Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Mistério do Samba - Hermano Vianna


Uma excelente obra retratando as origens do samba, visto sob a ótica da antropologia é o livro "O Mistério do Samba", de Hermano Vianna. O livro fraz um relato sobre as origens, a popularização, os preconceitos sofridos, e a identificação do samba como um marco da cultura de raiz do Brasil. Na orelha do livro, é citado um encontro histórico entre duas das figuras mais marcantes da cultura brasileira: Pixinguinha e Gilberto Freyre. A música e as ciências sociais se encontram numa mesa de bar. O texto diz: "Um encontro de bar ocorrido em meados dos anos 20, tendo Pixinguinha e Gilberto Freyre como principais protagonistas, é o ponto de partida e o mote deste livro, que busca elucidar um mistério: como o samba - música de morro discriminada pelo resto da população e reprimida pela polícia - transformou-se em símbolo da identidade nacional brasileira?
Os estudos anteriores sobre o tema passavam ao largo do 'mistério', limitando-se a constatá-lo; como se, de súbito e num passe de mágica, o recalcado passasse a ser louvado, tornando-se quase sinônimo de uma nação. Em terras brasileiras, 'quem não gosta de samba é ruim da cabeça ou doente do pé(...)"
Em um capítulo específico sobre Gilberto Freyre e sua mais importante obra, Hermano inicia declarando:
"A publicação de Casa Grande e Senzala foi recebida de imediato como um grande acontecimento no mundo intelectual dos anos 30. Jorge Amado, o escritor que praticamente inventou o romance 'mestiço' brasileiro, assim recorda o evento: 'Foi uma expolosão, um fato novo, alguma coisa como ainda não possuíamos e houve de imediato uma consciência de que crescêramos e estávamos mais capazes. Quem não viveu aquele tempo não pode realmente imaginar sua beleza." E acrescenta: "O livro de Gilberto deslumbrava o país, falava-se dele como nunca se falara antes de outros livros". Monteiro Lobato consegue ser ainda mais bombástico: 'Qual o cometa de Halley, irrompeu nos céus de nossa literatura o Casa Grande e Senzala(...)'
O Mistério do Samba, que faz parte de uma coleção intitulada Antropologia Social, publicada pela Jorge Zahar Editora, é uma importante obra para quem busca conhecimentos sobre as origens de nosso samba, visto sob a ótica social, utilizando uma linguagem acessível, apesar do caráter acadêmico que a obra carrega. Em seu prefácio, o jornalista e historiador Sérgio Cabral destaca:
"Sou grato a Hermano Vianna por ter elaborado um trabalho acadêmico perfeitamente inteligível para qualquer um de nós, simples mortais. Mas, apaixonado pela música popular brasileira de todas as épocas, sou mais grato ainda pelas portas que abriu para que os apaixonados e estudiosos penetrássemos na história de nossa música."

sábado, 28 de janeiro de 2012

Até a ONU Tentou Reunir Os Beatles


Durante muitos anos a grande utopia musical do show bizz internacional era reunir os quatro integrantes dos Beatles, nem que fosse para fazer um único show. Aqui mesmo, nesse espaço já publiquei um dos muitos rumores daquela tão desejada volta, quando em 1976 um rico empresário ofereceu uma fortuna para reuní-los, mas nada aconteceu. Aliás, grana não seria um motivo relevante para trazer de volta o quarteto. Cada um cuidava de sua carreira e seus projetos pessoais, John Lennon, por exemplo, havia abandonado temporariamente o mundo artístico para cuidar da família, além do mais ainda havia alguns problemas pessoais entre membros da banda, que ainda não haviam sido resolvidos devidamente, portanto a tão esperada reunião era algo bem improvável.
Lembro que o empresário Roberto Medina, após trazer Frank Sinatra ao Brasil, para cantar no Maracanã, declarou que sua próxima empreitada seria reunir os Beatles para fazerem um mega-show no mesmo local. Logicamente foi um grande delírio do futuro idealizador do Rock In Rio.
Até a ONU tentou realizar esse sonho. Já que o fator financeiro parecia mesmo não ser um motivo para reagrupar o quarteto, talvez um caráter beneficente proposto pelo órgão os sensibilizasse. A revista Veja, de 26 de setembro de 1979 trazia uma nota sobre mais essa tentativa, intitulada "Help! A ONU pede socorro aos Beatles". Talvez tenha sido uma das últimas tentativas de trazer os Beatles de volta, já que menos de um ano e três meses depois, esse sonho foi sepultado após o assassinato de John Lennon. Abaixo a matéria da revista:
"Na impossibilidade de aproximar outros desafetos empedernidos, como árabes e judeus, chineses e russos ou curdos e iranianos, a ONU está prestes a marcar um tento de menor envergadura, mas nem por isso inexpressivo - reunir os Beatles, pela primeira vez em treze anos, para três exibições em Nova York.

O mais bem sucedido grupo de música popular em todos os tempos, os Beatles, embora tenha se separado em 1970, exibiram-se em público pela última vez em 1966 - nove anos antes do fim da guerra do Vietnã e doze antes que milhares de refugiados escapassem para os países do Sudeste Asiático fora do controle comunista.
Milionários e irreconciliáveis, os Beatles resistiram ao longo de todo esse tempo a todas as tentativas de reaproximação. A ONU parce estar conseguindo o milagre. Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr já concordaram com as três apresentações. John Lennon ficou de dar a resposta. Com a renda dos shows, a ONU espera cobrir as despesas de assistência aos refugiados indochineses. Somadas as receitas de bilheteria, direitos para transmissão por televisão e discos, calcula-se que os três espetáculos renderiam 500 milhões de dólares. Prova de que os Beatles continuam insuperáveis - no ano passado, um concerto do conjunto Bee Gees, talvez o mais popular grupo musical de hoje, rendeu à ONU, para o Ano Internacional da Criança, apenas 3 milhões de dólares."

