Palavras Domesticadas

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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Kafka em Quadrinhos


A união da literatura e quadrinhos sempre rendeu bons frutos. É lógico que depende muito da visão do desenhista, aliado à de quem adapta o texto para que ele execute seu trabalho. Isso quando não é o próprio artista que faz sua própria adaptação ao texto literário.
Já há um bom tempo, os quadrinhos, que já foram considerados uma arte menor, passaram a ganhar status de grande arte, com o reconhecimento do valor de vários mestres do traço, como Will Eisner, Moebius, Guido Crepax, Frank Miller, Robert Crumb e tantos outros, cada qual em sua escola e seu tempo.
Adaptar obras literárias para os quadrinhos é uma prática que seduz muitos quadrinhistas, pelo desafio e prazer que é colocar no papel através de ilustrações e adaptações, textos já conhecidos e celebrados. Aqui mesmo nesse espaço já falei de uma antiga revista que lançou uma edição especial só com adaptações em quadrinhos para textos de Edgar Allan Poe. O resultado ficou muito bom. Por se tratar de uma publicação voltada ao gênero terror, os textos de Poe oferecem uma excelente fonte de adaptação para o gênero HQ.
No caso da revista a ser comentada, o resultado também foi dos mais interessantes. Em 1987, a Press Editorial, uma editora voltada aos quadrinhos, que lançava revistas voltadas para o humor, lançou uma edição mais luxuosa, com capa plastificada e papel de melhor qualidade, tipo cartão, com adaptações de textos de Franz Kafka. O responsável pela arte é um quadrinhista e ilustrador argentino chamado Léo Durañona.
Os textos adaptados são alguns contos escritos pelo escritor tcheco: E Execução, A Mensagem Imperial, Diante da Lei, Médico do Campo, O Pesadelo da Senhora Aghata e A Célula. Todas as histórias são adaptações livres, com exceção de O Pesadelo da Senhora Agatha, escrita por Guilhermo Saccomano.

Um pequeno e resumido texto de contracapa define bem a obra: “Kafka Em Quadrinhos Por Léo Durañona une dois grandes mestres. O primeiro, da literatura, o segundo, das artes gráficas. E o resultado é dos mais belos e profundos jamais antes obtidos nos quadrinhos. Temos aqui uma obra do gênero, que merece destaque em qualquer quadrinhoteca.”
Em uma pequena biografia ao final da revista, o ilustrador argentino, cujo trabalho eu não conhecia até então, é assim apresentado: “(...) Estudou desenho e pintura na Academia Superior de Belas Artes, e estética e desenho na Universidade Nacional de Buenos Aires. Já viajou pelo México, Estados Unidos e Europa. Ele começou a fazer quadrinhos nas revistas Hora Cero e Frontera, de 1958 a 1961. No ano seguinte e durante cinco anos, trabalhou como free-lancer para várias editoras argentinas como ilustrador para as revistas Para Ti, Billiken, Maribel e Semana Ilustrada. Depois trabalhou em televisão e publicidade até 1974, quando foi para os Estados Unidos. E até 1980 trabalhou para a Warren, fazendo histórias em quadrinhos para as revistas Vampirella, Creepy e Eerie; e também para a revista Heavy Metal e para a Marvel Comic Group. Ilustrações para o New York Times e Village Voice.”

Os textos de Kafka são bastante densos e carregados de metáforas. Sendo assim exigem um traço preciso, que passe ao leitor toda a carga emocional que o texto carrega, e isso Durañona soube fazer com maestria. Carregados em detalhes, em preto e branco, usando bastante a técnica do sombreamento com precisão, os desenhos envolvem o leitor naquele clima noir das obras de Kafka, bem exemplificadas em seus títulos mais conhecidos: Metamorfose e O Processo. Aliás, no texto biográfico do artista argentino, a revista revela que na ocasião (1987) ele estava desenvolvendo um trabalho baseado em Metamorfose. Não sei como ficou essa adaptação, se ela realmente aconteceu, se foi publicada ou lançada por aqui. Acredito que não. De qualquer forma, Kafka em Quadrinhos dá uma boa mostra do trabalho de Durañona baseado nesse grande mestre da literatura mundial, provando que quadrinhos é cultura, e das boas.

