Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Maria Bethânia - Revista Pop (1973) - 2ª Parte

"O mesmo jeito e facilidade para os trabalhos manuais Bethânia tem também na cozinha. Sem empregada, não se afoba.
'Adoro cozinhar. sei fazer de tudo. De tudo mesmo. Aprendi lá em Santo Amaro, com minha mãe, olhando ela fazer.'
De volta à sala, ela acende um incenso e coloca dentro de um defumador de prata. Em seguida, põe em ordem alguns enfeites que estão sobre um grande móvel.
'Eu transo muito essa arrumação, sabe? Sou a rainha do detalhe. E a casa ainda não está como eu quero. Assim que tiver tempo, vou encher as paredes e os portais com mil coisinhas de prata, de cobre, de tudo.'
Com o ambiente perfumado pelo cheiro de incenso de sândalo, Bethânia se atira novamente no sofá de couro e mostra um beija-flor na árvore que quase entra pela janela aberta.
'Ele vem aqui todos os dias. Vou comprar um vidrinho para colocar água com açúcar e encher tudo aqui de beija-flor.'
Lá longe, o mar da Barra, muito azul, bate na praia.
'Não transo muito praia, não. Morei anos em Ipanema e nunca fui à praia lá. Não leio jornais, não vou ao cinema, ao teatro, não quero saber de nada. Mas não perco as novelas de televisão. Adorava 'Selva de Pedra', nunca perdia um capítulo. Morria de chorar quando a Simone beijava o Cristiano, escondidos de todo o mundo. Adoro essas coisas, romance, ternura...
O trabalho? 'Uma rotina constante. Sempre estou fazendo shows, gravando Lps, viajando com show para outros estados. Sempre a mesma coisa.
Não muda. Mudam as músicas, os textos, as viagens. Mas é sempre a mesma coisa. Meu roteiro é sempre o mesmo. Agora, o Pierre Barrouch me chamou para cantar no teatro dele em Paris, mas acho que não vou, não. Não estou aguentando mais a Europa. Sei lá. Pode ser que até lá tudo mude. Não me preocupo muito com as coisas. Elas acontecem pra mim sem fatalidade. Até novembro está tudo marcado para mim. Agora, um show dirigido por Fauzi Arap, no Teatro da Praia, e que vai ter o nome do meu último Lp: Drama. Quero ver se tiro o prêmio deste ano, com esse show. E vou tirar, sim.'
 Ela não nega a fixação que tem pelo palco.
'É engraçado. Eu não gosto de teatro. Vou raras vezes assistir a um espetáculo. Mas adoro curtir um palco. Acho a  glória, a maravilha. É a minha vida. Esqueço tudo. Acho tudo legal.'
Das últimas apresentações na Europa trouxe saudades da Alemanha. Correu todo o país, foi também a três cidades da Áustria, a Amsterdam, Oslo, Roma e Milão.
'Na Itália não tem grandes novidades. O pessoal já me conhece. Já estive lá. Mas na Alemanha foi a glória. Além de show, gravei programas para a televisão, fiz programas de rádio, e gravei um disco. Nos espetáculos éramos eu, Sebastião Tapajós, que tocava seu violão clássico, Paulinho da Viola e Pedro dos Santos, que deixou os alemães de boca aberta com sua percussão. Eu cantava pontos de macumba e músicas do nordeste. Os teatros se enchiam sem parar, só estudantes. Achei o público jovem alemão interessadíssimo. Os caras lá queriam saber tudo. Sabe aquela coisa de ir no camarim pedir autógrafo no final do espetáculo? Pois é. Foi maravilhoso. Um delírio.'
A excursão foi encerrada na Itália, com um festival de folclore, onde ela se apresentou ao lado de cantores populares do mundo inteiro. Do texto do show ela ainda não quer falar.
'Gosto de fazer mistério. O que posso dizer é que vai ter trechos de Fernando Pessoa e Clarice Lispector, e mais nada. Vai ser o contrário de Rosa dos Ventos, que foi um show celestial. Drama são coisas da vida. Uma fagulha do que eu sou. De tudo o que faço em teatro com o Fauzi.'
Com Caetano, no estúdio
Drama vai ficar em cartaz até julho. Em agosto Bethânia tira férias e se manda pra Bahia. Em setembro vai fazer o circuito universitário em São Paulo e em outubro, o TUCA, também em São Paulo, sempre com Drama.
Na casa na estrada das Canoas, Maria Bethânia vive tranquila em meio ao verde da floresta. Não tem vizinho por perto. Toda a natureza e o silêncio ao redor pertencem a ela. Está muito bem guardada e protegida por uma enorme figa de madeira e prata, pendurada no portão da entrada, que só é aberto pelo empregado. Só sai em ocasiões especiais: quando tem que viajar ou quando está a fim de curtir sua Yamaha 125, que ela chama de Honey Baby. A velocidade é uma das suas grandes paixões."

