prazer, um dos aspectos autobiográficos que coloquei na obra foi essa característica: o personagem principal preenchia suas tardes em disputas diárias em um campinho de terra batida.
Ao ouvir o primeiro disco do músico mineiro Tavinho Moura, Como Vai Minha Aldeia, conheci uma música que também fala de antigas peladas, disputas acirradas pelos campinhos, que hoje estão desaparecendo das cidades. O campo onde eu jogava, por exemplo, hoje é uma revenda de automóveis. A música em questão, Dindilin, uma parceria de Tavinho com Fernando Brant, tem como subtítulo Cláudio Manoel x Contorno, que são os nomes das duas ruas que os times descritos na letra defendiam. Um achado na letra é a forma com que é usada a expressão "o juiz roubou", usada duas vezes. Primeiramente da forma literal, e na segunda como uma metáfora, já no final do texto. Ao dizer que gostaria de voltar àqueles tempos, e que a cidade mudou, as pessoas mudaram, o mundo mudou, ele lamentando diz: "o juiz roubou", como se as mudanças naturais fossem obra de um árbitro mal intencionado. Segue a letra:

Dindilin (Cláudio Manoel x Contorno)
Tavinho Moura e Fernando Brant

Na janela uma voz/gritaria no porão/já é dia, já é hora/todo mundo está lá fora/com o tênis na mão/esperando Dindilin/artilheiro e capitão/ da rua Cláudio Manoel/o café da manhã/grita a mãe no corredor/eu já estou muito longe/solidário companheiro/pois eu sou Dindilin/já não posso mais ouvir/só consigo perceber/o som de uma bola oval/nas paredes,/nos portões de metal/tudo agora é gol, é gol, é gol/no açougue e no bar/todos prestam atenção/para os cinco que desciam/no passeio da avenida/e lá vem a subir/Caldirica e Caldeirão/Zero, Caco e Cabeção/a Contorno é um timão/preparar, apostar/e marcar o Calderão/que só tem o pé esquerdo/mas é muito perigoso/e correr e chutar/e suar de escorregar/e berrar de coração/cada gol comemorar/cada erro lamentar e xingar/o juiz roubou,/roubou, roubou/nunca foi fácil não/sempre era pau a pau/para cima e para baixo/corre gente, rola bola/mas na queda de dez/gol pra lá e gol pra cá/eu me lembro de ganhar/muito mais do que perder/alegria geral/foi de um, será que foi/quem ganhou já vai cantando/foi de dois, de três, de quatro/foi de cinco ou não foi/e de seis e sete foi/e de oito e nove foi/ou será que foi de dez?/sobe a rua o vencedor/e lá vai descendo o perdedor/é dor, é dor, é dor/na janela uma voz/gostaria de ouvir/me chamando, está na hora/todo mundo espera agora/o Pescoço, o Cascão/Muquirana e Jiló,/o Boivaca e o Dodô/e Toureiro, o Freio de Mão/eu queria voltar/a jogar com o pessoal/todo mundo foi crescendo/foi virando gente séria/e a cidade cresceu/com os carros se casou/suas ruas asfaltou/as montanhas derrubou/só me resta lamentar e xingar/o juiz roubou,/roubou, roubou

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Suzi Quatro - Um Pôster na Parede


Ídolos teen, também os tive. Aos 15 anos comecei a acompanhar mais atentamente o mundo do rock. Como sempre acontece nessa faixa de idade, a percepção musical ainda em formação, é influenciada pela imagem que os astros passam. A indústria fonográfica já percebia isso, e alguns artistas e bandas procuravam atingir aquela faixa de público. Na época os mais famosos nessa faixa (pelo menos os que agora me lembro) eram principalmente os Jackson Five, The Osmonds e David Cassady (que estrelava na tv a série Família Dó-Ré-Mi). Essa bandas não me interessavam. Mas uma cantora me arrebatou, e como eu, muitos garotos e garotas: Suzi Quatro. Eu a achava deslumbrante e sexy. Ela era realmente uma gatinha. Via sempre seus clipes em programas do gênero, e matérias em revistas da época.
Suzi sempre cantava vestida de couro, sua marca visual mais marcante, e muitas meninas passaram a usar a mesma vestimenta. Era comum em seus shows, a presença de um bando de adolescentes vestindo couro, como uma reverência ao ídolo. Outro detalhe interessante em seu visual, é que ela já usava tatuagens, bem antes de virar moda.