domingo, 23 de outubro de 2011

Hermeto Pascoal em Campos - 1995


Tem dias que ficam na história. Uma data marcante para quem gosta da boa música em Campos foi o dia 4 de maio de 1995, quando aconteceu um show em praça pública, do grande músico Hermeto Pascoal. Numa iniciativa da Casa de Cultura Vila Maria, ligada à UENF, uma superestrutura foi montada para receber o grande músico. Aliás, é triste ver hoje a Casa de Cultura Vila Maria não promover mais nada, não sei se por falta de verba ou interesse. Além do show de Hermeto, a instituição chegou a trazer shows de gente como Luiz Melodia, Jards Macalé, João Nogueira, Milton Banana, Miltinho (MPB4), Diana Pequeno dentre outros.
Na época eu produzia um fanzine chamado Ligações On’ Pidididíri, e fiz uma resenha do show. Abaixo a reprodução da matéria:
“No dia 4 de maio último, Campos finalmente foi abençoada pela música de Hermeto Pascoal. Trazido pela Casa de Cultura Vila Maria, ligada à UENF (Universidade Federal do Norte-Fluminense), Hermeto Pascoal e banda ofereceram ao povo da cidade o mais vibrante e inesquecível espetáculo musical dos últimos anos.
A programação começou à tarde, quando Hermeto concedeu uma entrevista coletiva para órgãos de imprensa e o público em geral, além do contato direto com seus fãs, autografando discos e posando para fotos, demonstrando sempre uma grande simplicidade. A expectativa para o show da noite era bem grande, e seu grupo já passava o som no palco armado.
Tendo como pano de fundo o majestoso prédio do Fórum de Campos, e sua arquitetura greco-romana, o show de Hermeto em praça pública serviu de uma vez por todas para desmentir a velha mística de que sua música não é assimilável pelo público, que não entende e absorve suas “complicadas” harmonizações. Se avaliarmos sob a ótica dos diretores e programadores de nossas desgastadas e padronizadas FMs, sem dúvida músicos como Hermeto já teriam morrido de fome ou trocado de profissão. Mas o que se viu naquela memorável noite foi uma verdadeira festa popular, com muitas pessoas movidas pela curiosidade de assistir a um show de graça, de um cara que muitos nunca tinham ouvido falar (culpa da mídia em sua burrice) e se contagiaram com sua música. A excelente banda de apoio formada por Itiberê Zwarg (baixo), André Marques (teclados), Vinícius Dorim (sopros), Márcio Bahia (bateria) e Pernambuco e Fábio Pascoal (percussão) mostrou total integração, sendo até difícil destacar alguns nomes em especial. Os temas de Hermeto eram desenvolvidos num clima de total improvisação e liberdade criativa.
Foi realmente um espetáculo para entrar para a história de Campos.”

sábado, 22 de outubro de 2011

Drops de Abril - Chacal


Semprei prestei muita atenção a uma geração de poetas que se formou no Brasil na década de 70, e que deu origem a um movimento chamado "poesia marginal". Esses poetas produziam seu material de forma artesanal à revelia de publicação pelas editoras. O mimeógrafo era a forma que utilizavam para reproduzir, vender e distribuir seus textos, que muitas vezes eram apresentados em performances por bares e espaços públicos. Na época foi criado no Rio de Janeiro um grupo chamado Nuvem Cigana, que reunia não só poetas, mas fotógrafos, artistas plásticos e atores, que realizavam mostras, exposições e performances, que muitas vezes percorriam outros estados.
Dentre os poetas que faziam parte da "geração mimeógrafo", como também ficou conhecido o grupo, o de maior destaque foi Chacal. Anos depois, já nos anos 80, seus livros passaram a ser editados e melhor distribuídos. Na época, a editora Brasiliense lançou uma coleção denominada "Cantadas Literárias", que lançou alguns de seus livros, um deles Drops de Abril, lançado em 83, e trazendo vários daqueles textos lançados naquele esquema independente.
Em seu texto de apresentação Chacal diz:
"Esse drops é um voo de reconhecimento na minha gíria de poeta. Anos 70. Nacos de 80. São relatos de minha trip pelo planeta. Onda. Ele podia se chamar 'Sexo, drogas e rock and roll', santíssima trindade da rapaziada nesses redemoinhos urbanos. Ou então, 'Xadrez Chinês', artifícios da palavra no tabuleiro de papel. Mas ficou mesmo 'Drops de Abril', pelo que tem de ácido e mel."
Chacal nasceu em 24 de maio de 1951. "Nasci com o nome de Ricardo de Carvalho Duarte. Chacal só 15 anos depois, por causa de um dente torto. Campeão carioca de vôlei em 65 e bi de futebol de salão 65/66 pelo Fluminense. Tempo de atleta. Em 71, tempo de poeta, escrevi e editei: Muito Prazer, Ricardo. Em 72, Preço da Passagem. De novembro de 72 a dezembro de 73, uma subterrânea estadia em Londres e Lisboa. Em 75, América. Em 77, Quanpérius, edição Nuvem Cigana. Em 79, Olhos Vermelhos, Nariz Aniz, Boca Roxa. Em 77, me formei em Comunicação pela UFRJ."
Drops de Abril traz uma coleção de poemas, às vezes curtos, sintéticos e diretos, sem meias palavras. Como define o poeta ainda em seu texto de apresentação: "A Poesia está no ato, no papo, no rato, no mato. A Poesia está do lado da Vida, olhando para o Norte. A Poesia me deu a sorte de ser Poeta. E para comemorar, dou uma volta no tempo e faço a mesma dedicatória do meu primeiro livro, Muito Prazer, Ricardo. 'Essas são as coisas que eu faço com prazer. Achei que você podia saber e brincar com elas. Taí'".