domingo, 24 de abril de 2016

Maria Bethânia - Revista Pop (1973) - 1ª Parte

Em abril de 1973 o nº 6 da revista Pop trazia uma matéria com Maria Bethânia. Na época ela estava envolvida com o show Drama, um dos grandes sucessos de sua carreira. A matéria é assinada por Ione Bandeira. A revista, em seus primeiros números trazia a capa e contracapa duplas, de modo que a primeira e última matéria traziam um poster do artista destacado, após desdobradas. Assim, havia um poster da cantora na primeira capa - foto de Marisa Alves Lima. Abaixo, a matéria:
"Em meio ao verde da floresta, numa casa na estrada das Canoas, Maria Bethânia vive tranquila. De praia ela não quer nem saber: quando morava em Ipanema nunca foi à praia lá. Seu trabalho? Acha uma rotina constante: sempre fazendo shows, gravando lps, viajando com seus shows pelos estados. Agora ela faz Drama, um show dirigido por Fauzi Arap, no Teatro da Praia. Ah, por palco Bethânia tem loucura, acha a glória, uma maravilha. Mas, engraçado, Pierre Barrouch chamou-a para cantar no teatro dele, em Paris, e ela não sabe se vai. Em compensação, trouxe saudades da Alemanha, quando das suas últimas apresentações na Europa. Protegida por uma enorme figa de madeira e prata, pendurada no portão de entrada, ela, podendo, fica curtindo sua casa: só sai para viajar ou andar na sua Yamaha 125. Bethânia vê todas as novelas de televisão: chorava quando Simone beijava Cristiano em Selva de Pedra. Essa gente baixando em casa toda hora para papos, ela não aguenta mais: agora só atende com hora marcada. Quando tem vontade, faz trabalhos manuais, quadros com areia luminosa: conselho do analista. Em cozinha, também se amarra: sem empregada, lembra os pratos que aprendeu em Santo Amaro. Como um vatapá especial que Dona Canô lhe ensinou.
Esparramada no sofá de couro, na ampla sala envidraçada, Maria Bethânia está totalmente à vontade na nova casa, no meio da floresta, longe da badalação de Ipanema onde morava antes.
O poster que vem na revista
 'Aquela de a gente estar tranquila em casa e toda hora pintar gente pra bater papo, não dava mais pé. Eu morava no centro de Ipanema, onde acontecem todas as coisas, e não estava mais aguentando aquele entra e sai. Gente que eu nem conhecia e nem sequer sabia quem era. Sabe, aquelas coisas de as pessoas passarem na rua e lembrarem: 'Ah, Bethânia mora aqui. Vamos chegar lá?' Era esse inferno o dia inteiro. Aqui, as pessoas não vêm mesmo porque é muito longe, e quando aparecem, eu mesmo despacho. Vou dizendo que sinto muito, que estou cansada, que não posso atender. Se quiser vir aqui, tem que marcar hora. Agora só atendo com hora marcada.' O jeito maroto de falar, gestos lentos e preguiçosos, não revelam a mulher nervosa e transbordando energia que a conselho do analista é obrigada a olhar para um aquário, diariamente, durante vinte minutos, ou fazer trabalhos manuais. Roendo as unhas ou as peles ao redor, Maria Bethânia diz que preferiu a segunda indicação.
Me amarro em tudo o que a gente pode criar com as mãos.Faço bordado, muito, e agora estou pintando também. Não como as pessoas andam falando, não é nada disso. A hora que sinto vontade, quero criar alguma coisa, eu faço. Meus quadros são com areia luminosa colorida, não é pintura, não. Por exemplo: um laguinho azul, um céu cheio de estrelinhas, essas coisas... Mas não gosto de mostrar, não. É uma coisa muito minha, não para ser divulgada. Minha profissão é a de cantora, é isso o que eu sei e o que gosto de fazer realmente.'
A casa é em estilo japonês, com portas de vidro e madeira correndo em toda a extensão da fachada. Pedrinhas redondas de fundo de rio contornam uma entradinha que vai até uma ponte de madeira, a qual beira a piscina e dá acesso à entrada principal. Na sala, esteirinhas servem de tapetes. A decoração interior não acompanha o resto do estilo. Lá dentro tem de tudo: objetos de bronze, prata, sininhos, velas coloridas e uma talha imensa fazendo parede de fundo. "

(continua)

