Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Limite, de Mário Peixoto - Um Clássico de Nosso Cinema



Se propusermos a qualquer crítico ou amante de cinema mais antenado, uma lista dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos - aqueles que podem ser enquadrados na condição de cinema-arte, com certeza Limite, de Mário Peixoto, entrará nessa lista. Curiosamente estou aqui falando de um filme que nunca assisti, somente alguns trechos em algum programa de tv ou documentário. Mas sempre ouvi falar nesse filme, e de seu diretor. Mário Peixoto é o diretor de um único filme, justamente esse clássico de nosso cinema.

Não sei se Limite já passou em algum canal de tv, tipo TVE Brasil ou TV Cultura, que sempre exibem filmes de arte, mas a verdade é que nunca tive a oportunidade de assistir, nem em nenhuma sessão de algum cine-clube. Talvez até consiga encontrar para baixar em algum blog especializado em filmes cult. Um dia procuro. Em locadoras, se é que existe em dvd, também nunca vi. Sei que já foi lançado em vhs, segundo uma matéria publicada sobre o filme no jornal O Globo, nos anos 90. Limite é um dos melhores filmes que eu nunca assisti. Abaixo a citada matéria, intitulada "Um diretor, um único filme, duas sagas" :
"De acordo com Rubens Machado, na Enciclopédia do Cinema Brasileiro, Limite teve seu roteiro rascunhado em Paris, depois que Mário Peixoto (1908-1992) viu na capa da revista "Vu" de 14 de agosto de 1929 uma face feminina com olhos fixos envolta em braços masculinos algemados, imagem que abre o filme. Humberto Mauro e Adhemar Gonzaga recusaram a proposta de direção por tratar-se de projeto muito pessoal.
O filme estreou no dia 17 de maio de 1931, no cinema Capitólio, numa sessão matutina. O filme praticamente desapareceu das telas após suas projeções nos anos 30. Durante os anos 50, uma decomposição na película levou Peixoto a confiar sua restauração ao amigo Plínio Sussekind Rocha. O restauro só foi completado nos anos 70, por Paulo Pereira de Mello, aluno de Plínio. O filme recuperado tem problemas de sincronia da trilha sonora, e perdeu algumas imagens. Nos anos 80, Limite ganhou versão em vídeo.
O longa apresenta um tema básico: três náufragos numa barca, duas mulheres (Taciana Rei e Olga Breno) e um homem (Raul Schnoor), contam uma passagem de suas vidas. Ainda segundo Machado, em seu texto na Enciclopédia, no filme "configura-se no conjunto um olhar coerente de contemplação poética, a um tempo realista e metafísico. No entanto os rumos tomados pela incipiente mas crescente indústria cinematográfica no Rio de Janeiro deram cada vez menos lugar ao amadorismo de grandes ambições artísticas que permitira aquela primeira e única eclosão do cineasta."
Nascido em berço abastado no dia 25 de março de 1908, em Bruxelas, Bélgica, Mário José Breves Rodrigues Peixoto morreu isolado e empobrecido em 1992."

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Antologia Brasileira de Humor


A editora L&PM, de Porto Alegre lançou em 1976 a Antologia Brasileira de Humor, reunindo em dois volumes os trabalhos de 82 humoristas brasileiros, entre chargistas, redatores e escritores, listados de A a Z. Representou uma excelente mostra do panorama do que se fazia de humor no país. A maioria dos trabalhos são de cartunistas, muitos deles ainda em início de carreira, e que vieram a se firmar no mercado anos depois, como é o caso de Angeli, cujo traço característico ainda não era reconhecido em seus primeiros trabalhos. Muitos dos cartunistas eram pouco conhecidos, talvez por atuarem fora da grande imprensa. Através desses dois volumes fiquei conhecendo o trabalho de vários cartunistas que ainda não conhecia. Alguns humoristas, por não serem cartunistas, eram representados por seus textos – casos de Chico Anísio, Jô Soares, Leon Eliachar, Carlos Eduardo Novaes, entre outros. O texto de apresentação diz: “A Antologia Brasileira de humor, vol.1 e 2, apresenta ao leitor o quadro atual do humorismo em nosso país. São 82 dos maiores desenhistas e escritores em atividade na imprensa brasileira. Um apanhado que pretende ser amplo, sem ser definitivo, com a função de mostrar o humor brasileiro em todas as suas manifestações regionais”. Uma interessante característica do humor em desenho é que muitas vezes independe de texto para ser compreendido, e assim rompe fronteiras de costumes e idiomas, e pode ser compreendido em qualquer parte do mundo. Um exemplo é a charge abaixo, de Alcy, que mostra uma praça com um busto de Sigmund Freud tendo ao lado um banco, que um mendigo usa de divã, como numa sessão de análise.


Outro exemplo do uso da imagem independer de texto é outro cartum mostrado no livro, do desenhista Laerte, também na época em início de carreira. Laerte, anos depois ficaria conhecido por seus personagens Piratas do Tietê, que ganhou revista própria no fim dos anos 80, e é da mesma geração de Angeli e do falecido Glauco. O trio, inclusive chegou a trabalhar junto em Los Tres Amigos, já nos anos 90.

Os dois volumes da Antologia Brasileira de Humor eu adquiri separadamente, e com um longo tempo de distância entre a compra de um e outro. O Volume 1 eu encontrei em uma feira do livro que acontecia aqui na cidade, onde eram montadas barracas que vendiam livros. Só encontrei o volume 1. Como queria ter a obra completa, procurei pelo volume 2, mas como o livro já estava fora de catálogo, não consegui. Um dia, visitando um sebo, eu que já havia desistido de encontrar o volume 2, acabei encontrando por acaso e comprei no ato. Foi mesmo um golpe de sorte, e pude então ter a obra completa, como era meu desejo.

domingo, 24 de outubro de 2010

A Morte de Luizz Ribeiro


Estou escrevendo esse texto ainda sob o impacto da morte de Luizz Ribeiro, um grande guitarrista, e um dos pioneiros do rock em Campos. Acompanho seu trabalho desde que era adolescente, ainda nos tempos da banda Lúcia Lúcifer. Era uma época de raras bandas de rock na cidade, e raros shows. O primeiro show de uma banda local que assisti foi da Lúcia Lúcifer. Eu tinha 16 anos, e já naquela época aquele jovem guitarrista me chamava a atenção. Depois daquele primeiro show assisti a muitos outros, com suas diferentes formações. Seu amor pela música que fazia e executava era visível. Os Avyadores do Brazyl, sua última banda já tocou em todos os espaços da cidade, muitas vezes sem cachê, só pelo prazer de tocar, de fazer sua guitarra falar por ele, de fazer seu público vibrar, sua música tomar o ambiente, e sair do palco sabendo que fez mais um grande show. Virei fã, e depois amigo. Talvez eu tenha sido a pessoa que mais shows de sua banda assistiu. Foram inúmeros, e as lembranças são muitas. Aquela guitarra era bem especial pra mim, e é triste saber que jamais irei ouvi-la ao vivo, como tantas vezes nesses últimos anos. Um câncer diagnosticado no ano passado o tirou do palco durante longos meses, mas a música foi mais forte, e ele e sua banda ainda tocaram por diversas vezes, com a mesma garra. Por conta de sua doença, em julho do ano passado foi prestado um belo tributo ao nosso guitarrista pioneiro, num grande show com várias bandas. Foi a maior homenagem que um músico da terra recebeu em vida, fato mais que merecido. Meses depois de receber aquela homenagem Luizz ainda voltaria a tocar, e fez vários shows, o último no mês passado, em Rio das Ostras. Quando escrevi meu primeiro romance, Chicletes & Prazer, que será lançado no mês que vem na Bienal do Livro de Campos, um dos personagens, o fantástico guitarrista Black Louis, foi inspirado nele, e por isso mesmo iria propor à organização do evento que os Avyadores tocassem no lançamento, mas ele partiu antes. Então fica aqui minha homenagem, com um trecho do livro, em que escrevi imaginando Luizz no palco:
“Black Louis naquela noite estava endiabrado. Sua guitarra só faltava falar em suas mãos. O baixo e a bateria também eram precisos e não deixaram em nenhum momento a peteca cair. A introdução de Hey Joe, de Hendrix, fez a plateia delirar, já imaginando a performance avassaladora que viria a seguir.”
Vai faltar você nos palcos. Um abraço, brother.