Abaixo alguns poemas de Drops de Abril:

Rápido e Rasteiro
vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar
aí eu tiro o sapato
e danço o resto da vida.

Deixa pra lá
sabe essas unhas do pé
que a gente tira com a mão
pra ficar brincando? pois é
naquela loucura toda
perdi a que mais gostava

Jogo duro
acho que me falta tato
pra mamar na tua teta
pra te chamar de minha preta
acho que sou o maior pato

Pronto pra outra
gravei seu olhar seu andar
sua voz, seu sorriso
você foi embora
e eu vou na papelaria
comprar uma borracha

Pra você
morro de amores
e mordo diamantes
e dos cacos dos meus dentes sangrando,
faço um cordão pra
enfeitar sua fantasia

Troca troca
minsina a andar de bicicleta
que eu perdi o equilíbrio.
eu tinsino a levantar tapetes
e a construir o caos.

Desabutino
quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de penas e letras lentas
que passa sábado à noite embriagado
chorando que nem criança, a solidão
quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de Cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de Neil Sedaka
quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira
na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido
sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Pedras Rolando no Sesc com a Vibratto


O SESC Campos vem apresentando neste mês de outubro o projeto 70 - Os Anos Que Não Se Foram. E para falar nos anos 70 nada melhor que a música que se produziu naquele período para se ter uma visão do que foram aqueles anos agitados, conturbados, mas acima de tudo criativos. Dentre os shows programados, ontem aconteceu o da banda Vibratto, já bem conhecida no segmento classic rock/blues de Campos. O show, denominado "Only Rolling Stones", fez um apanhado da carreira da banda inglesa, com músicas que já fazem parte do repertório da banda, além de algumas novidades, já que é a primeira performance da Vibratto dedicada a uma única banda.
Acompanho a carreira da Vibratto desde sua primeira apresentação, no final de 2007, em uma pequena participação após um show do extinto trio Black Dog Blues no Bar do Gordo. A partir de 2008 a banda realmente começou a tocar seu repertório baseado em classic rocks dos anos 60 e 70, e começou a cativar seu público. Daqueles primeiros shows pra cá, a formação da banda é praticamente a mesma. A única alteração foi a saída do baixista original, Felipe Capachão, que foi substituído por Sérgio Máximo. Outra alteração, apenas provisória, foi a entrada do guitarrista Rafael Caetano substituindo Israel Squef, que morou fora em 2010. Os demais membros - Thiago Azevedo (vocais), Felipe Machia (guitarra) e Dario Buján (bateria) sempre fizeram parte da banda.
Foi a primeira vez que vi a Vibratto tocando em um teatro, e também a primeira vez que assisti a um show deles completamente sóbrio, o que não alterou em nada meu entusiasmo, embora tenha sentido falta da cerveja, essencial principalmente por se tratar de um show em homenagem aos Stones, umas de minhas bandas preferidas.
A acústica de um teatro ajuda na qualidade do som, embora tenha achado que a guitarra de Felipe em certos momentos poderia ganhar um pouco mais de volume. O show, pela temática do evento, foi calcado no repertório do Stones dos anos 70, mas curiosamente se iniciou com um hit da banda de 1981, Start Me Up, do disco Tatto You.
Thiago tem uma excelente voz, e é um ótimo intérprete dos Stones, assim como das demais músicas do repertório da Vibratto. Os backig vocals de Israel, Sérgio e Dario ajudam a moldar as interpretações, com um ótimo resultado.