sábado, 23 de abril de 2016

Gal Costa - Revista Música (1977) - 2ª Parte



"Cantar insolente – A mesma sensação de uns anos atrás, 68-69, quando Janis Joplin, Summertime, Aretha Franklin, James Brown quebram uma visão perfeccionista do canto de João Gilberto. Além, é lógico, da saída de Caetano e Gil do Brasil. Naturalmente, a ruptura do perfeccionismo herdado de João, a busca do novo, embora sem a visão crítica do seu trabalho naquele momento, terminam com um encontro com Macalé e novas experiências. ‘Eu me juntei a Macalé e comecei um trabalho novo. Meu Nome É Gal, meu segundo disco, é a marca da minha personalidade como cantora. Foi um disco completamente experimental. O cantar é gritado, agressivo. Pode, inclusive, ser considerado mal feito para as pessoas que tenham um ouvido como eu tinha. Mas, foi a fase onde realmente eu comecei a ter uma marca. E, a partir daí, começou uma ligação muito forte com a juventude. A coisa de jovem, de garotada.’
Hoje a reaudição provoca na própria Gal classificações como um cantar insolente, louco, agressivo e irreverente. Mas, de qualquer forma, válido. Mais: coerente com a nova visão, a nova proposta de trabalho. Uma quebra, inclusive, com o disco anterior, ‘Divino Maravilhoso’ (68), onde músicas de Roberto Carlos, Jorge Ben e do próprio Caetano garantem índices de boa vendagem. E, acima de tudo, a validade, a necessidade de uma  opção consciente.

‘O segundo disco (69) vendeu bem menos que o primeiro. Eu sabia que isso ia acontecer. Mas, foi importante pra mim como realização. Mais correto comigo mesma. E mais importante. Graças a esse trabalho, eu acho que sou Gal Costa na música brasileira. Era um disco que eu considero corajoso.’
Inquestionavelmente, o precursor da juventude, do colorido, do imenso ritmo do show ‘Fatal’ (71), quando o desembaraço e os primeiros indícios da nova imagem retratam seguras descobertas: o palco, o corpo no espaço, os gestos, e o próprio canto, solto, livre e sujo. Uma imagem forte, marcante, onde ‘eu descobri as minhas possibilidades como presença, como mulher. Transar o corpo e me soltar com uma imposição mais segura, mais direta pro público. Era uma coisa apaixonada, onde eu cantava coisas emocionais, de arrebatamento, de paixão. E descobri isso tudo sozinha.’
Tudo de mentira – Persuasiva argumentação, sem dúvida, para uma declaração de resistência à televisão, embora um incisivo ‘eu não gosto’ atraia, rapidamente, explicações como a frieza do trabalho, a americanização e a perfeita produção calcada no infindável ‘anda-pra-lá-anda-pra-cá. Você canta e sente tudo de mentira’.
A oportuna abertura a novos públicos aliada à farta divulgação do trabalho terminam, porém, em insinuantes alternativas e ‘faço pelo menos uma vez por mês’.
Dessa forma, ‘Fantástico’ e ‘Parada de Sucesso’, embora donos de palpáveis pontos no Ibope, perdem para o ‘Globo de Ouro’, ‘porque é mais bacana de fazer. Tem uma garotada. Eles chamam uns estudantes. É legal, é importante para divulgar o trabalho da gente’. Naturalmente as trilhas de novela assumem o papel do adequado termômetro na vendagem dos discos. ‘Foi usada uma faixa, ‘Só Louco’, pela TV Globo na novela ‘O Casarão’, e eu achei positivo para o meu trabalho. Promove o disco.’
E exatamente a mesma televisão, há 10 anos retrata as vaias aos nomes de Caetano Veloso, Gilberto Gil e os cabelos revoltos de Gal. ‘Divino Maravilhoso’ assume, então, a ruptura ao bossanovismo, a perfeição e o idealismo sempre procurados.

Parecia baião – Curiosas transformações aconteceram nessa época. João Gilberto e Janis Joplin passam a compartilhar, lado a lado, a condição de ídolos. ‘Eu era fascinada por João Giberto, e quando Janis Joplin gravou ‘Summertime’, fiquei louca por aquela mulher. Achei genial.’ Aretha Franklin, James Brown, à princípio, unem-se, mais tarde, a Sly & The Family Stone, a Joan Baez, The Who, Jethro Tull, e, principalmente, a Jimi Hendrix, numa expressiva amostra pop, ouvida, quase toda, no Festival da Ilha de Wight, na Inglaterra. ‘De todo mundo, quem mais me impressionou foi Hendrix. Quando ele tocava parecia baião. Foi uma coisa impressionante.’
Além, é lógico, do esperado encontro em Londres com Caetano, Gil, Dedé e Sandra, amigas de infância, de clubes, de brincadeiras. E indiretamente responsáveis pela descoberta de Maria da Graça por Caetano. Num encontro no ‘Bazar’, reduto de intelectuais e artistas de Salvador, Caetano ouve os primeiros versos de ‘Vagamente’, junto à confissão de incontida admiração por João Gilberto. Resultado: até hoje Gal é a sua cantora predileta.
Admiração, por sua vez, compartilhada também por Gilberto Gil, para quem ela ‘é a cantora que eu mais gosto, a que transmite mais profundamente uma medida de um ser doce e meigo, dentro do que eu busco como equilíbrio para uma mulher’. Um profetizante resultado, portanto, para a mãe Mariah que, grávida, ouvia diariamente, em profunda concentração, uma hora de música clássica, ‘o que deve ter me influenciado’.
A adolescência ao som de Dalva de Oliveira, Anísio Silva, Luiz Gonzaga, os acordes do primeiro violão antecipam João Gilberto, ‘o cara que me abriu a cabeça. A partir daí, eu fiquei empolgada. Ele me ensinou muita coisa, eu tenho muita coisa dele na maneira de cantar. Só agora quebrei isso’.
‘Nós, Por Exemplo’ e ‘Velha Bossa Nova, Nova Bossa Velha’, em 64, no Teatro Vila Velha, Salvador, junto a Caetano, Gil, Bethânia, o pianista Perna Fróes, o percussionista Djalma Correa e o compositor Tom Zé, animam os músicos amadores. Mais tarde, quando Bethânia substitui Nara Leão no show Opinião, ‘começou a história da gente como carreira musical’.