sábado, 23 de outubro de 2010

Revistas Legais - As Melhores Bandas de Rock de Todos os Tempos


A revista Somtrês era uma publicação voltada a música e equipamentos, e era editada por Maurício Kubrusly, aquele mesmo, que faz matérias para o Fantástico. A revista surgiu em 79, e em 81 levou às bancas um número especial, encomendado ao casal de jornalistas musicais Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau. A sugestão apresentada ao casal era escolher e apresentar um texto sobre aquelas que os dois consideravam as dez melhores bandas de rock de todos os tempos. A revista chegou às bancas trazendo ainda de brinde uma fita cassete virgem. Um texto de apresentação escrito por Ana Maria e José Emílio, em forma de diálogo, revelava o critério usado na escolha. Bandas clássicas, como Beatles, Stones, Led, The Who, Cream, Pink Floyd, que marcaram a história do rock não podiam ficar de fora. Nesse critério, para justificar algumas ausências, eles argumentaram que preferiram destacar bandas em que o sentido coletivo fosse mais presente, daí, por exemplo, a ausência do The Doors, que segundo eles girava em torno de Jim Morrison. Nesse critério, por exemplo, também se aplica o caso do Jimi Hendrix Experience. A escolha final é mostrada no índice da revista.


É lógico que sempre haverá discordâncias. Eu não escolheria, por exemplo, o Sex Pistols (que inclusive é estampada na capa), embora reconheça a importância da banda como deflagradora de um movimento revolucionário, o punk rock. Aliás, esse foi o argumento usado por eles para incluir a trupe de Johnny Rotten e Sid Vicious. Porém a inclusão do Traffic, uma banda não tão badalada, e normalmente esquecida nesse tipo de listagem, representa uma vertente do rock formada por bandas que não fizeram tanto sucesso comercial, mas que trazem uma bagagem musical da melhor qualidade. A inclusão do quarteto Crosby, Stills, Nash & Young também traz um peso positivo para a publicação.
O que valoriza a revista principalmente é o excelente texto, de dois jornalistas que conhecem de música. Ana Maria Bahiana é na minha opinião, uma das melhores jornalistas musicais que conheço, apesar de ultimamente estar se dedicando mais a falar de cinema. Conheci o texto de Ana Maria na excelente revista Rock, A História e A Glória, dos anos 70. José Emílio eu também devo ter conhecido naquele período, através de publicações musicais que eu lia. O casal, morou ou ainda mora em Los Angeles, e seu envolvimento em crítica cinematográfica acabou os levando a dirigirem um filme, 1972 - onde o rock e a imprensa marginal, vivenciada in loco por ambos, é pano de fundo para a história contada no roteiro.
Essa é mais uma boa revista que guardei para a posteridade.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Canção de Crioulos


Uma canção de crioulos
dança no ar
brota do chão
sopra do mar
Uma canção de crioulos dança no ar
Carrega uma estranha energia
Imponderável alegria
e não alimenta nenhuma velha esperança vadia
Dorme a cidade
o cansaço do dia
O sono que é pura anestesia
E não se sabe de onde, como e porque
essa canção faz tremer, acordar
Uma canção de crioulos
dança no ar

Abel Silva

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Edgar Allan Poe em Quadrinhos



Edgar Allan Poe foi um dos mais brilhantes autores de contos de mistério e terror, além de poeta. Porém sua vida não foi nada fácil, por problemas familiares e seu envolvimento com a bebida, que o levou à ruína, tendo morrido na miséria, apesar do prestígio que havia conquistado por sua obra. Seus contos foram várias vezes adaptados para o cinema, como é o caso de Assassinatos na Rua Morgue, com Bela Lugosi (1931), Ligeia (1946), com Vincent Price, O Gato Preto (duas versões:1941 e 1966) e O Corvo (1935), com Boris Karloff. Nem todas as adaptações fizeram jus ao texto de Poe, mas a verdade é que as histórias criadas por ele traziam um clima bem propício para boas adaptações para a tela. Basta ver que três dos maiores atores de clássicos do terror, como os aqui citados Bela Lugosi, Vincent Price e Boris Karloff atuaram nessas adaptações. Logicamente sua obra também é muito adaptada para os quadrinhos de terror. A partir de meados dos anos 70 surgiu no Brasil uma ótima revista de quadrinhos de horror, chamada Kripta. Eu tinha um certo “pé atrás” com revistas de quadrinhos do estilo terror, até com razão, pois a maioria não trazia boas histórias e alguns desenhos eram inferiores e com muita apelação. Por isso quando a Kripta foi lançada eu não me interessei. Só fui conhecê-la quando um amigo que colecionava a revista passou a me emprestar, e eu pude constatar a ótima qualidade da publicação. Então passei a comprar todos os números que encontrava em sebos. Talvez o único número que comprei diretamente nas bancas foi uma edição especial somente com adaptações de contos de Poe. A revista, de 66 páginas, traz uma pequena biografia do autor, contando sua vida trágica, e mostrando seu talentoso lado de escritor, fala das adaptações de seus contos para o cinema, com boas fotos, e mostra dois textos: o conto O Retrato Oval e seu poema mais famoso, O Corvo, em uma tradução de Machado de Assis. Na parte dos quadrinhos, seis de seus melhores contos são adaptados com um excelente trabalho de arte, valorizando o texto. Os contos quadrinizados são: O Retrato Oval, O Barril de Amontilado, Criminoso e Carrasco, Berenice, Os Crimes da Rua Morgue e O Homem das Multidões. Um texto de apresentação, que abre a revista diz: “Qual o mistério que faz com que um escritor, nascido há duzentos anos, exerça um fascínio tão significativo na atual geração? O que leva roteiristas, desenhistas, cinegrafistas e o público em geral a se sentirem tão atraídos pela obra literária de um americano que morreu como um indigente? É para responder essas perguntas, e satisfazer a curiosidade de nossos leitores, que estamos editando esta Kripta Especial – Edgar Allan Poe.” Para quem considera quadrinhos como arte, esse é um bom exemplo de publicação.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Música Humana Música


Eu sempre gostava de ler a coluna de Nelson Motta no jornal O Globo. Ele costumava falar de gente que eu admirava, de músicos que nem eram muito citados por outros colunistas musicais da época. Gostava de seu texto e sempre me mantinha informado sobre os lançamentos, shows, e notícias em geral daquele pessoal que eu admirava. Desde adolescente passei a me interessar e descobrir o rock e a MPB com a mesma intensidade, e nunca vi nenhum tipo de conflito interno em gostar dos dois gêneros, como acontece com muita gente. Nas colunas de Nelson Motta em O Globo eu podia me inteirar do que acontecia nesses dois mundos paralelos, e costuma guardar as matérias que me interessavam, e guardo até hoje, entre tanto recortes antigos.
Por isso, em 1980, quando foi lançado um livro com uma coletânea de algumas daquelas colunas, eu logo me interessei em comprar e ler a obra. O livro - Música Humana Música trazia textos sobre música brasileira e internacional, e tinha prefácio de Glauber Rocha. Dividido em capítulos que englobam textos que se encaixam num mesmo tema, o livro discorre sobre vários estilos, épocas e movimentos da MPB principalmente, e é um ótimo material para quem quiser conhecer um pouco do que acontecia em nossa cultura na área músical, no Brasil dos anos 70. A Bossa Nova e suas histórias e personagens, assim como o Tropicalismo, o samba de raiz, o ainda pouco conhecido reggae, velhos compositores do passado, etc, tudo passa pelas 132 páginas de Música Humana Música.
Conheço muita gente que não gosta de Nelson Motta, e até se nega a ler seus livros, por ter uma opinião negativa sobre ele. Conheço, por exemplo, um fã de Tim Maia que não leu a ótima biografia Vale Tudo, escrita por ele, por não gostar do autor. Também pessoas do meio artístico já se manifestaram contra ele, muitas vezes criticando uma tendência de ser um produtor com tendências pop, o que é um exagero em minha opinião. Acho profundamente chato e desgastado aquele papo de "preservar nossas raízes", de "defender nossa soberania musical contra ritmos de fora", etc. Acho que a música é uma coisa universal, e a fusão de ritmos, desde que usada com criatividade e inventividade, é uma coisa que pode ser inovadora. Possuo outros livros dele, e acho seu texto interessante, e além do mais, como disse acima, ele sempre fala de artistas que admiro, e além de tudo é um grande conhecedor de música. Por isso recomendo para todas as pessoas que gostam de música, e não tenham preconceitos sobre nenhum tipo de invasão contra nossas "intocáveis raízes", a leitura de seus livros.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Preciosidades em Vinil - Cadernos de Viagem (Sá e Guarabyra)