Ao longo do show não poderiam faltar várias das pérolas dos Stones que a banda já interpreta em seus shows, como Brown Sugar, Bitch, Under My Thumb, Honky Tonky Women, Gimmie Shelter, entre outras. Dentre as novidades, I'm Free, Happy (umas das poucas músicas dos Stones com vocal de Keith Richards) e Wild Horses. Nessa última música, por sinal, por se tratar de uma balada, de caráter mais intimista, Israel tocou violão em substituição à guitarra. Um outro senão em relação ao som, é que o som do violão ficou abafado pelo baixo, que poderia ficar num volume menor. Mas esse detalhe não comprometeu a bela interpretação. Para o final da apresentação eles guardaram uma das mais emblemáticas e contagiantes músicas dos Stones: Jupin' Jack Flash - uma excelente maneira de se encerrar qualquer show de rock, independente de ser em homenagem aos Stones ou não.
Foi bom ver o teatro de SESC lotado, e o pessoal curtindo mais um ótimo show de rock. Agora é aguardar a nova empreitada da Vibratto, que é mostrar seu trabalho próprio de composição. Algumas dessas músicas já são tocadas em seus shows, mas uma apresentação somente com repertório próprio é sem dúvida um desafio, já que é sempre mais fácil cativar um público com músicas já conhecidas. Enquanto isso, as pedras continuam rolando.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Preciosidades em Vinil : Transa - Caetano Veloso


Um disco histórico. É o que se pode falar do álbum Transa, de Caetano Veloso. Gravado em 1971, durante seu exílio londrino, o disco seria lançado no ano seguinte, quando Caetano já havia voltado em definitivo ao Brasil. Com participação e arranjos de músicos brasileiros: Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa, Transa representou uma retomada na carreira de Caetano.
Ainda trazendo em sua grande maioria composições em inglês: You Don't Know Me, Nine Out Of Ten, It's A Long Way, Neolithic Man e Nostalgia ( That's What Rock'n Roll Is All About), o álbum, ao contrário do que pode sugerir, tem uma sonoridade bem brasileira. Os arranjos e a produção musical de Jards Macalé ajudaram a definir a linha musical pretendida por Caetano na época, que segundo o próprio, experimentava um crescimento em virtude do que assimilara em Londres, ao lado de Gilberto Gil.
Sobre Transa, Caetano comentou em seu livro de memórias Verdade Tropical:
"Minha ideia era fazer um grupo que tocasse a partir do meu próprio modo de tocar violão. Tutti Moreno já estava morando em Londres e Áureo de Sousa tinha chegado para passar algum tempo. Juntamente com Tutti, ele se encarregaria da bateria e da percussão. Escrevi para a Bahia chamando Moacir Albuquerque, o belo e talentoso irmão de Perinho, para fazer um 'contrabaixo baiano' para a minha banda. Ele também aceitou. Daí nasceu o Transa, um dos meus discos preferidos(...) Entreguei a direção musical a Macalé, que era um violonista de verdade."

Apesar do excelente resultado no trabalho final do álbum, Transa, segundo se conta, desencadeou uma longa cisão pessoal e artística entre Caetano e Macalé, que teria ficado descontente pelo fato do álbum não ter trazido uma ficha técnica que creditasse sua participação e dos demais músicos na concepção do disco.
Caetano, mais tarde, em uma entrevista ao Jornal do Brasil diria:
"Como é que bota essa bobagem de dobra e desdobra, parece que vai fazer um abajur com a capa, e não bota a ficha técnica? Era importantíssimo. Era um trabalho orgânico, espontâneo."
As duas faixas cantadas em português: Triste Bahia (Gregório de Matos Guerra e Caetano) e Mora na Filosofia (Monsueteo Menezes e Arnaldo Passos) completam o álbum com duas gravações primorosas.
Transa, com todo merecimento, sempre entra em qualquer listagem de melhores discos brasileiros de todos os tempos. Na edição especial da Rolling Stone brasileira dos 100 melhores discos brasileiros de todos os tempos, aparece em oitavo.