A foto acima é um poster de Suzi que eu tinha pendurado em meu quarto, e que guardo até hoje. Ela era baixista, fazia um hard rock com peso, e liderava uma banda formada por homens. A música de Suzi que eu mais gostava era 48 Crash, um de seus sucessos. Hoje nem curto muito o seu som. Acho as músicas muito iguais, com uma batida meio padronizada, com poucas variações. Um rock meio chatinho. Mas na época, era o máximo pra mim.
Uma matéria publicada na revista Pop em outubro de 1974 falava do fenômeno Suzi. Abaixo alguns trechos:
"Suzi é hoje o maior estouro do rock, seus discos não saem das paradas e os teatros estão sempre cheios de gente disposta a tudo para chegar perto dela. As crianças vivem escrevendo cartas para Suzi, perguntando se também devem se tatuar e usar roupas de couro. Ela tem uma tulipa tatuada no ombro direito e uma estrela no pulso esquerdo. 'Eu sempre quis ser estrela e achava que a tatuagem iria me ajudar muito a chegar lá.' Na Inglaterra, o seu público é de trabalhadores, garotos de cabelos curtos que gostam de de encarar uma briguinha de vez em quando. Mas nos Estados Unidos a transa é bem diferente. Suzi Quatro foi foi 'eleita' a rainha dos andróginos, e seus shows são curtidos por rapazes de cabelos vermelhos, brincos, saltos altos e blusões de lamê, e garotas com botas e roupas de couro.

Muita gente pergunta qual é, afinal, a de Suzi Quatro. Ela bebe cerveja, joga bilhar, pratica esportes masculinos e vive cercada por rapazes que parecem saídos do submundo de Londres e de Nova York. O jeito com que segura o baixo, no meio das pernas, lembra uma metralhadora atirando. Por isso, ela é considerada uma vigorosa resposta ao rock masculino. E, ao mesmo tempo, a ascensão da androginia feminina. É como se as garotas dissessem: 'Os meninos têm Mick Jagger e David Bowie. Nós temos Suzi Quatro'. E Suzi sabe explorar muito bem essa imagem dúbia, que faz furor no incrível e confuso universo do rock. 'Eu não sou andrógina! Sempre fui um pouco de tudo. Mas, no palco não sou garota nem rapaz. Somente o rock é o meu sexo.'"