Em 1975 a dupla Sá e Guarabyra lançava seu segundo disco: Cadernos de Viagem, com um som bem no estilo rock rural, que já os havia consagrado anos antes, quando formavam o trio Sá, Rodrix & Guarabyra. Zé Rodrix saiu para carreira solo em 1973, buscando um outro tipo de som, e a dupla prosseguiu sua carreira com o estilo bem próximo do que fazia o trio. Em 1974 gravaram um ótimo disco, enquanto Rodrix também lançava seu primeiro disco solo: I Acto, com uma sonoridade mais elétrica, valorizando mais o lado instrumental, inclusive como muitos metais. No início de 1975 Sá & Guarabyra gravaram seu disco mais rural, com um som mais acústico, e com pouca guitarra, usando mais o violão elétrico nas passagens com uma levada mais rock. O disco até pode ser considerado como de um trio, já que a cantora Marisa Fossa participa diretamente do disco, e no próprio selo da versão em vinil o álbum é creditado a “Sá e Guarabyra com Marisa Fossa”. Nada mais justo, já que Marisa dá um ótimo apoio vocal nas faixas do disco. Pouco sei dessa cantora – além da participação nesse disco, só conheço uma outra gravação em que ela participa, no disco de Erasmo Carlos de 1971. Lembro que numa matéria na tv sobre o lançamento desse disco, Sá falou: “Sem falsa modéstia, Marisa é um coringa entre dois ases.”
O disco, cujo próprio título já deixa claro, usa muito a temática da vida na estrada, e as experiências no contato com as pessoas dos lugares por onde passaram. A faixa-título abre o disco. Assim como todas as faixas, é de autoria da dupla. “Olhando meus cadernos de viagem você pode perceber/Que as portas e janelas da paisagem têm alguma coisa de você/ Não há nada abandonado num passado que se fez com o todo o possível sentimento...” O encarte do disco traz um verdadeiro caderno de viagem com a descrição de passagens por várias pequenas localidades, e muitos personagens citados nas músicas são descritos. Por exemplo. Ondina Poconé, uma das músicas, “é a cigana colorida que lê a mão da gente, parados numa ponte sobre um rio seco.” Tarzan dos Cromados, outra faixa, foi inspirada em outro personagem real, descrito como um borracheiro que encontraram na estrada. O disco traz muitas outras faixas interessantes, como: Dança o Atrevido, Muchacha, Passo-Preto, Lá Vem o Bicho, Véio Camalião (sic), Xote Correntino, Roda o Mundo. Mundo Invisível, que fecha o disco, traz também uma bela letra: “A verdade e o silêncio estão aqui/ Tudo tem movimento nesse ar/ Mesmo aquilo que não se pode ouvir, se percebe de longe/ Há um mundo invisível por aí que nenhum navegante pôde achar/ Da cabeça do homem sai a luz que a faca não pode dividir/ Que a morte não leva embora”. 

Cadernos de Viagem é um disco simples. Não emplacou nenhum sucesso e nem é citado em nenhuma lista dos melhores discos, mas é um álbum bonito e bom de se ouvir. A minha cópia de vinil eu comprei em uma lojinha que já estava meio decadente, no início dos anos 80. Já não renovava o estoque há tempos. Lá não se encontravam lançamentos, porém tinha um estoque antigo, de discos dos anos 70 que encalharam, e pouca gente sabia. Era uma espécie de sebo, com a vantagem de não serem de discos usados. Comprei muitas preciosidades lá, dentre elas Cadernos de Viagem, de Sá e Guarabyra.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Bem, Obrigado, e Você?



Desde criança eu me interesso por cartuns. Gostava de observar aqueles desenhos com situações inusitadas, que muitas vezes nem entendia, mas acima de tudo gostava dos desenhos. Os desenhos me fascinavam, e eu era capaz de identificar os cartunistas pelo tipo de traço. Gostava tanto daquele tipo de arte que um dia pedi pra meu pai comprar uma goiabada que vi num armazém perto de minha casa, não por que eu gostasse assim de goiabada, mas pelo desenho que tinha na embalagem. Parecia coisa de Ziraldo, embora creio que não fosse dele. Lembro que a marca da goiabada era "Clandestina", e eu nunca me esqueci dela, não pelo sabor, mas pelo desenho da embalagem.
Um cartunista que eu vim conhecer já na adolescência, e que logo virei fã é o argentino Quino. Conheci seu trabalho através de sua personagem mais conhecida, a menina Mafalda, que era publicada na revista Pop. O traço de Quino sempre me agradou, e o humor implícito nas situações envolvendo Mafalda sempre me levava a refletir, e rir com a menininha. Durante muitos anos só conheci o trabalho de Quino através de sua mais famosa personagem, até que um dia encontrei esse livro, uma edição portuguesa de 1982, de uma coleção chamada Humor com Humor se Paga. O livro traz vários cartuns, mostrando sempre situações bem engraçadas, com um tipo de humor bem inteligente, trazendo sempre o inusitado, que nos leva a pensar, refletir, e inevitavelmente rir. A coleção traz outros livros, sendo vários do mesmo autor. A capa, aqui reproduzida, traz um homem com um sorriso meio sem graça e forçado, resultado de um carimbo com a figura de um sorriso. Se taparmos o "sorriso", veremos a verdadeira expressão de seu rosto. O cartum reproduzido abaixo da capa é uma mostra do humor expresso ao longo do livro.
Foi bom conhecer o trabalho de Quino além de Mafalda.

domingo, 17 de outubro de 2010

Um Sujeito de Sorte


Sujeito de sorte é o violonista e compositor Luiz Bonfá. Fez uma brilhante carreira no exterior, é autor de uma das músicas brasileiras mais gravadas lá fora – Manhã de Carnaval, que já ganhou inúmeras interpretações, e ainda tem a honra de ser o único brasileiro a ter uma música gravada por ninguém menos que Elvis Presley, Almost in Love. Mas você poderá dizer: sua bem sucedida carreira não é consequência de sorte, e sim de um dom, um talento nato, de muito trabalho, de saber aproveitar as oportunidades que surgiram, etc. Concordo. Mas o que falei não é relativo a sua carreira de músico, e sim por um fato relatado na Revista do CD de novembro de 1991. Leia abaixo um trecho da matéria:
“Ava Gardner, uma das mais belas atrizes de cinema de todos os tempos pegou Luiz Bonfá pela mão e levou-o para apresentá-lo a Catherine Deneuve, outra diva que ficará na história cinematográfica pela extraordinária beleza. Catherine encontrava-se em seu camarim, num estúdio de Hollywood, sentada diante do espelho e tendo apenas a toalha enrolada no corpo, protegendo-se da nudez completa. Ao levantar-se para cumprimentar Bonfá, beijando-lhe o rosto, deixou cair a toalha. E o violonista brasileiro mal conteve a emoção de estar a centímetros de distância do corpo nu de Catherine. Os seios em particular, despertaram sua admiração. “Não havia plástica”, diagnosticou, identificando-os em seguida como duas saborosas peras, perfeitas nas suas linhas, no seu volume, na sua sensualidade. Catherine Deneuve não se perturbou e se recompôs, cobrindo-se novamente com a toalha e trocando beijos com Bonfá. Os três personagens comportaram-se como se o incidente não tivesse ocorrido. Conversaram rapidamente e Bonfá despediu-se de Catherine, seguindo seu caminho em companhia de Ava Gardner. E não se fala mais no assunto.”
Olhe bem para a foto acima. Pois é, sujeito de sorte é Luiz Bonfá.