Mesmo assim, o perfeccionismo ao cantar a estreita amizade entre Caetano e Bethânia, já com sucesso, não parecem argumentos convincentes para as gravadoras, ‘na verdade eu não tinha convite nenhum pra cantar.’ ‘Arena Canta Bahia’ e ‘Tempo de Guerra’, em São Paulo, peças dirigidas por Augusto Boal, intercaladas por idas e vindas à Bahia e um compacto na RCA, sem sucesso, marcam um início não muito promissor. Situação modificada, no entanto, no Primeiro Festival da Canção, com ‘Minha Senhora’, de Gil e Torquato Neto. Um contrato com a Philips e ‘Domingo’, um elepê com Caetano (67), estreia de ambos, são os passos seguintes.
‘No começo foi tudo deslumbrante. A gente tinha fascinação por música e tava cada vez mais próximo da realização disso. Mas, ao mesmo tempo, existia um cuidado muito grande para não se jogar inteiramente nesse deslumbramento e manter uma integridade como pessoa. Nesse disco, tem toda uma linha gilbertiana, eu e Caetano cantávamos como João. Eu cantava sozinha algumas faixas e Caetano outras.’
Dez anos depois, as personalidades são isoladas, as carreiras e sucessos individuais momentaneamente interrompidas, e Caetano, Gal, Gil e Bethânia apresentam uma nova proposta, um grupo, os ‘Doces Bárbaros’, onde a música ‘O Seu Amor’, uma vocalização dos quatro, reflete o clima de amor no palco ‘talvez a coisa mais importante do trabalho’. E onde Gal significava a voz do grupo, confirmando, portanto, as palavras de Caetano: ‘Gal participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros grandes cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto contemporâneo, lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de quem relembra velhas musiquinhas.’ “

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Gal Costa - Revista Música (1977) - 1ª Parte



Em 1977, a revista Música trouxe uma boa matéria sobre Gal Costa, onde são relatados vários fatos de sua carreira, e tem vários de seus discos e shows comentados. O texto é assinado por Maria Cecília:
“Em 1973, o cenário do show-business brasileiro é bafejado por ares inovadores e sensuais. E um espetáculo, cujo carro chefe é uma antiga guarânia, até então sinônimo de mau gosto, passa a atrair a atenção da crítica especializada, dos espectadores mais afoitos e dos menos interessados. Uma nova imagem delineia-se no palco, onde a boca rasgada e generosamente vermelha disputa com as pernas bem torneadas os ávidos olhares dos antigos e recém-conquistados fãs.
Pudico invólucro – Hoje, no limite do décimo-primeiro ano de carreira, Maria da Graça Costa Pena Burgos, 31 anos, reconhece a importância e o inusitado de ‘Índia’.
Assim, uma complexa fusão do natural arrojo de Caetano Veloso ao sugerir a guarânia e os passos de dança, a elaborada direção musical de Gilberto Gil somam-se à inclusão do hábil sanfoneiro Dominguinhos num salutar resultado forró-funk. ‘Era um show com detalhes de sons, como os tímpanos e a percussão. E muito rico visualmente. Além disso, o meu canto era muito bem feito. Eu dançava pela primeira vez, e eu mesma me dirigia no palco.’
A surpresa, contudo, não se restringe ao show. E, no disco, uma capa dupla apresentava uma Gal/Índia seminua. Naturalmente, a censura veta e um pudico invólucro de plástico preto passa a esconder, e, por isso, a atrair nas lojas de disco a ânsia da imagem. ‘Eu não gosto muito daquela capa. Fiz as fotos e viajei em excursão pelo norte e sul. Quando voltei já estavam prontas, e a Philips me pressionou para que o disco saísse. Eu resisti à princípio, mas depois concordei. A ideia da capa é muito boa, mas foi mal realizada. O show, eu adorava.’
O disco, por sua vez, também não conta com uma aprovação irrestrita. A excursão marcada e consequentemente uma época agitada, difícil, explicam a pressa desse trabalho, ‘um disco no sufoco’.
A imagem adquirida a partir daí, entretanto, é rigorosamente cultivada. A magreza, graças à macrobiótica, os cabelos armados e soltos, a boca fortemente vermelha, o som funk, ao lado da envolvente sensualidade, formam ingredientes indispensáveis ao fiel público: a juventude. ‘A sensualidade é uma coisa muito brasileira e bacana. Eu sou um símbolo no Brasil, porque sou uma pessoa sensual. E ligo muito música à sensualidade. Me sinto sensual quando canto. Isso já é da minha alma, é inevitável. É muito bom porque as pessoas nos shows podem procurar a mulher, a coisa do sexo, a cantora que canta bem e a pessoa louca. A cantora ligada à juventude, o cabelo desalinhado.’