domingo, 11 de setembro de 2011

Peter Tosh - A Segunda Voz do Reggae


Peter Tosh foi uma figura lendária do reggae. Companheiro de Bob Marley nos Wailers, e propagador do reggae, quando o ritmo estava sendo descoberto fora dos domínios da Jamaica, Tosh, como Marley, teve uma morte prematura. Foi assassinado durante um assalto. Quando se completaram dez anos do ocorrido, foi lançada uma caixa de cds com várias de suas gravações, algumas delas inéditas. A sessão Rio Fanzine do jornal O Globo destacou o lançamento, e ainda lembrou a passagem de Peter Tosh no Brasil, em 1980. Ele esteve aqui para se apresentar no Festival de Jazz de São Paulo, e ainda apareceu em uma cena da novela Água Viva, da Globo. Lembro bem da cena da novela: ele cantando ao violão, e um gupo de jovens ao redor, entre eles, a atriz Lucélia Santos. Eis a matéria, intitulada O Cidadão Honorário do Reggae:
"Dez anos atrás, boom, boom, boom. Vários tiros disparados pelo marginal Denis 'Lepo' Loban acabaram com a vida de Peter Tosh, um dos gigantes do reggae, num assalto em sua casa em Kingston, Jamaica. Uma década depois da tragédia, plin, plin, plin, as máquinas registradoras saúdam a chegada às lojas da caixa 'Honorary Citzen' (Sony legacy), com três cds que passam a limpo a carreira de Tosh. O controverso astro que sempre atacou a 'shitstem' (a forma, intraduzível,como se referia ao sistema de valores do mundo ocidental) é lembrado por esse mesmo 'sistema' com um produto comercial - belíssimamente acabado, diga-se de passagem. Poderia ser diferente?
Talvez. Mas para os fãs, ainda bem que não foi diferente. 'Honorary Citzen' traz espalhados pelos três cds tanto clássicos da carreira solo de Tosh (Don't Look Back, Bush Doctor), como versões ao vivo até então inéditas (o clássico Johnny B. Goode, Mystic Man) e singles de valor histórico, alguns com a presença dos seus companheiros na primeira fase dos Wailers, Bob Marley e Bunny Wailler. Material bom.
Peter Tosh esteve no Brasil em 1980 como uma das atrações do Festival de Jazz de São Paulo, que aconteceu no Anhembi. Tosh chegou ao país um pouco antes do horário do show. Segundo jornais da época, o atraso se deu porque ele demorou a conseguir um visto da imigração americana, embora fosse apenas um passageiro em trânsito. Mesmo com esses problemas, ele acabou fazendo uma apresentação histórica.

Acompanhado por uma banda que tinha como destaques os fantásticos Sly Dunbar (bateria) e Robbie Shakespeare (baixo), ele subiu ao palco vestindo uma roupa árabe (incluindo o turbante), e com óculos escuros. A galera, que nunca tinha visto um show de reggae daquele porte, ficou maluca. Tosh acendia um baseado atrás do outro, dava golpes de karatê no ar, intercalava as músicas com a saudação rasta (Jah, rastafari!) e desfilava um leque de canções militantes (como Get Up Stand Up) num país que começava a se libertar da ditadura e via ser ensaiado o processo de abertura política. Foi um baque.
No dia seguinte ao show, Tosh veio para o Rio. Ficou num hotel em Ipanema e circulou pela cidade. Foi ao Canecão, onde acontecia um concurso de patins (moda na época) e chegou a ser barrado pelos seguranças. Entrou, mas não teve a mesma sorte na sua parada seguinte, um bar no Jardim Botânico, onde sua entrada foi realmente vetada. Toque pitoresco da visita: sua participação na novela 'Água Viva', cantando e tocando violão numa festa na casa da personagem Estela, vivido por Tônia Carreiro."