sábado, 16 de outubro de 2010

As Palavras Amigas de Aldir Blanc


A revista cultural Leituras Compartilhadas, que faz parte do projeto Leia Brasil, que tem apoio da Petrobras, e é distribuída em escolas públicas, trouxe em seu nº 10 uma boa entrevista com Aldir Blanc. A revista é temática, e nesse fascículo o tema é "amizade", e traz textos de Affonso Romano de Sant'Anna, Fernando Sabino, Roberto da Matta, Zuenir Ventura, entre outros, sempre em torno do tema. Aldir é entrevistado por ser o autor da letra de Amigo É Pra Essas Coisas. Segue abaixo trechos da entrevista:
LC: Essa música é logo lembrada quando falamos no tema “amizade”. Palavras coloquiais, mas que expressam de uma maneira tão certa o sentimento entre dois amigos. Fale um pouco dela.
Aldir: Essa música tem uma história bem interessante, porque ela é minha segunda ou terceira composição, e uma das que ficaram mais conhecidas. Eu a fiz com uns vinte e poucos anos, e até hoje vou aos lugares, nas serestas, e a garotada canta , muitos até sem saber que é minha, porque ela já tem mais de trinta anos. Amigo É Pra Essas Coisas tirou segundo lugar no festival universitário com o MPB-4. O meu parceiro nesta música, Silvio da Silva Jr., fez um diálogo entre as primas e os bordões do violão, mais ou menos assim: o “Salve...” são notas mais agudas e o bordão responde, como nos sambas mais antigos. Toda a música, na verdade, sem letra, é um diálogo entre primas e bordões do violão. Então eu tive a ideia de letrar como uma conversa entre dois amigos, da forma mais coloquial possível, usando gírias, inclusive, e isso foi muito novo para a época. Depois a música foi classificada para o tal festival e surgiu um impasse porque, pelo que sei, o Chico Buarque ia cantar com alguém, mas não foi possível, e veio o MPB-4. Mas como um quarteto iria cantar uma música para dois? O Rui, que é a primeira voz, cantaria e os outros três responderiam? Então eles dividiram a música pelos quatro e ficou muito bacana porque a própria voz virou uma ação entre amigos. A ideia de dividir o diálogo em quatro vozes é do MPB-4. Resultado: minha música ficou em segundo e está aí até hoje. Viva, tanto em execução, quanto em sucesso, com várias gerações cantando. Ela ainda me enche de alegria.
LC: Em algum momento da sua vida você se identificou com suas letras?
Aldir: Muitas. Há letras que eu considero bastante pessoais. O Bêbado e a Equilibrista, por exemplo, (que fiz com o João Bosco, e que talvez seja a música que eu mais gosto) foi feita por causa de uma conversa com o Henfil. Ele que falava no mano, no mano, no mano... Eu nem sabia o nome do Betinho. Só depois que ele voltou (do exílio) que fiquei amigo dele. Mas era tão bonita – e ao mesmo tempo tão dolorosa – a saudade que ele sentia do irmão, que fiz a letra pensando nisso. Quando o João me procurou e pediu um samba pronto (se vocês repararem bem, a harmonia do samba é uma espécie de citação a Smile do Chaplin) pensei em ampliar isso para o tema do exílio, porque eu ficava realmente emocionado com o Henfil. Essa é talvez a música com maior identificação pessoal, por atender ao sufoco de um amigo. Mais tarde acho que virei praticamente irmão dos dois.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Tetê Espíndola no Sesc Campos


O Sesc Campos trouxe na noite de ontem um show com a cantora Tetê Espíndola. Dona de uma voz peculiar, que alcança notas agudíssimas, e que levou o poeta Augusto de Campos a dizer que ela tem "pássaros na garganta", Tetê é uma intérprete que prima pela boa escolha de seu repertório. Ela ficou marcada por Escrito nas Estrelas, vencedora do Festival dos Festival da Globo, em 1985, e desde então a música passou a tornar-se obrigatória em seus shows, tamanho o sucesso que fez e ainda faz. Muitas pessoas costumam medir o valor dos artistas pelos sucessos que colocaram nas paradas e execuções nas rádios, discos vendidos, etc. Essas pessoas, com certeza, dirão que ela só tem Escrito nas Estrelas para interpretar, e suas demais músicas são desconhecidas. Para essas pessoas o show de ontem não seria recomendado, já que Tetê, ao longo de sua carreira, que já soma mais de trinta anos, não se preocupou em emplacar outros sucessos da envergadura daquele que a consagrou. Certamente ela deve ter recebido propostas de gravadoras, para direcionar seu trabalho para uma linha mais popular, aproveitando o sucesso e a exposição que alcançou naquele festival. Porém, Tetê continuou trilhando o caminho que já seguia antes da consagração da música que interpretou no festival. Ela chegou a fazer parte do movimento Vanguarda Paulistana, nos anos 80, e fez parte da banda Sabor de Veneno, de Arrigo Barnabé. Na verdade, o espetáculo de ontem foi um pocket-show, um show curto, onde ela procurou cantar músicas dos cds que lançou, e algumas mais conhecidas, como Índia, que já recebeu inúmeras regravações, e Iracema, de Adoniram Barbosa. Acompanhada apenas de uma craviola, para quem não conhece, um tipo de violão inventado pelo violonista Paulinho Nogueira e que tem uma sonoridade diferente, entre o cravo (espécie de órgão muito utiizado em músicas clássicas religiosas), e a viola, Tetê fez um show curto, que era a proposta do evento. Apesar de no anúncio do show constar a participação de dois músicos, ela se acompanhou sozinha. Antes do show, ela falou um pouco sobre sua vida profissional e seus projetos ligados à ecologia, meio-ambiente, etc - ela que é da região do pantanal matogrossense, é engajada e ligada à natureza, e a música que interpreta e produz reflete essas preocupações. Ao final do show, logicamente não poderia faltar Escritos nas Estrelas, e ao voltar para o bis, ela propôs alguma sugestão para o público, sendo sugerido Refazenda, de Gil, que ela gravou no disco Piraretã , de 1980, que por sinal, eu levei o vinil para ela autografar após o show. Foi sem dúvida um belo espetáculo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Livros e Revistas de Humor - As Cobras do Veríssimo



