Palavras Domesticadas

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sábado, 29 de maio de 2021

Detalhes da Gravação do Disco de Bolso - Tom Jobim/João Bosco (1972)


 Em 1972 os editores do jornal alternativo O Pasquim tiveram uma ideia brilhante: lançar compactos que seriam vendidos em bancas de jornal, trazendo um nome conhecido da MPB lançando uma música inédita no lado A, e um novato no lado B, apresentando seu trabalho. Como produtor do projeto foi convidado o compositor Sérgio Ricardo. Assim foi feito no primeiro Disco de Bolso do projeto. Tom Jobim foi o astro consagrado que lançaria uma nova música no lado A, sendo que o lado B lançaria um novo cantor e compositor, João Bosco. Por isso na capa vem destacada a frase "O Tom de Jobim e o Tal de João Bosco". Esse compacto, que vinha acompanhado por entrevista com Tom, letras das músicas e ilustrações feitas por componentes da equipe do jornal, ficou marcado por trazer a primeira gravação de uma música que seria um dos maiores sucessos de Tom, Águas de Março, e o lançamento de uma das principais duplas de compositores da MPB moderna, João Bosco e Aldir Blanc, com a primeira composição da dupla: Agnus Sei.

O projeto dos discos de Bolso pretendia lançar muitos outros compactos, mas só ficou em dois lançamentos, o segundo foi um compacto com Caetano Veloso como artista conhecido e Fagner como iniciante. Mas esses dois lançamentos foram mais do que suficientes para que o projeto do Disco de Bolso fizesse história em nossa música.

Em sua edição nº 8 (março de 72) o jornal Rolling Stone traria uma matéria sobre o lançamento do Disco de Bolso, em texto assinado por Carlos Ferreira, que conta detalhes sobre a gravação de Tom Jobim, e sua composição inédita, que não se imaginava na época que viraria um clássico eterno. Num texto de introdução da matéria o jornalista diz: "Foi assim a gravação do primeiro Disco de Bolso que está pintando nas bocas, com a presença de Antonio Carlos Jobim, compositor, menestrel, maestro e poeta". Sobre o outro cantor e compositor, que ocuparia o lado B, a matéria pouco fala, apenas informando que era um novo compositor, estudante de engenharia. Segue abaixo a matéria:

"O aviso veio por telefone: 'Atayde, pega leve na birita que a gravação é amanhã. Eu não vou beber nada'. A voz era de Tom Jobim e o aviso era para o produtor e violonista Eduardo Atayde. A gravação: o primeiro Disco de Bolso. No dia seguinte, às 7 da matina, com toda ressaca, o maestro chega ao estúdio da Somil. Entra lá com aquele andar gingado que dá a impressão de  calos monumentais. Embaraça os pés em mil fios de guitarras. Desce pro bar e pede um café. Depois, como está rouco, passa para o uísque. Tudo pronto. Tom se prepara para levar um copo lá pra cima. É barrado. Todo mundo intercede. O cara do estúdio não deixa. Tom finge concordar e enruste o copo cheio dentro de sua bolsinha de utilidades. Entra no estúdio e esconde o copo atrás do piano. O piano começa e ele solta a voz. Lá pelas tantas alega desafinação e diz que vai ao piano conferir as notas.  Está supernervoso, mas vai tomando seu uisquinho. Depois da décima conferida a gravação fica pronta. Todo mundo se alegra. Tom pega os rótulos que servem para identificar os instrumentos e dispõe tudo direitinho.

Capa interna do compacto

Chega o diretor do estúdio. Faz cara feia por causa do uísque. Três segundos de suspense... Ele não resiste a manda subir 5 engradados de cerveja. É a festa. Depois de umas duas horas todo mundo se manda pro bar 004, na Farani. Tom pega o violão e  canta até às 6 da manhã. Todo mundo pede um chopp ao garçom. Tom pede um beijo. Às 8 horas As Águas de Março, última composição de Tom e primeiro lançamento do Disco de Bolso está terminada. Todo mundo feliz. O disco é um compacto. A música de Tom ocupa o lado 1 e o lado 2 ficou com João Bosco, um compositor novo que estuda engenharia em Ouro Preto. Sua música chama-se Agnus Sei e a letra é de Aldir Blanc. Tocaram nas duas gravações: João Palma (percussão), Eduardo Atayde (violão), Novelli (baixo) e Paulinho Jobim (flauta).