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Vinte Anos do Programa Jovem Guarda - Set/85


Em sua edição de 15 de setembro de 1985, a revista Domingo do Jornal do Brasil, trazia uma matéria de capa sobre os 20 anos da estreia do programa Jovem Guarda, na TV Record. Naquele mesmo mês de setembro ia ao ar pela primeira vez, em 1965, um programa de tv que faria história, não só por ser o porta-voz de um movimento musical que ganhava cada vez mais força no cenário musical brasileiro - apesar dos inúmeros detratores - como por lançar ao estrelato o líder do movimento, Roberto Carlos, que ao lado de seu parceiro Erasmo Carlos e de Wanderléia, definiria as bases do que se tornaria o rock brasileiro.
Na época em que a matéria foi publicada vivia-se o auge de sucesso do rock brasileiro dos anos 80, quando várias bandas e cantores faziam grande sucesso, como Legião, Paralamas, Titâs, Lulu Santos, Barão Vermelho, Lobão, Ultraje, etc. Por isso mesmo a matéria, de 5 páginas, traz vários depoimentos do pessoal daquela época, além de quem participou da Jovem Guarda. Segue abaixo um trecho da matéria, assinada por Antônio José Mendes, intitulada "Os Reis do Iê-Iê-Iê":

"A coisa começou às 16h30min de um domingo de setembro de 1965. Em poucos meses, todo o país falava nos 'amigos' para quem Roberto Carlos apontava no palco do auditório da TV Record, na Rua da Consolação: Martinha, Prini Lorez, Waldirene, Leno e Lilian, Renato e Seus Blue Caps, Os Vips, Eduardo Araújo, Demétrius, Rosemary, Cleide Alves, Meire Pavão, Golden Boys, Vanusa, Os Brasões, The Pops e dezenas de outros artistas. O rock que eles cantavam era extremamente ingênuo, com base na fase pré-psicodélica dos Beatles (um gênero que se convencionou chamar de iê-iê-iê), em sucessos da canção italiana e até em boleros. Suas roupas eram terninhos sem gola, botas, minissaias e todos usavam cabelos desafiadoramente compridos para a época.
O ápice veio na comemoração do aniversário de Roberto Carlos em abril de 1966. Em vez de fazer o programa no Teatro Paramount como de costume (o da Rua da Consolação, onde o programa começou, já ficara pequeno), a Record arrendou o Cinema Universo. Ali, cerca de 15 mil pessoas bloquearam ruas, quebraram, vidros de carros, perseguiram ídolos e dançaram aos gritos de 'ei, ei, ei, Roberto é nosso rei' e 'asa,asa,asa, Roberto é uma brasa'. No palco, os roqueiros olhavam perplexos para o que viam, ou choravam como Ronaldo, da dupla Os Vips. Nessa época, o programa era transmitido ao vivo em São Paulo e retransmitido por VT para Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife (só em São Paulo tinha três milhões de espectadores).Os produtos (roupas, bonecos, joias) associados à Jovem Guarda - em marcas como Calhambeque, Brasa, Tremendão e Ternurinha - vendiam à beça. Um sucesso de Roberto na Jovem Guarda, O Calhambeque,vendia bem na França, Angola, Argentina e México.

Houve oposição, é claro: no início muitos patrocinadores se recusaram a associar seus produtos 'a um bando de cabeludos delinquentes'. A elite desprezava os cabeludos, seus costumes e sons, considerando-os cafonas, e setores de esquerda viam as guitarras elétricas que eles usavam como o supra-sumo do imperialismo ianque. Mas nada conteve a avalanche: em 1966, um rígido crítico de música popular, José Ramos Tinhorão, registrava: 'O iê-iê-iê é o ritmo de maior comunicação com a massa, desde a utilização do baião rural de Humberto Teixeira, na década de 40'."

domingo, 22 de janeiro de 2012

Nova História da MPB - 1976


De tempos em tempos a editora Abril costumava lançar séries de fascículos sobre a MPB, que vinham acompanhados de um disco. A primeira dessas séries foi lançada em 1970, indo até 1972; a segunda em 1976 até 1978, a terceira, a partir de 1982. Os discos que acompanhavam as duas primeiras séries eram vinis de 18 polegadas, de formato menor que os LPS convencionais, com oito músicas. A edição de 1982 era acompanhada por um LP, de formato normal.
O primeiro volume da segunda série, publicada a partir de 1976 trazia um encarte especial, falando sobre o projeto, fartamente ilustrado, e contando resumidamente a história da música brasileira, desde os seus primórdios, até o que de mais moderno e atual se produzia até então. Vinha em formato de poster, que após aberto, trazia a ilustração abaixo, criada pelo artista gráfico Elifas Andreato, que por sinal, ilustrava todas as edições publicadas, dando um bonito visual aos fascículos.

Num texto de apresentação que vinha nesse encarte, em forma de Carta do Editor, o então presidente da editora dizia:
"Caro Leitor,
Em 1970-1972, a Abril Cultural produziu um antológico documento: a História da Música Popular Brasileira, narrada ao longo de 48 fascículos enriquecidos com discos que continham o principal da obra dos compositores biografados. A criteriosa seleção desses nomes permitiu a formação de um elenco de autores, que sempre representará uma síntese fiel - editorial e fonográfica - das origens e do desenvolvimento da nossa música popular(...)"
Os discos, dedicados às obras dos compositores em destaque trazia gravações variadas, com vários intérpretes, e vinha acompanhado das letras. Às vezes eram destacados mais de um compositor, que faziam um trabalho na mesma linha, algumas vezes as edições falavam não de compositores especificamente, mas sim de algum gênero musical. Uma curiosidade, por exemplo, que nunca consegui decifrar é uma gravação que saiu numa edição da segunda série (1976-78), dedicada a Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Marcus Vinícius. No disco que acompanha o fascículo existe uma gravação de Vou Danado Pra Catende, de Alceu Valença, que segundo informações que acompanham o fascículo foi extraída do LP do Festival Abertura, disco que também possuo. Porém a gravação que consta do disco do festival está incompleta, e o do fascículo aparece inteira. Quando baixei o disco do festival em mp3 é a mesma gravação incompleta. Porém o fascículo traz inclusive o número de série do LP onde a gravação foi extráda, sendo o mesmo do disco que possuo. Até hoje não sei como eles conseguiram a gravação com a música completa.