Em 1977 o cronista e humorista Luis Fernando Veríssimo passou a desenhar as tiras das Cobras, que eram personagens que viviam questionando o sentido da vida e outras coisas, sempre com aquela dose de humor reflexivo típico de Verissimo. No início só saíam em Porto Alegre, e depois foram ganhando espaço na mídia nacional, e se tornaram um grande sucesso no Jornal do Brasil. A abertura política que começava a se esboçar no final dos anos 70 já permitia que um humor com crítica política pudesse ser publicado. Embora ainda houvesse resquícios de censura, os tempos já eram outros, e nesse clima de uma ainda tímida liberdade de expressão, o humor crítico - político e social – já podia ser praticado na imprensa brasileira. E foi assim que As Cobras do Veríssimo se tornaram um sucesso, pois sobreviveram à ditadura, viram as mudanças dos novos tempos acontecerem, sempre com suas críticas e uma grande dose de humor reflexivo. Em 1979, era publicada uma pequena antologia das tiras publicadas no Jornal do Brasil. Saiu pela Editora Codecri, ligada ao jornal O Pasquim, e era vendida em bancas de jornais. No texto de apresentação Veríssimo dizia: “A preguiça é a mãe destas cobras, entre outros males. Eu queria fazer uma historinha que enchesse minha coluna diária no jornal em Porto Alegre, quando faltasse tempo ou inspiração para o texto. Como tenho um problema algo incomum para um desenhista – não sei desenhar – escolhi as cobras porque elas são fáceis de fazer.” Aliás, essas limitações como desenhista, são comentadas por Ziraldo, no texto de contracapa daquela edição: “Os personagens desta série do Veríssimo parecem mal desenhados pois, na verdade não passa de um código próprio usado pelo escritor para descrever cada um dos engraçadíssimos personagens que habitam o universo do humorista.” O número 1, que aparece no canto inferior da capa capa sugeria que outras edições com as tirinhas seriam lançadas, mas pelo que eu saiba, e tenha tomado conhecimento, só saiu nas bancas essa primeira edição. As Cobras foram publicadas por cerca de trinta anos, tendo saído de circulação em 1997. Agora está saindo uma antologia das Cobras, em uma edição caprichada de quase 200 páginas, trazendo 470 tirinhas, escolhidas criteriosamente entre cerca de duas mil, que saíram nos 30 anos em que foram publicadas. O livro, que tem por título “As Cobras, Antologia Definitiva” (Editora Objetiva), com certeza pode ser um excelente retrato do Brasil, e todas as transformações, mudanças, decepções, e tudo mais que podem servir de retrato do que foram trinta de anos na história recente do Brasil, afinal, o humor também é História.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cultuando Augusto dos Anjos



Quando tinha por volta de 20 anos, eu e alguns amigos cultuávamos o poeta Augusto dos Anjos. Dono de um texto lúgubre, de temáticas mórbidas e um linguajar que trazia muitas vezes um português arcaico e termos científicos incompreensíveis, mesmo assim seus versos eram populares e sempre lembrados geração após geração. Um bom exemplo é seu poema mais conhecido – Versos Íntimos, publicado em seu único livro, O Eu, cuja primeira edição foi custeada por seu irmão:
Vês! Ninguém assistiu ao formidável/ Enterro de tua última quimera/ Somente a ingratidão – esta pantera/ Foi tua companheira inseparável!/ Acostuma-te à lama que te espera!/ O homem, que nesta terra miserável,/ Mora, entre feras, sente inevitável,/ Necessidade de também ser fera/ Toma um fósforo. Acende teu cigarro!/ O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja./ Se alguém causa inda pena a tua chaga,/ Apedreja essa mão vil que te afaga/ Escarra nessa boca que te beija
Na época até costumávamos usar expressões usadas em seus poemas para definir situações. Por exemplo, usávamos a frase "rua dos destinos desgraçados" para nos referir à zona do meretrício, ou definir alguém que estivesse atravessando maus momentos dizendo que ele estava “com as bruxas negras da derrota”. Anos depois, quando fui morar em Minas a trabalho, quando vinha passar o fim de semana em casa, pegava o ônibus na cidade de Leopoldina. Como era obrigado a passar lá algumas horas até meu ônibus chegar, ficava circulando pela cidade, pra fazer hora. Um dia parei numa grande agência onde se vendiam revistas, jornais e livros, e lá encontrei uma publicação local falando de Augusto dos Anjos. Através dessa publicação, vim saber que Augusto, que era paraibano de Engenho do Pau D'Arco, se mudou para Leopoldina, onde passou seus últimos meses de vida, até morrer em agosto de 1914, aos 30 anos. A revista, chamava-se Almanack do Arrebol, e trazia uma edição especial falando de seu centenário de nascimento, e seus dias em Leopoldina. Apesar de ter adquirido a revista em 1990, ela era datada de 1984, data comemorativa de seu centenário. A publicação fala sobre as festividades que aconteceram naquele ano, traz um manuscrito de Drummond, que diz: “Li O Eu na adolescência, e foi como se levasse um soco na cara. Jamais eu vira antes, engastadas em decassílabos, palavras estranhas como simbiose, mônada, metafisicismo, fenomênica, quimiotaxia, zooplasma... e elas funcionavam bem nos versos! Ao espanto sucedeu intensa curiosidade. Quis ler mais esse poeta diferente dos clássicos, dos românticos, dos parnasianos, dos simbolistas, de todos os poetas que eu conhecia." Há também vários artigos sobre o poeta, uma cronologia, várias fotos, uma entrevista com um filho de Augusto, além da reprodução de um discurso proferido pelo neto do poeta na solenidade do centenário, que começa assim: “A crítica especializada e os meios de comunicação têm classificado, rotulado Augusto dos Anjos, através dos tempos, de poeta realista, existencial, naturalista, hiperrealista, simbolista, poeta cientificista, poeta punk, até beatinik, poeta das gerações em revolta, poetas dos párias, poeta da margem, das vítimas das injustiças humanas e sociais, poeta enfim, do homem doente de si mesmo, poeta da morte...”
Realmente, assim era Augusto dos Anjos

terça-feira, 12 de outubro de 2010

De Segunda a Um Ano - John Cage



Um livro dos mais interessantes que possuo é De Segunda A Um Ano, reunindo trechos de conferências e escritos em geral de John Cage, que era conhecido como um músico não-músico, que usava diversas formas de ruído para formar mosaicos sonoros, incluindo o próprio silêncio como uma forma não convencional de se fazer música. Se não me engano, ele andou pelo Brasil fazendo seus experimentos sonoros, lá pela década de 80 talvez. Cage ficou conhecido pelo uso fora dos padrões de instrumentos musicais e por seu pioneirismo na música eletrônica. Influenciou muitos artistas, e integrou o movimento Fluxus, que abrigava artistas plásticos e músicos. Também escrevia textos em forma de poemas, e tinha por hobby colecionar e pesquisar cogumelos, e era um grande conhecedor da espécie. No livro, que tem tradução do maestro tropicalista Rogério Duprat, com revisão de Augusto de Campos, ele faz vários relatos sobre sua busca por diferentes espécies de cogumelos. John Cage morreu pouco antes de completar 80 anos, em 1992. Eis alguns trechos de seu livro:
“Invada áreas onde nada é definido (áreas micro e macro adjacentes à que conhecemos agora). Não vai soar como música – serial ou eletrônica. Vai soar como o que ouvimos quando não estamos ouvindo música, só ouvindo qualquer coisa em qualquer lugar que estejamos. Mas para conseguirmos isso, nossos meios tecnológicos têm de estar em constante mudança.”
“Quando Colin McPhee descobriu que me interessava por cogumelos, disse: “Se você encontrar algum morel (tipo de cogumelo) na próxima primavera, chame-me mesmo se for um só. Vou largar tudo, sair e cozinhar”. Veio a primavera. Encontrei dois moréis. Chamei Colin McPhee. Ele disse: “Você não pretende que eu faça todo esse caminho por causa de dois pequenos cogumelos, pretende?”
“Em Darmstadt, quando eu estava envolvido com música, estava nos bosques procurando cogumelos. Um dia, quando colhia alguns Hypholomas que tinham crescido num toco perto da sala de concertos, uma senhora, secretária dos Ferienkurse für Neue Musik, chegou-se e disse:”Afinal a Natureza é melhor do que a arte.”
“Uma vez tive um emprego de lavador de pratos no Salão de Chá Pássaro Azul, em Carmel, Califórnia. Trabalhava doze horas por dia na cozinha. Eu lavava todos os pratos, travessas e panelas, esfregava o chão, lavava as verduras, maços de espinafre, por exemplo; e se a proprietária chegasse e me encontrasse descansando, me mandava pro fundo do quintal rachar lenha. Ela me pagava um dólar por dia. Um dia, soube que um famoso concertista de piano vinha à cidade dar um recital e decidi terminar meu trabalho o mais depressa possível, para assistir ao concerto sem perder muito. Assim fiz. Por acaso, meu lugar era junto ao da tal senhora que era dona do Salão de Chá Pássaro Azul, minha patroa. Eu disse: “Boa noite”. Ela olhou pro outro lado, cochichou com sua filha. Levantaram-se e deixaram o teatro.”
“Uma noite, quando eu ainda morava na esquina de Grand Street e Monroe, Isamu Noguchi foi me visitar. Não havia nada na sala (nem móveis, nem pinturas). O chão estava coberto com uma esteira de cacaueiro. As janelas não tinham nem ferro nem cortina. Isamu Noguchi disse: “Um sapato velho ficava lindo nessa sala.”