sábado, 15 de outubro de 2011

Postagem nº 300 - Falando de Erasmo


Cheguei à postagem nº 300. Como se trata de um número expressivo, resolvi que nessa postagem falaria de algo ou alguém que seja bem especial pra mim, por isso resolvi falar de Erasmo Carlos.
Comecei a gostar de música na minha infância, e o primeiro gênero de música que me despertou foi a Jovem Guarda. Gostava daquelas músicas, daqueles caras cabeludos cantando aquelas músicas que me traziam uma vibração diferente. Ouvia muito rádio na época, e junto aos onipresentes Beatles e outras bandas de rock da época, ouvia muita coisa da Jovem Guarda. Roberto, Erasmo e Wanderléia, o grande trio, que melhor representava o movimento viraram meus primeiros ídolos nacionais, ao lado de Renato e Seus Blue Caps, minha banda preferida na ocasião. Na tv havia alguns programas dedicados ao gênero, porém o mais célebre deles, o Jovem Guarda, eu não tinha como assitir, pois aqui na terra só entrava o sinal da TV Tupi, e o programa era transmitido para o Rio pela TV Excelsior, se não me engano. Por isso, a imagem de Roberto Carlos era coisa muito rara pra mim, já que ele era contratado exclusivo da emissora. Erasmo e Wanderléia ainda apareciam em outros canais de TV, mas eu sentia falta da presença de Roberto na tela de minha tv.
De uma certa forma, Erasmo passou a suprir a falta de Roberto pra mim, e eu passei a admiriá-lo, e também suas músicas. Até um chiclete chamado Tremendão eu curtia. Vinha com uma figurinha ilustrando trechos de músicas do homenageado, como por exemplo, um coração onde havia uma cela de prisão em que aparecia a figura de uma gata, e abaixo escrito "Um dia , gatinha manhosa, eu prendo você em meu coração"
Já adolescente, eu descobria o rock dos anos 70, e verifiquei que alguns daqueles astros da Jovem Guarda continuaram nos caminhos do rock, com um som mais potente e ousado, como deveria ser nos novos tempos, já sem aquele ar de ingenuidade das letras de antes. Nesse período, minha admiração pelo som que Erasmo fazia confirmava a atenção especial que seu trabalho já havia me despertado ainda criança. A foto que ilustra essa postagem é de um poster de Erasmo que eu havia colocado atrás da porta de meu quarto, e que guardo até hoje. As bordas rasgadas são decorrentes da fita durex que o prendia. O poster, que veio de brinde na revista Pop, a publicação que falava de rock na época, trazia no verso uma foto de Mick Jagger, ou seja, tive que optar entre Jagger e Erasmo. Logicamente fiquei meio dividido, mas minha opção por Erasmo foi consciente. Uma das razões de minha devoção adolescente por Erasmo, foi um disco marcante pra mim, que ele havia lançado em 1974, chamado 1990 - Projeto Salva-Terra. Alguém desavisado, ao deparar com o título, pode achar que o disco foi lançado em 1990, mas na verdade trata-se de uma música que fala de um futuro ainda distante, imaginando o mundo 16 anos depois: "Em 1990 a crise era demais/as pessoas enlatadas não lembravam mais de paz/às vezes Deus era lembrado pela falta que fazia...". Considero esse disco, cuja capa é essa abaixo, um dos melhores discos de rock lançados no Brasil.

Na ocasião, Erasmo montou uma excelente banda para acompanhá-lo, chamada Cia Paulista de Rock. Lembro que assisti pela tv em janeiro de 1975 uma apresentação de Erasmo que me alucinou. Foi no intervalo de uma das eliminatórias do Festival Abertura, da Globo. Enquanto eram apuradas as notas dos jurados, Erasmo Carlos e a Cia Paulista de Rock fizeram um showzaço. Lembro dele com uma jaqueta de couro, cantando Bolas Azuis, uma música desse disco, que apesar do título em português, é um rock arrasador, com letra em inglês. Uma imagem de Erasmo e sua banda da época pode ser vista no filme Ritmo Alucinante, um documentário sobre um festival de rock, acontecido em 1975.
Mas antes de gravar esse disco que tanto me marcou, ele já havia lançado outros discos antológicos, como Carlos, Erasmo (1971) e Sonhos e Memórias (1972), que são verdadeiras pérolas.