Como na época eu não tinha muita grana para comprar discos, esses fascículos representavam uma ótima alternativa para conseguir gravações que eu não possuia.
Ainda guardo vários daqueles fascículos, um ótimo material de pesquisa, fartamente ilustrado, e trazendo um bom material sonoro, às vezes inédito, como é o caso da gravação de Alceu Valença que citei. A primeira edição, publicada a partir de 1970 trazia inclusive, gravações inéditas, feitas especialmente para as edições, o que se constitui em raridade hoje em dia. Anos mais tarde, já na era do cd, outras edições semelhantes foram lançadas também. Mas tudo começou naquela primeira série, em 1970.

sábado, 21 de janeiro de 2012

A Morte de Etta James


Ontem o blues e o jazz perderam uma de suas grandes estrelas, morreu Etta James, dona de uma voz poderosa e grande intérprete, que deu vida a grandes clássicos desse segmento. A primeira vez que ouvi falar em Etta, foi quando ela veio ao Brasail para participar do Festival de Jazz de São Paulo, em 1978. Etta foi uma das grandes sensações do evento, dando um verdadeiro show de interpretação em sua apresentação. Em janeiro de 1979, a revista Pop fez uma matéria com ela, por conta de sua participação no festival. As fotos que ilustram essa postagem são de sua apresentação aqui. Abaixo, trancrição da matéria:
"Quando Etta James cantou A Piece of My Heart no primeiro Festival de Jazz de São Paulo, um enorme ponto de interrogação tomou conta dos ouvidos da plateia que superlotava o Palácio das Convenções do Anhembi: 'Ela está imitando Janis Joplin', reclamavam os fãs de Janis, no meio da multidão, indignados com a audácia daquela gorda meio desajeitada.
Etta se acostumou a esse tipo de confusão. Para ela, era apenas a confirmação, mais uma vez, de que os garotos brancos que compram discos nunca tinham ouvido falar de seu nome. Pouca gente sabe que foi Etta James quem influenciou Janis Joplin, e não o contrário. E Janis sempre fez questão de dizer isso.
De qualquer forma, todos os que foram ao Anhembi sentiram logo que estavam diante de uma incrível cantora de rhythm and blues. Etta James é considerada, por toda a crítica americana, como uma das mais competentes vocalistas de blues, ao lado de Aretha Franklin. A música que sai de seus poderosos pulmões, em meio a seus 140 kg de peso, pode ser comparada apenas à de miss Franklin ou a alguma daquelas fantásticas negras que cantam nas igrejas batistas dos Estados Unidos. John Morthland, crítico da revista Rolling Stonevai mais longe: 'Toda vez que vejo uma mulher tentando recriar sucessos de Janis Joplin', ele diz, 'fico espantado com a overdose de paixão mórbida de que elas necessitam para conseguir apenas uma migalha do que Janis conseguia. Depois que ouvi Etta James cantando A Piece of My Heart , tive que mudar de ideia. Etta pode cantar os sucessos de Janis até melhor que a própria...'

O sucesso de Etta James no Festival de Jazz de São Paulo já teve resultados positivos: ela volta ao Brasil em abril para uma excursão por várias cidades ainda a confirmar. Em entrevista exclusiva a POP, Etta mostrou o outro lado de uma mulher sofrida que persegue o sucesso há 25 anos, numa carreira cheia de altos e baixos: 'Quem quiser saber alguma coisa sobre minha vida sexual, que pergunte a Mick Jagger...' Etta acaba de fazer uma excursão com os Rolling Stones pelos Estados Unidos e diz que 'trabalhar dez dias com Mick Jagger é viver cem anos de vida bem vividos'. E não há mágoa quando ela fala de sua tumultuada carreira, cheia de injustiças:
'Minha história é igual à de milhares de delinquentes juvenis que povoam os EUA, parados nas esquinas, tentando chamar a atenção do primeiro que que passar.' Foi numa dessas esquinas, em Los Angeles, que Johnny Otis descobriu Etta James e quase conseguiu levá-la ao sucesso. Mas vieram as drogas, a heroína, o internamento numa clínica. E a inevitável interrupção da carreira:'Toda a indústria do disco sabia que eu era viciada. Ninguém queria se envolver com uma junkie. Cinco anos depois de deixar a clínica, Etta está de volta, reabilitada pela gravadora WEA e pelo produtor Jerry Wexler. 'Uma voz privilegiada, a versão feminina de Otis Redding', dizem os críticos sobre seu mais recente LP, Deep in the Night, já lançado no Brasil. Finalmente livre das drogas, com um ótimo LP nas paradas e viajando pelo mundo, Etta parece mais perto que nunca do sucesso que quer e merece. O que, para nós, o público, só pode ser ótimo..."

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

30 Anos Sem Elis


Há trinta anos morria Elis Regina. Naquela manhã, como de costume, liguei a tv, e recebi a notícia, que como a todos, me surpreendeu. Fiquei tão transtornado, que liguei para minha irmã, que é fã de Elis, para dar-lhe a notícia, e disquei um número errado. Ela já sabia. Eu não queria acreditar no noticiário. Na época, costumava assistir ao TV Mulher, um programa matinal da Globo, apresentado por Marília Gabriela, e que trazia vários quadros, conduzidos por diferentes apresentadores: Marta Suplicy, que na época ainda não tinha entrado na política, falava de sexo, Clodovil falava de moda, Henfil tinha um quadro de humor, etc. Naquele dia só se falou em Elis, e a choradeira foi geral. Lembro que Marília Gabriela na ocasião estava brigada com Clodovil, mas naquela manhã os dois choraram juntos a morte de Elis. Foi uma grande comoção nacional. O que me surpreendeu, e a muitos, foi o fato de Elis, apesar da sua popularidade, era uma cantora considerada de elite, mas o que se viu foi uma verdadeira multidão a acompanhar seu velório, com pessoas de todas as classes sociais.
Como sempre acontece nesses casos, muitas revistas especiais são lançadas para lembrar a vida e a carreira de um artista que se foi. Na ocasião a revista Amiga, que era especializada em tv e no mundo artístico em geral, lançou uma edição especial sobre a vida e a carreira de Elis. A revista trazia uma matéria sobre o velório, enterro, e principalmente sobre a carreira e a vida de Elis, além de muitos depoimentos e fotos. Aliás, todas as ilustrações dessa postagem foram extraídas dessa revista.
Como destaque, transcrevo algumas frases de Elis, reunidas numa matéria chamada "Os pensamentos de Elis - sempre em busca da verdade". Ali está um pouco de sua personalidade e de sua visão do mundo e da vida:

"As pessoas ditas corretas têm todas as frustrações de não ser o que é a marginália. E a marginália tem a frustração de não ter essa correção."
"A única mulher com coragem de dizer que sente prazer é a Rita Lee. Ela fala o que a mulher fala, sem pudor. E a mulherada fica querendo se emancipar sem saber para onde vai, que nem om país."
"No Brasil, a inspiração é americana, mas a organização é macunaímica."
"As pessoas que me chamavam de mau-caráter estavam se auto-criticando."
"Eu sou guerreira e pego a metralhadora para sair atrás de quem me enche o saco. Agora, se um amigo precisa de mim eu faço tudo e não cobro gratidão para o resto da vida, somente exijo um mínimo de fidelidade e decência."
"Para quem está vivo, viver é um risco."