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O Bicho - Revista Interessante dos Anos 70



Nos anos 70 era comum se lançarem revistas independentes, por pequenas editoras, que muitas vezes eram criadas somente para publicarem uma única revista. Esse segmento do mercado editorial era conhecido por "imprensa nanica". Nem sempre era fácil encontrar essas revistas nas bancas, já que essas pequenas editoras não tinham uma grande estrutura que permitisse uma distribuição maior. Dentre essas revistas, havia uma de humor e quadrinhos, chamada O Bicho, que circulou nos anos de 75 e 76. A revista era editada por um cartunista chamado Fortuna, e tinha vários colaboradores, com cartuns, tiras, ilustrações e quadrinhos. Possuo apenas três números, uma delas a que ilustra essa postagem, a de nº 8, que saiu em 1976. A capa destaca a quadrinização de uma música de Gilberto Gil, que ficou inédita por cerca de trinta anos, chamada Chiquinho Azevedo. Gil conta a história real de um garoto que estava se afogando, e foi salvo por seu baterista. A música foi composta na época em que Gil foi preso por porte de maconha em Florianópolis, na excursão dos Doces Bárbaros, e o baterista Chiquinho Azevedo também acabou sendo preso com ele. Gil só gravaria essa música já nos anos 90, no disco Quanta. A letra da música foi ilustrada por Zeluco, um artista, por sinal, que não me lembro de ter visto outro trabalho dele. A revista também traz um excelente ilustrador, chamado Lapi, que fazia imagens um tanto surreais, como na ilustração acima. Dentre outros colaboradores, O Bicho trazia os cartunistas Nani,o gaúcho Canini, Cláudio Paiva, Laerte, Luscar, Mariza (uma das poucas cartunistas femininas que conheci), além do editor, o cartunista Fortuna, que tinha como principal personagem Madame e Seu Bicho Muito Louco, que era um cachorro de madame, que vivia aprontando. Alguns outros cartunistas menos conhecidos também participavam da revista, em participações eventuais. Nesse número também há uma matéria com o cartunista Jaguar, mostrando cartuns do início de sua carreira. Infelizmente, como falei acima, a distribuição da revista não era das melhores, por isso nem sempre encontrava O Bicho nas bancas. Além desse número, tenho apenas mais dois, e hoje são itens importantes de meu acervo.

domingo, 10 de outubro de 2010

Lembrando o MAU - Movimento Artístico Universitário


Muitos movimentos musicais, que agrupam nomes importantes na música, nascem espontaneamente, em reuniões em casas e apartamentos, entre jovens que muitas vezes ainda nem se decidiram pela carreira artística. Assim foi com a Bossa Nova, que teve suas bases lançadas no apartamento de Nara Leão em Copacabana, e depois ganhou o mundo. No fim dos anos 60, um outro endereço, dessa vez na zona norte do Rio, não produziu a consagração mundial alcançada pelos bossanovistas, mas serviu de ponto de partida para uma série de novos compositores. Era um sobrado na Rua Jaceguai, 27, no bairro da Tijuca. Ali nasceu o MAU- Movimento Artístico Universitário, que trazia entre seus componentes os jovens Ivan Lins, Gonzaguinha, Aldir Blanc, César Costa Filho, Eduardo Lages (futuro maestro e arranjador de Roberto Carlos), entre outros. A casa pertencia a um psiquiatra chamado Aluizio Porto Carrero, cujas filhas costumavam receber seus amigos universitários para noitadas regadas a muita música, que rolavam madrugada a dentro. Os compositores citados eram até então apenas estudantes que gostavam de fazer música, mas talvez ainda nem tivessem decidido pela carreira de músicos profissionais. Ivan, por exemplo estudava Engenharia Química, Adir, Medicina (Psiquiatria), Gonzaguinha cursava Economia e César Costa Filho, Direito. Na foto acima pode-se ver alguns componentes do MAU, como Gonzaguinha, com a mão no queixo, quase ao lado da “colegial” Lucinha Lins, que já namorava Ivan Lins, de cavanhaque, sentado ao centro. Aldir Blanc aparece agachado, de camisa xadrez. Os demais componentes não consegui identificar, até porque nem todos seguiram a carreira artística. Numa postagem anterior, falando do início da carreira de Gonzaguinha, citei o Festival Universitário da Canção, que era promovido pela Tv Tupi , e foi nas edições desse festival que essa geração de compositores deram seus primeiros passos rumo ao profissionalismo na música. Foi a partir da denominação do festival que participavam, e de sua condição de estudantes universitários, que surgiu o nome Movimento Artístico Universitário. A movimentação no sobrado da Tijuca era tanta, que até promoviam festivais internos, só entre eles. Angela, uma das filhas do dono da casa, acabou sendo a primeira esposa de Gonzaguinha. Regina, sua irmã, também casou-se com outro componente do MAU, Márcio Proença. Lucinha, que namorava Ivan Lins, também era frequentadora dos saraus e festivais promovidos pelo grupo. Mais tarde muitos dos componentes do MAU também passaram a participar de outros festivais, como o FIC, da Globo. Em 1970, Ivan Lins teve uma consagradora participação no FIC, com a música O Amor É O Meu País, que ficou em segundo lugar. Curiosamente, essa música traria problemas para Ivan tanto com a esquerda como com os órgãos de repressão da ditadura. Para a esquerda, ao dizer “o amor é meu país”, ele estaria fazendo uma canção ufanista – algo imperdoável naqueles tempos. Era como se ele dissesse que o Brasil era o país do amor, quando havia tantas perseguições, prisões, torturas, etc. Para a direita era como se Ivan estivesse renegando sua condição de brasileiro, e afirmando que o amor era seu país, e não o Brasil. Mas independente dessa polêmica, a verdade é que a música foi um grande sucesso, a ponto da Globo ver em Ivan e no pessoal do MAU um potencial para apresentarem um programa musical, que ganharia o nome de Som Livre Exportação, que inicialmente era mensal, e depois passou a ser semanal, nas noites de sexta. O programa duraria aproximadamente um ano, e daria uma projeção nacional aos componentes do MAU. Segundo Ivan, que se tornaria o apresentador do programa, a superexposição acabou sendo maléfica para sua carreira, que após o fim do Som Livre Exportação entrou num certo declínio e ostracismo que quase o levou a desistir de ser músico, até encontrar no novo parceiro, Vitor Martins, um estímulo para prosseguir compondo e voltar a fazer sucesso. De qualquer forma, sua carreira e de todos os colegas do MAU, tiveram um grande impulso através do Som Livre Exportação, da Globo.