sábado, 3 de setembro de 2011

Artur da Távola Fala de Elvis - Parte 2


Continuando a crônica de Artur da Távola:
"Quem não se recorda das iras despertadas pelos maneios dos quadris de Elvis? Quem não se recorda da associação permanente de uma espécie de de relação sexual entre ele e a guitarra durante seus espetáculos? Quem hoje pode deixar de analisar a associação orgástica com a explosão do rock, no qual a sensação alucinatória substituía ou representava a ânsia do pleno prazer sensual, fundamental numa sociedade que se reprimira no esforço comum da II Guerra Mundial e que trazia ancestrais tradições moralistas?
Pois Elvis representou no palco e no pasmo uma liberação que anos depois viria revolucionar o comportamento de milhões de pessoas. Só que quando esse 'depois' chegou, veio com tal força que que engoliu o próprio Elvis, como todo 'depois' que chega sempre engole quase todos os 'antes' que não souberam se fazer 'sempres'.
E claro que passada a voracidade com que qualquer 'depois' devora os 'antes' (os precursores, os antevisores, e os simbolizadores), quando se acalmam os radicais de qualquer 'novo', há um retorno aos valores positivos sucumbidos na ânsia das mudanças, nos excessos inevitáveis nas mudanças.
Foi quando Elvis voltou. E voltou com grande força porque aí não era mais o foguete de renovações simbolizadas na irreverência e nos gestos, nem era mais, igualmente, aquele que começou ameaçando estruturas mas tão logo as estruturas perceberam que ali não estava propriamente uma revolução e sim uma evolução natural, elas o envolveram, fazendo um instrumento a serviço delas, em termos ideológicos e mercadológicos.
Passados, portanto, os anos da loucura e passada uma geração (a da década de 70) que levara às últimas consequências as revoluções existenciais (pagando até o mortal preço da entrada dos tóxicos), a visão mais nítida, embora sempre complexa do artista pôde surgir com a música, com sua voz sempre jovem, apenas com sua arte, contando, agora, com a saudade de milhões, com o reconhecimento de outros milhões e com a expressão de uma arte que simbolizava outro tipo de angústia: a da geração de Elvis depois que cresceu, viveu, casou, procriou e enfrentou um mundo muito mais complexo e difícil. Só isso já seria um desafio e um filão artístico incrível a levar as pessoas para a arte do Elvis quarentão inconformado. A gordura dele era a gordura delas (dessas pessoas da sua geração). O cansaço dele era o cansaço delas. As neuras dele (ficar trancado nos quartos) eram neuras delas.
Assim é o artista: na vida e na morte, na beleza e na feiúra, sempre uma antena, captando todos os males e todas as saúdes que estejam passando pelo homem em cada realidade histórica."

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Artur da Távola fala de Elvis - Parte 1


Dois dias após a morte de Elvis Presley, acontecida em 16/08/77, o jornalista e escritor Artur da Távola, codinome de Paulo Alberto Monteiro de Barros, escreveu uma bela crônica sobre o rei do rock. Artur da Távola, que na época era cronista de O Globo, depois entrou na política e se elegeu senador. Morreu há alguns anos, e deixou uma bela obra literária. Por se tratar de uma crônica longa, vou dividi-la em duas partes.
"Elvis Presley é mais um exemplo de algo que merece a meditação da gente: todo antecipador, depois da vigência daquilo que antecipou, se torna antigo e consevador dentro do que ele mesmo revolucionou.
A velocidade da realidade é tão grande que o homem nunca percebe a celeridade com que as coisas mudam a seu lado. A tendência do homem, dos países, dos movimentos políticos, das revoluções, etc, é sempre a de conservarem intactos os elementos que os causaram ou motivaram, o que é paralisante exatamente daquilo que movimentou e agitou estabilidades anteriores.
Mas fiquemos com Elvis, tema bem menos polêmico:
A volta dele há poucos anos, depois de ter sido considerado um marco, um nome, um figurão das passadas glórias, mais um da onda nostálgica etc, revela o quanto o artista antecipatório fica (ou parece como) conservador quando aquilo que ele antecipou passa a ser norma na sociedade.
Explico om que estou querendo dizer: quando Elvis, na década de 50, apareceu com um rock de branco que misturava algo das baladas caipiras norte-americanas com algo da música negra (lembremo-nos que ele é do sul dos Estados Unidos), ele estava, em primeiro lugar, antecipando, com essa fusão, uma evolução da sociedade norte-americana na direção da integração racial, uma necessidade do país. E o que o rock de Elvis fundiu antes veio a se intensificar depois, graças, até, a medidas governamentais e rigorosa legislação contra a odiosidade racial incompatível com o alto nível civilizatório da nação norte-americana.
Mas em segundo lugar o comportamento cênico de Elvis estava simbolizando uma liberação sexual e uma desrepressão do corpo que, também elas, viriam revolucionar a história do comportamento humano no século 20, principalmente depois que a pílula retirou da comunhão sexual o risco (seria a glória em vez de risco?)da procriação.
O simbólico sempre antecipa. O que o inconsciente humano expressa através de símbolos é aquilo que que já percebeu, já pressentiu, mas ainda não conseguiu conceituar, definir, catalogar, racionalizar, ordenar."