"Aprendi também que não se pode ser vulnerável diante das pessoas que nos rodeiam. Eu perdi a noção do que querem de mim as pessoas que me cercam, perdi a confiança em mim e no resto. Só acredito numa meia dúzia de pessoas no mundo que são meus amigos sinceros."

"Ninguém vai fazer da minha vida uma novela, nem vou sair da minha estrada por causa de fofocas, até porque quem paga as minhas contas sou eu."
"Por que exigem de mim tanta coisa? Sou boa cantora e ainda tenho que ser educada?"
"Se eu seguisse o rumo natural da minha vida, eu seria uma operária têxtil, de qualquer indústria do país, porque meu pai é operário, e minha mãe dona-de-casa. Então, se eu tive tantas portas abertas, foi porque eu tenho a anomalia de ser uma boa cantora, num país que poucas pessoas cantam bem, e expus isso publicamente."

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

João Bosco - Do Rock Aos Cabarés (1975)


Em 1975, João Bosco era um jovem e promissor músico e compositor, que começava a se destacar no cenário musical brasileiro. Seu segundo disco, Caça À Raposa, trazia várias composições de sucesso, algumas delas gravadas por Elis Regina, que foi uma de suas melhores intérpretes. Ao lado do letrista Aldir Blanc, João formava uma das mais perfeitas parcerias da MPB, e naquele ano foi a grande revelação de compositor.
Em agosto de 75, a revista Pop trazia uma matéria sobre ele, com o título de João Bosco: Do Rock Aos Cabarés:
"Em 1972, o crítico Sérgio Cabral escreveu que apostava sua reputação e seus dez anos de experiência em música ´popular brasileira: 'Nada, rigorosamente, nada é mais importante atualmente na MPB, em matéria de coisa nova, do que a dupla João Bosco-Aldir Blanc'.
Pra muita gente, Sérgio ganhou de longe a aposta. Hoje, três anos depois, suas músicas tão tocando adoidado, fazendo muita gente se ligar na sua força. E João Bosco entrou definitamente nos ouvidos de todas as pessoas, depois de ter-se mantido como uma espécie de vinho raro, saboreado quase que só pelos conhecedores. Elis Regina, por exemplo, que descobriu Agnus Sei, faz questão de botar músicas suas em todos os seus discos, e que é que ainda não curtiu a nostálgica 'Dois pra lá, dois pra cá'? E alguns já o comparam a Milton Nascimento, um páreo mais suficiente para mostrar o peso de sua barra.
No começo de sua história, no entanto, não havia nada indicando que seria essa a sua estrada. Natural de Ponte Nova, cidadezinha do interior mineiro com uma forte dose de religiosidade, João Bosco cresceu ouvindo violino e piano, que sua mãe e sua irmã mais velha tocavam. E quando não eram os clássicos, ao vivo, eram Dalva de Oliveira, Ângela Maria e Cauby Peixoto, pelo rádio - até então, única fonte de música na sua cidade.. 'Até hoje me lembro, uma das coisas que mais marcou minha infância foi um show de Ângela Maria lá em Ponte Nova. Minha primeira visão de uma estrela, sabe? Aquele vestido todo de lantejoulas, desfile pela cidade em carro aberto, uma loucura'.
Depois pintaram Elvis Presley e Litlle Richard - e João se ligou no rock. Tantop que, pouco tempo depois, montou um conjunto: o nome era Charm Boys, e tinha dois violões (não eram guitarras eleétricas, não: violões mesmo), bateria e, inacreditavelmente, um afoché.

'Tinha também um casal que fazia a coreografia. Coitada, a menina vivia esfolada de tanto tombo que levava no palco'. O som que eles tiravam com esse 'equipamento' não devia mersmo ser dos melhores, por isso não se perdeu nada quando ele terminou o ginásio e foi estudar em Ouro Preto.
'Lá fiquei uns dois anos sem pegar no violão'. Mas era a época do estouro da bossa nova, e não demorou para que ele voltasse à estrada e começasse também a compor. Já dava pra sentir o seu talento, quando Vinícius de Moraes pintou por lá, em 68. 'Aí eu pensei: preciso mostrar meu trabalho para esse cara, pô. Então na maior sem-cerimônia, enfiei minhas duas músicas embaixo do braço, e fui bater na porta do hotel. A cara de pau valeu, e dois uísques depois eu estava tocando pra ele. O Vinícius ouviu, virou-se e falou: 'Essas duas nós vamos botar letra agora mesmo. Me mostra o resto'. E eu tive que disfarçar, porque só tinha mesmo aquelas: e eu que tinha ido lá pensando que ele não ia nem querr me ouvir.' Até hoje essas duas músicas estão inéditas, guardadas com carinho como sua porta de entrada.
Tocando (há quem diga que, quando toca, um dos dois parece ter três braços: o violão ou ele), cantando e compondo, João foi amadurecendo, arrumando parceiros e escolhendo seu caminho, até cruzar com Aldir Blanc. Na época, João estudava engenharia e Aldir, psiquiatria. Na música dos dois, o que resulta de científico é uma união das melhores que já pintou na música brasileira., melodia e letra se juntando como se tivessem saído da mesma cabeça. 'Nós fotografamos as coisas da mesma maneira, sabe?' Nos preocupamos com os mesmos problemas, a sensibilidade da gente é muito parecida.'
Ao mesmo tempo em que confessa a influência que recebeu de Gilberto Gil, João recusa-se a delimitar seu caminho a esta ou àquela trilha. 'No fundo, eu sei muito bem o que estou fazendo, onde estou pisando', diz ele, sem nenhum medo de passar da crítica religiosa de Agnus Seipara os cabarés que serviram de cenário de Dois pra lá, dois pra cá."

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Pepeu Gomes em Atafona


Um show empolgante. Se tivesse que descrever com poucas palavras o show de Pepeu Gomes na praia de Atafona no último domingo, usaria essa frase curta, mas que resume o que Pepeu Gomes e sua banda passaram para o público que compareceu ao Balneário, em Atafona. Após uma noite de sábado quando uma forte chuva inundou a região, o dia de domingo amanheceu nublado, com uma ameaça de chuva, porém felizmente o domingo estava num ótimo clima para um show. Não havia aquele sol escaldante típico dos verões, nem a chuva, que ainda ameaçava estragar, ou pelo menos, atrapalhar a festa. Estava tudo perfeito para um show espetacular, e Pepeu e banda fizeram sua parte, trazendo um ótimo espetáculo. Trazendo em sua banda Dadi Carvalho (baixo), Davi Moraes (guitarra), Felipe Pascoal (guitarra), Paulinho He-man (percussão) e Jorginho Gomes (bateria), Pepeu mostrou seu virtuosismo e ao mesmo tempo trouxe hits de seu repertório.