sábado, 9 de outubro de 2010

Os 70 Anos de John Lennon


Se fosse vivo, John Lennon estaria completando hoje 70 anos. Infelizmente um imbecil cruzou seu caminho há trinta anos, e o levou de nós. Talvez, se fosse vivo, estaria comemorando no palco, na ativa, como continua a fazer seu eterno parceiro Paul McCartney que vem nos visitar.
Minhas lembranças de Lennon vêm desde minha infância, quando era quase impossível não deparar com a imagem onipresente dos Beatles e suas músicas nas rádios e tevês. Depois, com o fim dos Beatles, a presença de John também era marcante. Apesar de aos 10 anos não me ligar tanto na imagem e no significado das palavras de Lennon como ativista e artista, lembro-me bem da imagem de John e Yoko nos telejornais na época em que promoveram o famoso "bagism", quando convocaram a imprensa para filmar sua lua-de-mel. Após pousarem nus para a capa do disco Two Virgins, muitos pensavam que a convocação seria mais um grande escândalo, e eles apenas receberam a imprensa e alguns convidados de pijama, deitados na cama, cantando e pregando a paz mundial. Na adolescência, já me ligava em suas atitudes. Uma das primeiras, se não a primeira grande entrevista de Lennon que li, foi aos 15 anos na revista Ele Ela. A matéria, intitulada John Lennon na Intimidade, trazia várias declarações de Lennon sobre diversos assuntos, como:
Beatles: "George Harrison disse uma vez que os Beatles aconteceram porque trabalhavam mais do que qualquer outro conjunto. É evidente que tínhamos um talento dado por Deus, mas a ele se juntou um trabalho duro e uma energia multiplicada por quatro. Porque acredito que a criatividade vem da energia."
Fama e sucesso:"A fama pode ser um inconveniente, mas não vivo resmungando por ser uma figura pública. Acho até engraçado, sobretudo pelas histórias cômicas que inventam a meu respeito. São tão irreais que ficam engraçadas."
O músico: "Aos 16 anos, eu estava mergulhado num profundo diálogo comigo mesmo. Estava numa escola de arte e meus colegas discutiam sobre a possibilidade de assumirem a arte ou de irem ganhar a vida. Esta discussão produziu a maior decisão de minha vida. Eu queria ser pintor ou escritor. Então pensei:"Se você não está criando algo para mostrar aos outros, para comunicar, está colocando a arte em segundo plano." Fazer música estava fora, pois era uma coisa muito imediata. Quando ouvia música, eu ficava vidrado, hipnotizado. A única coisa que me interessava além dela eram as garotas."
Anos 60:"Não sou o tipo de pessoa que pensa que, já que nossos sonhos não se tornaram realidade nos anos 60, tudo o que dissemos ou fizemos não adiantou nada. Sei que não há nenhuma paz no mundo, apesar de nossos esforços, mas ainda acredito na paz e amor dos hippies. Se alguém lhe dá um sorriso e depois um tapa no rosto, o tapa não anula o sorriso, pois ele existiu."

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A Poesia de Ezra Pound



Conheci a poesia de Ezra Pound(1885-1972) através do poeta Augusto de Campos. Ao ler vários de seus textos ouvia falar naquele poeta de nome esquisito, e com uma poesia moderna e libertária. Mais tarde, lendo sobre sua vida, vim saber de suas posições políticas equivocadas, ligadas ao fascismo,o que era totalmente contradizente com seu texto. Alguns anos depois adquiri um livro trazendo seus poemas, editado pela Universidade de Brasília, com traduções dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grünewald e Mário Faustino. Sobre esse aspecto da vida de Pound, Augusto reproduz na introdução do livro um pequeno trecho de uma entrevista de Pound a uma revista italiana em 1963:
"Minhas intenções eram boas, mas enganei-me na maneira de alcancá-las. Fui um estúpido. O conhecimento me chegou tarde demais... Muito tarde me chegou a certeza de nada saber..." O tom amargo desse mea-culpa se refere a posições politicamente incorretas, que o levaram a ser considerado traidor pelo governo americano durante a Segunda Guerra, por ter feito uma série de transmissões radiofônicas em Roma, consideradas "contrárias ao seu dever de lealdade para com os Estados Unidos". Acabou sendo capturado pelo exército americano, que invadiu Roma, e encarcerado numa jaula (gorila cage) durante três semanas, num campo de concentração para prisioneiros de guerra em Pisa. Trazido para a América não chegou a ser julgado, por ter sido considerado "mentalmente incapaz". Ficou encarcerado num manicômio judiciário, onde viveu durante 12 longos anos, onde, apesar das condições em que vivia, manteve-se lucidamente criativo, e continuou produzindo seus textos poéticos. Alguns intelectuais se manifestaram solidariamente a Pound, como o escritor Ernest Hemingway: "Ezra é um grande poeta, e o proclamo com orgulho. Deixemos de perseguir os nossos poetas. Modifiquemos a mentalidade americana, segundo a qual um homem deve ser castigado sempre que se recuse a se conformar com a massa. Pound cometeu um erro. Se aplicássemos os mesmos critérios na Idade Média, Dante deveria ter passado toda a vida num manicômio por seus erros de julgamento e por seu orgulho".
Abaixo, um pequeno poema de Pound:

Gato Manso

É repousante achar-se entre mulheres bonitas.
Por que sempre mentir sobre tais coisas?
Repito:
É repousante palestrar com mulheres bonitas
Ainda que se fale apenas contrasensos;
O ronronar das antenas invisíveis
É ao mesmo tempo estimulante e delicioso.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Revista Pop anuncia filme do Led em 1977


Em 1977 estreava no Brasil o filme The Songs Remains The Same, do Led Zeppelin, que no Brasil ganhou o título de Rock É Rock Mesmo. Esse lançamento era aguardado com grande expectativa. Grandes filmes, mostrando concertos de rock ou estrelados por bandas atraíam um grande público, na maioria formado por adolescentes. A revista Pop, especializada em rock e comportamento jovem, trazia em agosto de 1977 uma matéria sobre o filme. Eu lia com a esperança de o filme entrar no circuito de minha cidade, mas ficou só na expectativa. A falta de visão dos proprietários das salas de exibição, ignoraram o filme, que eu só pude assistir pela primeira vez em 1981, numa programação especial sobre filmes de rock, que eu já comentei aqui nesse espaço há alguns meses. A matéria, que trazia um vasto material fotográfico, dizia:
"Rockão brabo, muita luz, volume ao máximo, delírio na plateia. Segure-se na cadeira, grude os olhos na tela e prepare-se para entrar em órbita - porque já está pintando no Brasil o primeiro filme do Led Zeppelin. É zoeira do princípio ao fim. As cenas mais eletrizantes do filmão foram gravadas ao vivo em Nova York há quatro anos, durante a excursão mais alucinada de toda a história do Led Zep. Quando a voz de Robert Plant explode na tela, em dueto com a guitarra de Jimi Page, o cinema inteiro começa a tremer. O pessoal da produção ficou três anos transando este filme. Mas quando ele ficou pronto ninguém mais teve dúvidas: Rock É Rock Mesmo (The Songs Remains The Same) é a maior paulada de som que já pintou nas telas de cinema. As cenas principais foram tomadas ao vivo, num explosivo concerto que o Led Zep deu no Madison Square Garden, de Nova York, em 1973. Além disso, o filme mostra todas as transas de Jimmy Page, Robert Plant, John Paul Jones e John Bohan nos bastidores de espetáculos e em suas casas. E tem ainda uma curtição visual de arrepiar, quando os carinhas da maior banda de rock pauleira do mundo contam os seus sonhos. No total são duas horas de rockão brabo e muita zoeira. E quem já viu garante: As almas rockeiras entram em órbita quando a primeira imagem surge na tela. E só param de pirar muitos dias depois."

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Revistas Legais - A Vida de Nelson Gonçalves



Nelson Gonçalves, além de um cantor excepcional com uma voz privilegiada, viveu uma vida digna de um folhetim. Marcado por altos e baixos, derrotas e vitórias, e histórias de superação, Nelson encarnou como poucos na MPB a figura do boêmio. Frequentador de antros da malandragem carioca, numa época em que a hoje ressurgida Lapa, era o centro da boemia, de malandros, mulheres da chamada “vida fácil” , e marcada por histórias tão bem relatadas nas músicas que gravou, Nelson viveu e testemunhou tudo aquilo que tão bem interpretou. Por isso mesmo uma revista bem ilustrada, com fotos de várias épocas , e contando um pouco da história de sua vida é algo bem interessante. A Rio Gráfica Editora, aproveitando a enorme popularidade que o cantor sempre teve, embora sofresse um certo preconceito por parte de alguns, lançou essa ótima revista, acompanhada por um compacto duplo de vinil com quatro músicas. Sempre ouvi as músicas de Nelson Gançalves.