Ceder demais – Na verdade, um fato real e acima de tudo instintivamente cobrado. As reações em ‘Cantar (74), um espetáculo calmo, perfeccionista, à semelhança do trabalho com João Gilberto, e, exceção à regra, exibindo Gal um discreto vestido rosa, recebe de forma unânime comentários lamentosos. ‘Mas eu fiquei contente. Era um show lindo, muito musical. As pessoas reclamavam porque eu estava muito queita. E escondia um lado meu, que acham qualidade. O meu corpo. Reclamações, no entanto, benvindas, ‘pois fugir um pouco daquela imagem é quebrar um compromisso, de certa forma já esperado, e não convém ceder demais’.
Exatamente o mesmo posicionamento que orienta a escolha do repertório. Além da própria Gal, pessoas amigas e o empresário Guilherme Araújo têm também livre acesso às sugestões. O melhor exemplo é o elepê ‘Cantar’.
Produzido por Caetano Veloso, revela nas músicas, nos arranjos, uma visão dele próprio sobre a cantora e intérprete. ‘Cantar  foi feito emocionado, bem cantado, liso. ‘Canção que Morre no Ar’ é uma faixa que me emociona. Esse disco é uma coisa que eu tenho. Eu sei emitir a voz com perfeição, com clareza, com afinação, num timbre bonito. E na hora que eu quiser. Mas tem o outro lado importante, que é o cantar emocionado, sujo, onde a nota sai desafinada, mas a emoção canta também. Um lado mais animal, impulsivo, que eu acho um barato. E que eu também tenho. Foi um trabalho que me enriqueceu como intérprete.’
Subir e descer oitavas – ‘Cantora, cantora mesmo é Gracinha. Cantora para dar aquele tom certo, cantora é mesmo Gracinha.’ (João Gilberto)
A entusiástica afirmação do grande ídolo, mestre, como ela própria costuma definir, capitaliza, e ao mesmo tempo esbarra em marcantes características ditadas, acima de tudo, pela emoção. A naturalidade, e a espontaneidade substituem, dessa forma, apuradas técnicas didáticas. Eu tenho uma técnica natural de colocar a voz. Já nasci com isso. A respiração é uma técnica natural minha. O fato de segurar a respiração, a fim de a emissão ficar ou não mais longa, e subir ou descer oitavas, é espontâneo para mim’. Hoje, contudo, a experiência traz uma conscientização maior, ‘eu já faço feito’.
O que não significa, entretanto, uma placidez e constância inabaláveis a situações e climas musicais. Gravar em estúdio, por exemplo, não era, até a pouco, uma situação encarada com satisfação. ‘Eu gosto de movimento, de emoção. O estúdio é muito limitado. Mas agora, com ‘Gal Canta Caymmi’ (76), eu aprendi a gostar de estúdio. Aprendi a ter a espontaneidade necessária e descobri como ficar relaxada, despreocupada. A incorporar esses dados ao trabalho em estúdio. Hoje eu gosto de gravar.’

Marcantes alterações, no entanto, somam-se ao mero trabalho de estúdio. E mesmo o fato de Caymmi, um compositor mais velho, ser o responsável por toda a seleção, contraria uma discografia onde normalmente autores clássicos unem-se a elementos novos como Luiz Melodia, Carlos Pinto e Péricles Cavalcanti. Dessa forma, Hermínio Belo de Carvalho tem sua coleção de discos de Caymmi solicitada e, durantes seis meses, audições diárias e uso do violão conseguem a solução ideal. ‘Só faço esse disco se puder incorporar nesse trabalho uma linguagem nova, a imagem do meu trabalho. Canto samba, eu boto funk e mudo um pouco o ritmo da música. E isso foi feito. Tem a minha mão em tudo. Na escolha total do repertório, na realização musical e até na escolha da capa. Eu não sou arranjadora, mas transmito para o músico o que imagino, o clima para cada música. Perinho Albuquerque, o arranjador, fez tudo como eu quis. Então é um disco muito meu.’
Cuidadosas elaborações e o fortalecimento como personalidade aliam-se a inovadoras situações: surge uma nova cantora. ‘Quando eu me ouço cantando, parece uma pessoa nova. A emoção, o jeito de dizer as palavras. Eu acho que a palavra é mais valorizada que a música. Eu sempre tive uma ligação com a música em termos de música pura mesmo. A emoção, a palavra traduzindo a carga de emoção, era menos acentuada. E mesmo o dizer as palavras é mais claro, mais firme, mais maduro. Como a forma de sentir, de cantar, de dizer as coisas. A minha postura, na época, era nova. O olho era diferente.’ "