Pepeu foi o primeiro guitarrista que eu assisti tocando ao vivo, já que o primeiro show que assisti na vida foi quando eu tinha 14 anos, uma apresentação dos Novos Baianos, grupo do qual fez parte. Diferentemente de duas de suas apresentações que assisti, quando ele tocou mais violão do que guitarra, no show do último domingo, Pepeu fez um show elétrico e vibrante. Iniciando a apresentação com Deusa do Amor, um de seus maiores sucessos, Papeu e banda empolgaram o público, que cantava junto cada verso da música. Outros sucessos de seu repertório não faltaram, como Sexy Yemanjá e Um Raio Laser (uma de suas músicas mais suingadas). Uma versão para Soul Sacifice, de Santana, foi uma verdadeira benção para os roqueiros da antiga. A banda afiada, deu uma verdadeira aula de como se fazer um som instrumental. Dadi, um dos grandes baixistas do Brasil (Novos Baianos, A Cor do Som, Barão Vermelho, Tribalistas) mostrou porque ainda é um músico de peso, o jovem guitarrista Felipe, que não deve ter mais de 17 anos, executou solos como gente grande, assim como Davi Moraes, que apesar de ser de outra geração, traz no sangue o DNA dos Novos Baianos, já que é filho de Moraes Moreira. A música, que pede muita percussão, teve em Paulinho e Jorginho Gomes (também ex-Novos Baianos), um apoio perfeito.

Uma bonita homenagem a Chico Science trouxe A Cidade, do repertório do astro do mangue beat, um fã confesso de Pepeu e dos Novos Baianos. Outros covers também aconteceram, como Garota Dourado (Rádio Táxi), somente na voz e violão, e É Preciso Saber Viver, de Roberto Carlos, também numa versão acústica. Outros sucessos não faltaram, como Fazendo Música, Jogando Bola e Masculino e Feminino.
Uma versão pessoal para Preta Pretinha, o maior sucesso dos Novos Baianos, também não faltou. Aliás, em entrevistas recentes ele declarou que pretende fazer versões pessoais para as músicas dos Novos Baianos, o que é uma boa notícia, já que o grupo não seria o mesmo sem a guitarra mágica de Pepeu. Alguns dos solos de guitarra mais marcantes da MPB e do rock brasileiro saíram de suas mãos na época dos novos Baianos.
Uma versão eletrificada de Brasileirinho também levantou a plateia, assim como Eu Também Quero Beijar, um de seus maiores sucessos. Nossa Gente, um grande sucesso do samba-reggae (aquele do refrão Avisa Lá, Avisa Lá, Avisa Lá que eu vou...) e o frevo instrumental Vassourinha encerraram o show, em clima de carnaval, agradando ao público festeiro, e também os mais chegados ao rock. Foi um belo show para um domingo sem chuva nessa época de dilúvios inesperados.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

George Harrison no Brasil - 1979


Pouca gente sabe, ou se lembra, mas George Harrison já esteve no Brasil. Em janeiro de 1979 ele veio ao nosso país, não para se apresentar, infelizmente, mas para acompanhar o Grande Prêmio Brasil de Fórmula Um, uma de suas paixões. Na ocasião a revista Música conseguiu uma entrevista exclusica com o ex-Beatle, e ainda um autógrafo em nome da revista, que é um tesouro (não acredito que alguém possa deixar perder um autógrafo de um astro como Harrison). Além de exibir o autógrafo, a matéria traz fotos dele no autódromo, que não me lembro se era o de Jacarepaguá, no Rio ou o de Interlagos em São Paulo. Sobre a paixão de Harrison pela Fórmula Um, lembro que há alguns anos assisti a um programa no SBT em homenagem a Emerson Fittipaldi, com vários depoimentos de amigos do piloto, quando aparece a imagem de George cantando uma versão especial de Here Comes The Sun, com uma letra falando em Fittipaldi. Acho que se pode encontrar essas imagens no Youtube. Abaixo a matéria/entrevista:

George Harrisom é um ex-Beatle, e por isso não encontra paz em lugar algum do mundo. Mesmo já tendo passado 10 anos da dissolução do 'quarteto de Liverpool', todos cobram dele posições com relação a uma possível nova formação do grupo, à política praticada pelo conjunto, ao relacionamento entre eles, etc. E, durante 10 anos, em todos os cantos deste planeta, onde vai passear, descansar, gravar, tem que responder às mesmas perguntas. Naturalmente no Brasil não seria diferente.
Vindo para ver a corrida de Fórmula 1, devidamente acompanhado por Jackie Stewart - um dos melhores pilotos da categoria - e Emerson Fittipaldi - de quem tornou-se amigo graças ao gosto pelo esporte - George foi alvo de ataques sistemáticos por parte da imprensa e de fãs, que não o deixaram à vontade.
Por Música ele começou a ser contatado em São Paulo e terminou no Rio de Janeiro, onde participou de entrevista coletiva.
Música - Por que você nunca se interessou em visitar a América do Sul antes, especialmente o Brasil?
George - Bem, nós estamos muito ligados à Europa e aos Estados Unidos, por contratos, shows, gravações, enfim, é um mundo que está muito mais ligado a nós, músicos. E, apesar de todo mundo pensar que temos muito tempo de folga, nós somos muito atados a compromissos. Mas devo reconhecer que é uma falha de nossa parte, temos muito a aprender por aqui.
Música - É difícil aguentar a barra de ser ex-Beatle? Todo mundo dá mais valor a seu trabalho naquele tempo, esquecendo o atual?
George- Realmente, depois de passado tanto tempo a gente chega até a duvidar de que os Beatles tenham tido tanta influência na juventude. Quando nos juntamos e fizemos os Beatles, nada disso passava pela nossa cabeça, sabíamos que tínhamos um tipo de música que poderia vir a fazer sucesso, mas nunca imaginávamos tudo isso. Inclusive, nunca fomos um grande conjunto, éramos um conjunto razoável, assim como os Stones. Tudo isto a gente tem que explicar em qualquer lugar onde esteja. Mas, na Europa e Estados Unidos, por estarmos mais frequentemente, eles já esqueceram um pouco este lado e passaram a observar nosso trabalho individualmente.
Música - Como você está hoje, depois de tanto tempo na luta?
George - Bem, já estou completando 36 anos (25 de fevereiro), mas não tenho intenção de alguma de parar. É claro que a gente vai diminuindo o ritmo, mas parar não. Já faz parte do quotidiano, inclusive não estou mais atrás de dinheiro, mas de satisfação pessoal. O dinheiro deixou totalmente de ser importante, aprendi isso com a filosofia hindu. Eu o uso para viajar, comprar, divertir, nunca como um fim. Sei que há muitos músicos que mudaram sua linha apenas para se tornarem mais comerciais e ganhar mais dinheiro. Até os Beatles fizeram isso por algum tempo, mas quando você atinge alguns bens materiais necessários, pra que mais?