João Bosco
O Disco de Bolso vem acompanhado de uma revista com entrevista de Tom, a partitura da música (cifrada), as letras e fotos. As ilustrações são de Jaguar, Henfil, Ziraldo e Millôr. Depois vão pintar Discos de Bolso com Caetano, Gil, Fagner, Gismonti, Luiz Gonzaga e Eraldo. O esquema é sempre apresentar um compositor famoso no lado 1 e um candidato à fama no lado 2."
 

 





terça-feira, 4 de maio de 2021

A Saída de Cazuza do Barão Vermelho (Revista Roll - 1985)


 Em 1985 uma notícia mexeu com a cena do rock brasileiro, que vivia o auge do sucesso do chamado Brock: Cazuza, vocalista, compositor e principal nome de uma das bandas de maior sucesso do rock brasileiro da época, o Barão Vermelho, iria deixar a banda e seguir carreira-solo. O futuro do Barão ficou indefinido com a notícia. A banda conseguiria sobreviver sem a figura de Cazuza à frente? A banda teria fôlego para seguir em frente? Seria um duríssimo desafio para os demais componentes, mas o tempo provou que o Barão saberia dar a virada e seguir adiante com Frejat assumindo os vocais, e sem a parceria com Cazuza. Em seu nº 21 a revista Roll trazia uma matéria sobre a recente novidade no mundo do rock nacional, que ganharia o título de "Os Ossos do Barão":

"A notícia estourou como uma bomba: numa fria noite de domingo, o Brasil tomava conhecimento da saída de Cazuza, um dos mais festejados cantores/compositores da nova geração, do  não menos idolatrado Barão Vermelho. O pior é que na mesma semana o nosso Caza adentrou um hospital, vítima de uma mononucleose que deu margem aos boatos mais grosseiros. Hoje, passado o pânico geral, os boatos e ti-ti-tis continuam. A maioria sem nenhum fundamento.

Em primeiro lugar, o divórcio não foi tão litigioso como pensam muitos. Durante a excursão-monstro do Barão por todo o Brasil, no primeiro semestre, o blues da saída recebia seus primeiros acordes. Parecia ponto pacífico, mas um acordo chegou a ser esboçado e o grupo estava prestes a entrar em estúdio para gravar o novo LP, quando Cazuza resolveu sartar de vez.

Para Frejat, a decisão não deixou de ser surpreendente, embora já fosse esperada. A ideia era fazer esse disco - provavelmente o último com Cazuza -, talvez uns shows, e, para encerrar com chave de ouro, um álbum ao vivo. Cazuza, no entanto, não se sentia mais no mood, e preferiu sair a fazer um trabalho que não correspondesse. O mais importante é que todos garantem não haver problema nenhum entre eles.

O Barão com o produtor Ezequiel Neves

Para gravar seu primeiro disco, que deve sair entre novembro e dezembro, Cazuza ainda vai aproveitar quatro parcerias suas com Frejat, além de trabalhos com Lobão (como 'Mal Nenhum', apresentada pelo Barão no Rock In Rio), Leoni (Kid Abelha), Paulinho Soledade e outros. A produção musical fica por conta do tecladista Nico Resende (presente em 'Normal', o mais recente LP de Lulu Santos), que transará os arranjos junto a Cazuza. Ele pensa em chamar uma banda de apoio para tocar no disco e seguir em shows, não descartando  as participações especiais, é claro (Lobão já está confirmado na bateria).

Já o Barão só entra em estúdio ano que vem, por volta de fevereiro. Até lá continuarão os ensaios, até para decidir a questão vocal. A princípio, todos dividirão o canto, mas não descartam a hipótese de um novo vocalista. As composições não chegam a constituir problema, já que todos compõem com certa desenvoltura. O grupo deve iniciar uma excursão pelo interior no final do ano, para chegar tinindo à gravação. O que se nota no Barão é um entusiasmo e uma garra muito grandes para provar que o grupo tem o seu valor e espaços próprios, independente da superexposição a que a mídia submeteu Cazuza.

Caza também se sente muito cobrado e acha graça das expectativas alimentadas sobre sua carreira solo. Garante não terem nenhum fundamento as notícias de que partiria para o samba-canção, por exemplo. Como ele mesmo diz, seu lado de autor é muito marcado para que possa fugir ao seu estilo característico. E promete muito blues, rock, hard e até bossa-nova.

Tanto Cazuza como o Barão estão dispostos a provar que podem seguir seus caminhos sem descambarem carreira abaixo. Enquanto isso, vão deglutindo o arsenal de abobrinhas detonadas por aí, prometendo muitas surpresas. Esperemos pra ver em que praia vai bater essa onda."