(continua)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A Sombra Subversiva de Rogério Duarte - 2ª Parte

"Ao olhar para trás e avaliar criticamente o tropicalismo, Rogério Duarte não hesita em dizer que o que morreu ou envelheceu da produção artística da época era o 'inessencial'. Para ele, a semente plantada pela sua geração representou uma ruptura definitiva com o colonialismo musical e cultural.
- A manhã tropical é irreversível, nós vencemos a parada - sentencia Rogério. - Nós descompartimentalizamos a cultura, aprendemos a lição do modernismo e fomos mais longe, pois a Semana de 22 era um movimento das elites, fechado. A ruptura do tropicalismo tornou possível, por exemplo, músicos como Luiz Melodia, Djavan ou um Carlinhos Brown.
O destemor em misturar diversos níveis de cultura, assumindo criticamente os valores nacionais e as influências estrangeiras não é, como observa Rogério, uma exclusividade do tropicalismo. Ele acredita que tudo está inscrito num 'contínuo transtemporal' que seria justamente o que faz a vitalidade de uma invenção.
Disco de 1974 de Jorge Mautner
- As coisas iniciais são eternas, a essência do pitagorismo, por exemplo, continua por aí - exemplifica ele. Nossos valores estavam também em Gregório de Matos, em Sousândrade, no Padre Antônio Vieira. Não adianta ficar adorando formas transitórias, o importante é entender como a verdade se manifesta em cada contexto. Essa transformação é o oposto destes cadáveres adiados que procriam num Brasil acanalhado.
Nesta lógica, a Tropicália vive na tradução que Rogério fez para o 'Gita'. Do sânscrito para o português, o poema ganhou métrica e musicalidade de cordel.
- Em 1974 entrei para um mosteiro budista em Santa Teresa, no Rio, queria repudiar toda a cultura Ocidental - conta Rogério. - Em 1978 tive as primeiras aulas de sânscrito e comecei a ler a literatura indiana. Mas acabei querendo fundir aquilo com a cultura brasileira.
O livro, que deveria sair em junho, foi adiado por um imprevisto não menos tropicalista. 'a canção do mestre' virá acompanhado por um CD produzido por Carlos Renó em que Gilberto Gil, Caetano Veloso, Moraes Moreira, Djavan, Moreno Veloso e outros musicarão trechos da versão 'nordestinizada' do poema.
Capa de Cantar - Gal Costa (1974)
O livro de Caetano (ainda sem título) e a tradução do 'Gita' detonam no segundo semestre uma invasão tropicalista nas livrarias. No mesmo período será lançado, pela Companhia das Letras, um volume com a correspondência de Glauber Rocha. Além das cartas, em que o cineasta avalia criticamente o Cinema Novo e faz uma crônica do movimento cultural brasileiro nas décadas de 60 e 70, o livro traz fotos inéditas do arquivo pessoal do cineasta.
Torquato Neto também diz presente com  a terceira edição, revista e ampliada e sua obra. A nova versão de 'Os últimos dias de Paupéria' - que será publicada pela José Olympio e não tem título definido - traz inéditos da juventude do poeta piauiense, uma troca de cartas completa entre ele e Hélio Oiticica e as letras de Torquato que ficaram de fora nas outras edições de sua obra.
No fim do ano, o movimento como um todo é 'biografado' pelo jornalista Carlos Calado. Ele lança sua panorâmica da produção da época pela mesma Editora 34 que publicou o seu 'A divina comédia dos Mutantes', a história do grupo formado por Rita Lee e pelos irmãos Arnaldo e Sérgio."

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A Sombra Subversiva de Rogério Duarte - 1ª Parte