Música - Como anda o relacionamento entre você, Paul, Ringo e John?
George - A gente não se vê periodicamente por falta de tempo. Quando um está livre, o outro não, quando um está na Europa, outro está fora. Mas não existe qualquer tipo de rivalidade, as que existiam foram superadas há muito tempo, o resto é por conta da imprensa. John acalmou-se e está curtindo a família, talvez tenha-se cansado de ser muleta para a fraqueza alheia. Ringo é um bon-vivant, gravando quando quer e badalando muito, sempre foi o mais alegre de nós, o que dava mais importância à alegria e ao descompromisso, e Paul é o mais trabalhador, o que mais gosta de promoção em torno de seu nome. Claro que hoje é o que mais faz sucesso, o que mais vende disco, mais por uma necessidade pessoal que propriamente por dinheiro.
Música - Qual seu real interesse por filosofia hindu?
George - Ela me ajudou muito a me conhecer por dentro. Não dou mais valor a roupas, carros, viagens, garotas, badalações, tudo isso porque acredito que seja uma maneira de cobrir a solidão da qual todos têm medo. Quando você se encontra, descobre o enorme potencial que há dentro de você, todo o resto passa a ser futilidade. Mas isto também vem com o tempo. Quando era jovem, também queria ser badalado. Foi a India que me modificou completamente."

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Peréio, Eu Te Odeio


Além de um grande ator, Paulo Cesar Peréio é uma figura das mais interesantes do mundo artístico brasileiro. Sempre transitando na contra-mão, um marginal por excelência, Peréio carrega a fama de difícil, maldito, porralouca, etc.
Em 1981 o filme Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, que ele contracenou ao lado de Sonia Braga, lhe deu grande projeção, e na época a revista Careta fez uma longa entrevista com ele, intitulada "Peréio, Nem Feminista Nem Viadista", onde ele falou de variados assuntos, como cinema, política, etc. Para a matéria ele posou para fotos com o vestido usado por Sonia Braga no filme (ou um similar), e na chamada de capa vinha estampada a frase "Peréio Eu Te Odeio", fazendo um contraponto com o título do filme. Essa frase, aliás, vai virar título de um documentário sobre ele, que a produtora do desenhista gaúcho Alan Sieber está finalizando. Ao ser procurado, Peréio disse que só autorizaria a feitura da obra, se só se falasse mal dele o tempo todo, daí o título.

Na matéria para a revista, publicada em junho de 1981, Arnaldo Jabor dá o seguinte depoimento sobre Peréio:
"Como não tenho forças para chegar até a máquina de escrever declaro pelo telefone que Peréio é uma mistura de urso de pelúcia com Judas de Sábado de Aleluia. Durante as filmagens, eu não sabia se o acariciava ou o enchia de porrada cruelmente. Na dúvida, fazia as duas coisas - que não davam em nada, do mesmo jeito. Ele só faz o que quer, geralmente bem, quando você menos espera. Peréio é incontestável na sua aparente liberdade: possui contudo uma mãe fina e ardilosa que o mantém preso a uma corrente de paetês e cristaleiras sulinas e o controla, lá do Rio Grande, entre sibilos e suaves ordens telepáticas. Seu pai, lindo como Tyrone Power, joga pôquer num retrato em branco e preto por toda a eternidade.

Peréio me dá sempre a sensação de que vai ficar louco; esta é a sua grande maldição: nunca terá esta chance. Vagará pelas noites do Brasil arrastando sua depressão didática, sua figura educativa. É um contrafóbico, ou seja, só faz o que tem medo.
Peréio é o retrato de uma época. Ele é a realidade brasileira. Às vezes, é a clase média, rosnando suas dúvidas e desmazelos. Em noites em que o uísque é mais cintilante contra as estrelas do Leblon, avulta fino e limpo como um diplomata. Então ele é a burguesia nacional. Nestas horas, circula à sua volta - dentes brancos, olhos neon, patins niquelados, roller-skate a mil por hora - Cissa(*), mulher foguete, espicaçando um touro preguiçoso. O mais das vezes, contudo, ele é proletariado - esculhambado, emblema do subdesenvolvido. Em suma, Peréio é as classes sociais brasileiras. Um retrato do Brasil - desnecessário, esperançoso e deprimido. E o único ator que se parece com o noticiário dos jornais.
Naturalmente, ele me inveja. E eu invejo a ele. Ambos somos dois mendigos, dois miseráveis parecidíssimos andando por aí. Só que ele é a fome. E eu a vontade de comer."
(*) Na época Peréio era casado copm a atriz Cissa Guimarães

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Crumb- A Heroica Luta de Um Artista Para Se Manter Longe do Sucesso