Recentemente, durante o Rock In Rio, tive que fazer uma outra opção, assim como aquela do poster Erasmo/Jagger. Quem me conhece sabe que não sou de perder nenhum jogo do Fluminense. O Flu jogaria uma partida muito importante contra o Santos, no mesmo horário de um show muito aguardado por mim: Erasmo Carlos e Arnaldo Antunes. Optei pelo show, que assiti pela internet, e deixei de assistir a um dos melhores jogos do Brasileirão, uma vitória espetacular do meu tricolor por 3 a 2, com um gol nos acréscimos, aos 50 minutos. Mas não me arrependo. Curti muito o show.

sábado, 8 de outubro de 2011

Revista Bizz Especial - De Monterey ao Rock In Rio 2011


Durante 15 anos a revista Bizz foi o grande órgão de divulgação e informação a respeito de rock. De 1985 até 2000 a revista dominou o mercado, conseguindo muitas vezes entrevistas exclusivas com astros do rock, e excelentes resenhas de shows que aconteceram no Brasil e no exterior, além de lançamento de discos. Chegou até a mudar de formato e nome (por um tempo virou Show Bizz), mas durante o tempo em que circulou dominou o mercado de publicações musicais.
Ao sair de circulação em 2000, deixou um vácuo, já que não havia uma outra revista do segmento que a substituísse. Alguns anos depois, a revista voltou a circular mensalmente, mas com uma distribuição menos eficiente, e já sem a mesma força anterior, e novamente, após uma sequência de edições, acabou sucumbindo no mercado editorial, apesar da força da marca Bizz.
Hoje a Bizz ainda é lançada, mas em edições especiais esporádicas, aproveitando algum evento, como um show ou algum evento importante que acontece no país, ou uma data comemorativa, etc. A mais recente edição nas bancas, por exemplo, é em virtude do Rock In Rio.
A edição traz por título "De Monterey ao Rock In Rio 2011", mas ao verificar a forma em que o título aparece grafado na capa, vê-se que os editores buscaram aproveitar o grande apelo que o festival acontecido no Rio ganhou na mídia: Rock In Rio 2011 vem em nítido destaque.
Como o próprio título da revista diz, a primeira matéria destacada é sobre o festival Monterey Pop, acontecido em 1967 nos EUA, e considerado o primeiro grande festival de rock acontecido no mundo. Também são destacados os festivais de Woodstock, como não poderia deixar de ser, e outros eventos de rock que se tornaram notáveis, como os festivais de Leeds, Altamont, Glastombury e Roskilde, e alguns mais recentes, como SOS África, Live Aid, Coachella, Pitchford e Lollapaloza.

Mas, o grande destaque na revista é realmente o Rock In Rio, que ocupa a maior parte da revista. Começa com uma entrevista com Frejat, que participou de todos os quatro festivais. Em seguida, há um bom material fotográfico e de texto sobre todos as três primeiras edições do Rock In Rio (a revista foi lançada antes da edição 2011). Trata-se de um ótimo material sobre o festival, destacando-se ainda o Rock In Rio Lisboa e Madri.
Algumas curiosidades, principalmente sobre o estrelismo de alguns rock stars que participaram de algumas edições do Rock In Rio são relembradas, como: "Fred Mercury, do Queen, deu piti ao ver artistas brasileiros com Erasmo Carlos e Elba Ramalho 'atrapalhando' sua passagem rumo ao camarim. Exigiu que todos sumissem ou ele voltaria ao hotel. Um coro de 'Viado!' ecoou pelo corredor. 'O que eles estão gritando?' perguntou a Amin Khader, responsável pelos camarins. 'Estão te elogiando.' 'É mentira!' Entrou no camarim. Pouco depois, saiu e perguntou:'No Brasil tem furacão?' Amin disse que não. 'Pois acabou de passar um por aqui'.
'Quando entrei, estava tudo virado! A bicha tinha botado tudo de pernas pro ar. Tinha até papaia no teto', contou Khader à Bizz de janeiro de 2000."
Quando sair alguma edição contando detalhes do Rock In Rio 2011, provavelmente a Rolling Stone e a Billboard, que são as duas mais importantes revistas sobre música em circulação no Brasil, se poderá ter uma visão geral de todas edições do Rock In Rio, se somadas à Bizz Especial.