Hoje me chega a notícia do falecimento de Rogério Duarte, artista plástico dos mais atuantes de sua geração. Autor de algumas das capas de discos mais emblemáticas da MPB, principalmente do Tropicalismo, cuja estética visual encontrou em Rogério um artista perfeito. Além de discos, Rogério também se notabilizou na arte de cartazes de cinema, sendo a mais icônica a do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Para homenagear esse grande artista reproduzo abaixo uma matéria sobre Rogério, publicada na edição de O Globo de 15 de junho de 1997, numa edição especial sobre os 30 anos do Tropicalismo, e os artistas plásticos que participaram do movimento, matéria assinada por Paulo Roberto Pires. Ao longo da postagem destaco algumas das obras desse grande artista plástico que foi Rogério Duarte.
"Quando a manhã tropical se iniciou, ele já estava lá. Os versos de 'Geleia Geral' só oficializavam a revolução estética que Rogério Duarte tramava silenciosamente com estrelas mais luminosas como Glauber Rocha, Hélio Oiticica e Caetano Veloso. Na contramão de seus contemporâneos por decisão pessoal, ele viveu estes 30 anos praticamente na sombra. Mas a 'família tropicalista', como Oiticica gostava de chamar o grupo, sempre teve Rogério Duarte como um de seus pais intelectuais. Foi ele quem apresentou Hélio a Caetano, iniciando uma longa rede de cumplicidade afetiva e artística.
Cartaz de Deus e o Diabo na Terra do Sol
- É difícil ficar identificando quem começou o quê, é preciso muitos ingredientes para uma coisa como esta acontecer. Oiticica e Glauber são farois, mas eu também me vejo como um pioneiro - diz Rogério - Eu era atuante no nível íntimo, no diálogo, gostava de apresentar as pessoas. Era o tipo do intelectual esnobe e fazia a cabeça deles por ser ligado às vanguardas, encomendar livros importados e discutir teorias. Era considerado eclético por ser músico, artista plástico, escrever e ser militante comunista.
Personagem-chave do livro que Caetano lança no segundo semestre pela Companhia das Letras, o designer gráfico, violonista clássico, poeta e romancista sai da toca este ano. Pela mesma editora, ele publica 'Canção do divino mestre', título da tradução do 'Bhaghavad Gita', parte o épico hindu 'Mahabharata'. Das viagens políticas e lisérgicas ao percurso espiritual que o transformou em brâmane, com duas iniciações, Rogério Duarte diz que chega aos 58 anos depurado por situações-limite na arte e na vida. Uma separação que, aliás, nunca fez muito sentido para ele e sua geração.
- Não éramos funcionários, o que pensávamos era o que vestíamos e fazíamos - avalia ele, - Nossa vanguarda colocava num mesmo plano o político, o estético, o existencial e o sexual. Era uma pré-holística mas também uma 'crioulística', um samba do crioulo doido.
Para o baiano de Ubaíra, este enredo começou em Salvador em plena efervescência artística da Escola de Teatro da Universidade da Bahia. Com a cabeça cheia das experimentações de vanguarda de gente como Martim Gonçalves e  o maestro Hans Joachim Kolireuter, ele chegou ao Rio em 1960, antes portanto de seu amigo de infância Glauber Rocha e da invasão tropicalista. Com uma bolsa concedida por Anísio Teixeira, aprendeu design gráfico com o revolucionário Aloísio Magalhães e, no meio dos artistas plásticos, conheceu Hélio Oiticica.
Primeiro disco de Caetano - 1968
- Todo mundo fala que São Paulo foi fundamental pra o tropicalismo, mas esta importância foi em lançar o movimento na cultura de massa. Foi no Rio que as coisas realmente aconteceram - diz Rogério, que em 1966 era professor de estética no MAM. - Aqui a sofisticação artística se aclimatou à coisa carioca do samba através do Hélio, encontrando ainda a síntese do samba de roda e da vanguarda baiana. A gente quebrava com um Rio de Janeiro jazzístico e meio branco, gostávamos de bolero, incorporávamos o mau gosto. Uma cidade de gente como Sérgio Porto e Paulo Francis via os baianos como grossos.
Quando a Tropicália caiu na vida, Rogério Duarte foi junto. Chegava a ser citado por Chacrinha em meio a cenários de bananeiras. Mas a prisão e a tortura em 68 funcionaram como um corte profundo, na sua carreira. 
- A tortura foi um golpe muito forte para mim, me tornou muito forte para mim, me tornou um introspectivo, fiquei para sempre nos cubículos - conta ele, que depois de deixar os quarteis ainda enfrentou um internamento no Hospital Pinel. - Eu enlouqueci totalmente, mas desde jovem tinha isso de ser independente, resistir aos rótulos. Era uma coisa meio torquatiana (uma referência a Torquato Neto), odiava tudo o que lembrasse beletrismo, só a vida interessava. Era muito autodestrutivo.
Disco tropicalista de Gil - 1968
Antes de se isolar completamente, Rogério  Duarte ainda atuou na imprensa do início dos anos 70. Um texto seu foi publicado no número único da revista 'Navilouca' e ele assinou a programação visual de jornais alternativos como 'Flor do Mal' e 'Kaos'. Seguiu-se um período de retiro (um 'in-xílio', como ele diz) no interior da Bahia e num mosteiro budista em Santa Teresa. Hoje ele vive em Brasília e está sem emprego, esperando o resultado de um processo de notório saber (ele não tem educação formal) para filiá-lo à UNB.
- Me pergunto: por que não morri, por que os amigos me citam? Há um compromisso com a vida e o mundo do qual não posso fugir - diz ele, que pensa em publicar seus escritos. - Tenho que me explicar, dialogar, me assumir socialmente. eu tentava me refugiar num impossível nada."