O desenhista de quadrinhos Robert Crumb é um personagem dos mais interessantes. Além de artista genial, sua irreverência e aversão à fama fazem dele uma figura ímpar. Sua vida daria um ótimo documentário, com realmente deu. Para se conseguir produzir um documentário com imagens e entrevistas exclusivas só mesmo alguém muito ligado ao personagem, o que é o caso do diretor Terry Zwigoff, amigo de Crumb.
A revista General, especializada em cultura geral, que circulou nos anos 90, em seu nº 12 traz uma matéria sobre o filme, que estava sendo lançado. A matéria é assinada pelo também desenhista Fábio Cobiaco, com colaboração de Paulo Góes. Abaixo, transcrição da matéria.
"O sucesso persegue Robert Crumb. O mais underground dos artistas underground, o heroi dos quadrinhos marginais que recusou todos os insistentes convites milionários para trabalhar na grande imprensa, consegue sem querer o que muito artista esforçado tenta a vida inteira: ser sucesso. Crumb, nascido para ser mártir da cultura alernativa, está virando moda.
Tem até CD Rom baseado em suas histórias em quadrinhos. E um after dark para tela de computador estrelado pela Engelfood McSpade.
Para 'piorar' a situação de Crumb, um documentário sobre sua vida acaba de receber o prêmio de melhor filme não ficção no Festival de Sundance, um dos principais eventos do cinema norte-americano. Justo Crumb que, depois do sucesso do desenho animado Fritz The Cat , havia prometido nunca mais se meter com cinema. Pobre vítima do sistema!
Crumb - o singelo nome do filme - é dirigido por Terry Zwigoff, amigo do desenhista. Zwigoff é também um dos companheiros de Crumb na banda Sheep Swit Serenaders, especializada em música folclórica norte-americana.
Enquanto os amigos fazem esse tipo de traição contra ele, Crumb continua se esforçando para manter a popularidade à distância. Seu último feito nesse sentido foram as HQs Quando Os Negros Tomarem A América e Quando Os Malditos Judeus Tomarem A América. Uma imagina a realização de todos os ridículos pesadelos de racistas norte-americanos: negros no poder invadindo casas para roubar as mulheres e estrupar a comida. A outra coloca batalhões de rabinos, com kippás, tranças e tudo mais, marchando vitoriosos sobre as ruas dos EUA. Dois típicos exemplos do humor absurdo de Crumb, que desde os anos 60 não deixou ninguém escapar - nem hippies, nem nazistas, nem yuppies, nem feministas, nem policiais, nem hare krishnas, nem sua esposa, nem ele próprio.

Desta vez ele ganhou a chance de ser chamado de racista e nazista. Muita gente não entendeu a piada e está fazendo escândalo. A alfândega canadense, por exemplo, proibiu a entrada do gibi no país. Mais ridículo: uma publicação neo-nazi, Race And Reality, levou as HQs a sério e as publicou sem autorização (Crumb entrou com um processo contra a publicação). São os problemas de tornar-se popular.
Crumb, o filme, será exibido no Brasil na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo."

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Regendo o Avesso - Luiz Tatit


A música de Luiz Tatit sempre chamou minha atenção. Nos anos 80, o Grupo Rumo era um dos meus grupos preferidos, e as letras de Tatit era um dos fatores que me fazia gostar tanto daquele grupo da Vanguarda Paulistana nos anos 80. Apesar de só ali, naquele período, eu tomar conhecimento da obra de Tatit, eu já o conhecia de nome, de uma matéria publicada no início de 76, no Jornal de Música, que vinha encartado na revista "Rock, A História e a Glória". Havia nessa publicação uma sessão chamada Ilustre Desconhecido, que falava sempre de um músico ou banda que não era conhecido do grande público, ou por estar ainda no início de carreira, ou por trazer um trabalho pouco comercial. Luiz Tatit, que na época só trazia o sobrenome como nome artístico, foi destacado naquela edição, numa matéria assinada por Maurício Kubrusly, que mais tarde ficaria famoso por apresentar quadros no Fantástico. Eis a matéria:
"Mais ou menos ilustre, Tatit provavelmente terá de se conformar em permanecer para sempre desconhecido. Pelo menos, no que depender de discos. Ou será que alguma gravadora se arriscaria a lançar um compositor intéprete entoando uma letra como esta?
Han-han
Ahn
Xiiiiiiii!
Hein? Tá!
Nossa! É isso!
Hei! Oh! Para!
Este é um trecho dos versos da canção 'Ah!', na qual Tatit brinca com interjeições, empregando-as de maneira não convencional - por exemplo: um 'Oba!', exclamação que usualmente aparece na forma ascendente, surge de maneira inversa, numa frase melódica descendente, revelando inconfundível desânimo. Questionar os lugares comuns da música popular é uma das intenções do trabalho desse paulista, hoje estudante da música dita clássica.
- Nosso trabalho pode ser definido como um estudo das unidades melódicas naturais que acompanham a fala, e a utilização delas no processo de composição. A fala revela-se como elemento essencial na música chamada popular. O resultado do nosso trabalho não é muito 'bonito'; é antes, interessante. Não mostramos 'música para o deleite', mas elementos para discussão. E eles surgem através de perguntas como: o que adianta a música sem comunicação fácil? seria popular também?
Por enquanto, no caso de Tatit e seu grupo (todos estudantes da Universidade de São Paulo), as respostas têm sido sempre negativas. Nos poucos recitais que conseguiram apresentar, as plateias, obviamente surpreendidas, permaneceram quase estáticas, não aderindo ao debate proposto. A surpresa torna-se, portanto, a presença dominadora, talvez até incômoda, na relação entre Tatit e o público. Porque não se trata, por exemplo, de uma espécie de 'novo Walter Franco'. Não, Tatit ultrapasa todos esses limites usuais da vanguarda da música popular, com ou sem aspas, para oferecer propostas como: uma canção montada a partir dos refrões de uma feira. Mostra então, a fita que gravou numa feira de rua, onde se ouve o pregão do vendedor de peixe, o grito do garoto que vende limão, a malícia de um feirante que mexe com uma empregada ao mesmo tempo que anuncia o preço do tomate, etc. Trocando algumas palavras. Tatit e seu grupo recriam esse universo e conseguem montar uma peça magnífica, madrigal urbano, e contemporâneo, com várias vozes.

Outro exemplo: 'Tema de Amélia', uma colagem de partículas de sambas de Ataufo Alves, denunciando os comportamentos mais comuns das composições de Ataulfo - ou, dos sambistas em geral. (E Tatit interpreta a 'canção' quase à capela, praticamente sem acompanhamento, num recitativo distante de tonalidades e andamentos, ritmos e harmonias comuns. E, este inusitado o distancia ainda mais do universo acomodado da música de mercado). Mais um exemplo: 'Vou Contar', de autoria de Paulo, músico do grupo de Tatit: trata-se de um rock pândego, construído somente com aquelas partes menos valorizadas pelos músicos e público, ou seja: os ruídos iniciais ou finais das faixas, a afinação dos instrumentos, os gritos de estímulo à plateia ('Are you ready?) ou de consulta ao técnico de som ('OK, man?')(...)
No começo Tatit quase arriscou uma escorregada até o hit parade, criando o que chama de 'música de inspiração', com redundâncias agradáveis de ouvir, simplezinhas. Mas logo preferiu não repetir, se propondo investigar os maneirismos e mesmices dessa música. A partir daí, suas apresentações se tornaram mais raras; as plateias, mais vazias; e a distância dos estúdios, das gravadoras, muito, maior."

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Geração Beat Abriu A Porta Sem Bater


Em 1993 foi lançado um excelente jornal especializado em música, chamado Mixer. Foi mais uma daquelas ótimas, porém efêmeras publicações - creio que só durou duas edições (pelo menos foram as duas únicas que conheci). O jornal trazia um bom time de redatores, como Pedro Só, Camilo Rocha, Gastão, Claudio Willer, Sonia Abreu e Fernando Naporano, dentre outros. De seu conselho editorial fazia parte o prestigiado maestro Julio Medalha. Em seu primeiro número, o jornal trazia um bom texto sobre a geração beat e sua influência no rock e na cultura em geral, assinado por Claudio Willer. Abaixo transcrevo trechos da matéria, que se intitula "A Geração Beat Abriu a Porta Sem Bater":
"Ao que consta, as bandas de Seattle são influenciadas pela Geração Beat. Mas, para não acabar escrevendo a história da música pelo método confuso, é preciso verificar quais manifestações importantes na área do rock, pop e jazz não tiveram influência da beat nas últimas três ou quatro décadas. Talvez seja mais fácil fazer o levantamento dos refratários ao impacto provocado por Allen Ginsberg, Jack Kerouac e seus companheiros de viagens e literatura. Uma influência plural, exercida sobre grupos, intérpretes e tendências. Discuti-la em detalhes obrigaria a comentar as homenagens prestadas por Laurie Anderson a William Burroughs, como em seu filme-performance "Home of the Brave". E o modo como grupos punk também homenagearam o autor de 'Naked Lunch" (Almoço Nu, na tradução brasileira). Ou então, registrar os encontros e trocas de figurinhas de Allen Ginsberg com Bob Dylan e outros expoentes da música de protesto. Tomemos, por exemplo, a fase do rock lisérgico. Alucinógenos tornaram-se moeda corrente da contracultura dos anos 60, depois de serem tema de Ginsberg (nos poemas sobre mescalina, LSD e aiauasca de 'Kaddish and other poems').
Então, quando um grupo como o Jefferson Airplaine rodava pelos Estados Unidos, por volta de 1967, distribuindo LSD para quem quisesse experimentar, no ônibus psicodélico capitaneado por Ken Kesey, o autor de 'Um Estranho no Ninho', eles haviam assimilado toda essa literatura e a estavam pondo em prática.

A lista de conexões entre literatura beat e música vai mais longe. Basta lembrar os rapazes de Liverpool que, há mais de três décadas (na época da publicação), batizaram seu conjunto de The Beatles, depois de uma visita de Allen Ginsberg à Inglaterra, conforme revela Bruce Cook, em seu livro 'Beat Generation'. Isso, como uma das consequências da explosão beat na segunda metade dos anos 50, com a publicação e a venda de milhões de exemplares de 'How and other poems', de Ginsberg e 'On the Road', de Kerouac.
Outras influências são menos acidentais. É o caso de um dos personagens mais complexos da história da música contemporânea, Jim Morrison. Também poeta, Morrison revestiu-se de rebelião e hiper-romantismo. No entanto é como se ele tivesse lido Artaud, Rimbaud, William Blake e outros poetas da rebeldia e transgressão através do olhar de Allen Ginsberg ou de William Burroughs. O nome de seu conjunto, The Doors, remete a isso. A ideia de transpor uma porta está presente em Ginsberg, por exemplo, na epígrafe de abertura de 'Howl and other poems': 'Soltem a fechadura das portas! Soltem também as portas de seus batentes!'. A mesma porta está em várias passagens de William Blake, autor referencial de ambos, Ginsberg e Morrison (...)"

domingo, 1 de janeiro de 2012

Gente de Sucesso - A Vida de Tom Jobim


Tom Jobim é um patrimônio nacional, um músico excepcional, um compositor dos mais inspirados que esse país já teve. Sua obra representa o que de mais rico e universal a arte brasileira já produziu. Muitos trabalhos sobre sua vida e obra foram lançados, principalmente após sua morte, em dezembro de 94. No momento, inclusive está sendo feito um documentário sobre sua vida, com direção do premiado diretor Nelson Pereira dos Santos. Dentre os ítens que possuo sobre o maestro, há um interessante livro publicado por uma editora que acredito que não mais exista, chamada Editora Rio Cultura. Trata-se de uma série de livros intitulada Gente de Sucesso, que também destaca em outras edições Fernanda Montenegro, Walter Clark, Florinda Bolkan, Marlene e Orlando Villas Boas. Esses livros foram publicados através de um convênio com as Faculdades Integradas Estácio de Sá, o que evidencia o caráter educativo e cultural. Comprei o livro em um sebo, provavelmente no início dos anos 90, quando Tom ainda era vivo. Aliás, falando em data, no livro não há nenhuma menção a seu ano de publicação, mas consultando a discografia do músico que acompanha a obra, o último lançamento de Tom até então, é o disco que gravou com Edu Lobo em 1981, portanto a publicação é dos anos 80.
O livro de 103 páginas, traz uma biografia do compositor, além de depoimentos, discografia, relação de prêmios concedidos e fotos variadas. Tom fala de assuntos diversos, como parceiros, Bossa Nova, sucesso no exterior, encontro com Frank Sinatra, festivais, trilhas sonoras que produziu, influências, etc.
Nada melhor do que trazer um pouco do pensamento de Jobim nessa primeira postagem do ano. Abaixo algumas frases tiradas do livro:

"Algumas vezes dormi nos bancos da Praça Nossa Senhora da Paz, de tarde, com aquela preguiça que o calor dá."
"Bastava sentar e escrever a música, o resto vinha por si."
"Toda vez que há qualquer coisa criativa na América Latina, ela vai acabar na América do Norte."
"Dolores Duran fez 'Por Causa de Você' com um lápis de sobrancelha, o instrumento que tinha na mão para não perder aquele ótimo momento de inspiração." (sobre suas parcerias)
"Acho o Sinatra ótimo. Pena que ele não fale mais com a imprensa... Pessoalmente, é uma criatura excelente."

"Você faz uma música toda trabalhada, põe nela o que você tem de melhor, leva com carinho para ser ouvida, e é vaiado." (sobre os festivais da canção, e a vaia que levou com Sabiá)
"...é tráfego engarrafado, é assalto em elevador, é neraustenia. O homem foi feito para casar com uma mulher, morar numa casa, passear na calçada."
"Digo que minha música vem da natureza, agora mais do que nunca. Amo as árvores, as pedras, os passarinhos. Acho medonho que a gente esteja contribuindo para destruir as coisas."
"A criação é um ato de amor, alguma coisa que se comunica a toda a humanidade."