(continua)

terça-feira, 12 de abril de 2016

O Primeiro Show de Rita Lee Sem Os Mutantes - 1973



Em 1973, Rita Lee fazia seu primeiro show sem os Mutantes. Após ser dispensada pela banda, Rita refez sua carreira ao lado de Lúcia Turnbull e uma nova banda. Na época, sua parceria com Lúcia Turnbull ainda não havia sido batizada de “As Cilibrinas do Éden”, tão pouco sua banda já se chamava Tutti-Frutti. Aliás, esse nome apareceria, mas como título de seu show, que se chamava “Tutti-Frutti", e já trazia Lee Marcucci e Luiz Sérgio Carlini, futuros membros de sua banda de apoio. O show tinha direção de Antonio Bivar e direção musical de Zé Rodrix, e aconteceu no Teatro Ruth Escobar – São Paulo. A revista Veja trouxe uma resenha do show, em agosto de 1973, assinada por Zé Eduardo Mendonça. Como sua saída dos Mutantes era algo muito recente, seu nome ainda era muito associado à sua antiga banda. Inclusive há uma declaração de Rita, dizendo que sua saída dos Mutantes foi tranquila, e que ela própria havia tomado a decisão, fato que a própria Rita desmentiria muitos anos depois, quando afirmou que na realidade fora “expulsa da banda”, mas preferia na época esconder que seu desligamento foi um fato traumático para ela. Segue abaixo a matéria:
“Com um micromacacão azul-escuro, recortado com estrelas vermelhas e botinhas pretas, a ex-Mutante Rita Lee Jones, 25 anos, entra no palco como uma baliza em desfile colegial. E faz em suas duas horas de ‘Tutti-Frutti’, um límpido show de erotismo adolescente: ingênuo, quase puro e recheado de romantismo. O que será ressaltado em algumas de suas melhores músicas, como a bucólica e meio irônica ‘Festival Divino’. Ou nos momentos de nostalgia, como a colagem ‘Serás, Quizás’, uma gostosa mistura de sons e versos de um antigo bolero ‘Quizás, Quizás’ com um sucesso também antigo de Doris Day ‘Que Será, Será’.
Lúcia Turnbull e Rita

A nostalgia também está presente num dos filmes em Super- 8 que Abrão Berman produziu para reforçar os números musicais do espetáculo. Assim, uma sucessão de imagens fixas de capas de revistas (sobretudo a falecida ‘Cinelândia’) e fotos de astros da década de 50 é projetada numa tela – infelizmente colocada muito alta e  dispersando a atenção do público. Pois, enquanto o filme é projetado, inclusive com algumas fotos de Marilyn Monroe, Rita Lee canta e toca violão com sua nova companheira, Lúcia Turnbull, dezenove anos, que ela descobriu no ano passado, tocando guitarra na encenação de ‘O Casamento do Pequeno Burguês’.
Separada ‘sem grilos’ dos Mutantes – ‘Eu cheguei para eles e disse: Olha, gente, tenho que tocar com a Lúcia, e todo mundo entendeu tudo.’ – Rita Lee pela primeira vez faz um show sem os antigos acompanhantes. Além de Lúcia na guitarra elétrica e no violão, Lee Marcucci (baixo), Emílio Colantório (percussão), e Luiz Sérgio Carlini (guitarra elétrica) integram sua nova ‘tribo sonora’. O diretor musical Zé Rodrix porém diz que não foi preciso fazer nenhum arranjo especial para o grupo. Segundo Rita, Rodrix apenas ‘apertou os parafusos’.
Felizmente, muitas folgas foram deixadas nas roscas, para todos se sentirem muito livres e espontâneos. Igualmente distribuídas por todo o espetáculo, Rita e seu conjunto conseguem transmitir essas virtudes ao público mesmo nos momentos ‘mais incrementados’ da apresentação. A plateia é a tradicional seguidora dos Mutantes. Na noite de estreia, por exemplo, quase quatrocentos adolescentes se acomodaram como puderam nos dois lances da plateia na sala menor do Teatro Ruth Escobar. ‘Todos muitos legais e participantes entusiastas dos momentos mais barulhentos: ‘Roll Over Beethoven’, antigo sucesso dos Beatles, o rock ‘Tutti-Frutti’, que dá nome ao espetáculo, ou ‘Gente Fina É Outra Coisa’, nova música de Rita.

Antonio Bivar, depois de dirigir Maria Bethânia em ‘Drama’, veio do Rio especialmente para trabalhar com Rita Lee. E acha maravilhosa a experiência: ‘Ela é uma pessoa sempre descobrindo coisas, e seu trabalho tem muito a ver com teatro, na medida que Rita faz musicas que podem ser interpretadas.’ Confirmando essas frases, sua direção fica quase imperceptível. E deixa sentir no palco somente a presença da cantora, de gestos juvenis, rosto de menininha com sardas e voz suave.
Em suas canções, Rita Lee continua voando na rota iniciada com os Mutantes. Letras alegres, misturando palavras alegres com nonsense e pretendendo criticar certos valores sociais considerados ‘caretas’. Exemplo mais completo em ‘Tutti-Frutti’ é ‘Festival Divino’, no qual há versos que falam em ‘anjos maus vestindo seus ternos, cabelos curtos, pastinhas quadradas’. O som do show tem no equipamento seu peso mais criativo. Mas Rita Lee também opta por soluções melodiosas e calmas como o violão e umas rápidas passagens pela flauta. O resultado não apresenta conflitos, pois ela passa de um a outro com a naturalidade de uma criança que troca de brinquedos.”