 Desde criança me acostumei a ouvir seus discos, já que minha mãe é uma grande fã, e até hoje ainda ouço algumas gravações em vinil que possuo. A citada revista não traz data, mas creio que seja de 1979, já que traz uma discografia completa em que o último disco é daquele ano. Nelson já tinha na época da revista, quarenta anos de carreira, portanto, o que não faltam são histórias, desde sua infância, quando saiu do sul para viver em São Paulo, até quando virou lutador de boxe e cantor, até experimentar a decadência quando se envolveu com o vício da cocaína, que quase o arruinou, e depois sua volta por cima. O compacto duplo da gravadora Som Livre, que acompanha a revista traz as músicas Nossa História (Jorge Costa e Paulo Machado), Vida Noturna (João Bosco e Aldir Blanc) numa interpretação magistral, Parece Que Foi Ontem (Sérgio Cabral e Rildo Hora) e Depois de 2001 (Adelino Moreira e Nelson Gonçalves). Adelino, por sinal, foi seu grande compositor, com inúmeros sucessos, como a emblemática A Volta do Boêmio. Nesse compacto, a música Nossa História foi fruto de um concurso promovido por sua gravadora junto à extinta Tv Tupi. Nelson é recordista de gravações, já tendo gravado mais de mil músicas. Quando estava próximo de completar sua milésima gravação, abriu-se um concurso para escolher a música que seria sua gravação de número mil. E a vencedora foi um samba-canção bem ao seu estilo, composta por uma dupla desconhecida de compositores. Infelizmente a profecia lançada na música Depois de 2001, parceria sua com Adelino Moreira, não se concretizou. A letra diz: “Só pretendo morrer depois de 2001/ E se Deus do céu quiser/ Sem inimigo nenhum”. Nelson morreria em 18 de abril de 1998.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A Passagem de Janis Joplin pelo Brasil



Ontem fez 40 anos da morte de Janis Joplin. O mundo ainda vivia o impacto da morte de Jimi Hendrix, quando chega a notícia que Janis não havia resistido a uma overdose de heroína, aos 27 anos. Em agosto de 2000, a revista TRIP trazia uma grande matéria sobre a passagem de Janis pelo Brasil, no verão de 1970, mostrando fotos até então inéditas de sua passagem pelo Rio de Janeiro. O fotógrafo Rick Ferreira, que encontrou Janis por acaso, divulgou algumas das fotos que tirou da musa do blues, e revelou algumas passagens de seu contato com ela. Eis alguns trechos da entrevista:
Trip: Como foi seu encontro com Janis Joplin? Rick: Cruzei com ela na Avenida Atlântica e a reconheci imediatamente. Aí fui conversar com ela. Trip: Aqui ninguém a reconheceu? Rick: Muito pouca gente. Poucos jornalistas e músicos. Quando a vi, ela estava chorando. Tinha acabado de ser expulsa do Copacabana Palace por ter nadado nua na piscina. Era carnaval e não havia hotéis disponíveis. Ela não sabia para onde ir. Convidei-a para vir para a minha casa, um quarto-e-sala simples no Leblon. Ela aceitou na hora. Aí começou um delírio total de drogas, álcool, de tudo... Trip: Sexo também? Rick: Não. Nunca tive nada com ela. O que queria era agradá-la. Aquela coisa: quer fumo? Vamos arrumar. Mas ela não gostava de maconha, ficava paranoica. O que curtia era álcool e heroína. Trip: O que rolava no apartamento? Rick: Meu apartamento era muito hippie na época. Eu tinha uma coleção de espelhos antigos, e no meio ficava a cama. Um dia ela estava de topless conversando comigo e se insinuou num beijo. Na hora eu travei e recusei. Ela deu uma recuada e deitou na cama. Trip: Como ela foi embora? Rick: Não me lembro mesmo. Depois perdi totalmente o contato. Ela foi um cometa que passou. Meses depois, levei um choque ao saber que ela tinha morrido. Aquela voz era única. Quem consegue hoje em dia ouvir um disco inteiro da Janis Joplin? Ela é fortíssima, intensa, visceral. Janis é única.”

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Preciosidades Em Vinil - Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua (Sérgio Sampaio)


Em 1972 a Rede Globo promovia o sétimo e último FIC (Festival Internacional da Canção). Foi o mais polêmico dos festivais de até então, por isso mesmo acabou sendo o último. Os problemas com a censura, divergências entre jurados e a direção do festival, a ausência de alguns dos grandes compositores da época por não aceitarem certas imposições, e pelo fato do formato competitivo dos festivais já apresentar um desgaste, tudo isso determinou o fim temporário dos festivais da canção na tv. Todos esses fatos são muito bem descritos no livro A Era dos Festivais, do jornalista, radialista e pesquisador Zuza Homem de Melo. Apesar de toda polêmica e confusão, o FIC de 72 apresentou grandes momentos e, como nos festivais anteriores, revelou novos compositores. Entre essas revelações podem ser citados Raul Seixas, Maria Alcina (interpretando Fio Maravilha), Fagner, Walter Franco, além de um jovem compositor capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, chamado Sérgio Sampaio. Sua música, Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua, apesar de não ter ficado entre as primeiras classificadas, acabou se tornando um grande sucesso popular em todo o país. Lembro até hoje de ter percebido pela primeira vez que a música já estava virando um sucesso quando passando na calçada de uma casa, vi a empregada varrendo a varanda e cantando a música. No carnaval seguinte Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua foi uma das mais tocadas, até porque seu ritmo é de marcha-rancho. O sucesso alcançado proporcionou a Sérgio Sampaio a assinatura de um contrato com a Phillips para lançar no ano seguinte seu primeiro LP. O título do disco, como não poderia deixar de ser, era de seu grande sucesso, que puxaria as vendagens do disco. Com produção de seu amigo Raul Seixas, Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua é um disco primoroso, com composições inspiradas, revelando um excelente letrista. Nesse disco se encontram algumas obras-primas, como Viajei de Trem, Cala A Boca Zebedeu, Eu Sou Aquele Que Disse, Filme de Terror, Odete e Dona Maria de Lourdes. Encerrando o disco, Sérgio apresenta uma homenagem a seu amigo e produtor Raul Seixas, na faixa Raulzito Seixas, na qual o homenageado participa. É um disco fantástico, que revelou um dos grandes nomes da MPB surgidos nos anos 70. Sérgio deixou uma obra não muito extensa, somente três LPs, todos excelentes, além de alguns compactos e pequenas participações em discos coletivos. Postumamente foi lançado há alguns anos o CD Cruel, gravado a partir de um show ao vivo, além de um disco tributo chamado Balaio do Sampaio (um bem sacado trocadilho com o famoso Baú do Raul). Encontrei também a gravação de um show de Sérgio em 1986, em Belo Horizonte, no antigo Cabaré Mineiro. Sérgio Sampaio morreria em maio de 1994. Minha edição em vinil de Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua eu consegui após ler um anúncio de jornal de um colecionador que estava vendendo sua coleção. Ao ver esse disco logo o escolhi entre aqueles que comprei, pois era pra mim um antigo sonho de consumo, e hoje é uma das relíquias de minha coleção.

domingo, 3 de outubro de 2010

Livros e Revistas de Humor- Lugares In-Comuns (Jaguar)




Desde criança eu já admirava o trabalho dos cartunistas. Talvez por gostar de desenhar, e ver traços tão simples , e aparentemente fáceis de fazer. Só aparentemente, pois por trás de alguns daqueles desenhos pouco detalhados escondiam-se grandes artistas. Dentre os tantos cartunistas que eu admirava, um deles era Jaguar, que realmente tem um traço bem simples, e em comparação com outros chargistas, é bem menos técnico, mas seu traço carrega uma personalidade própria, e o humor implícito nele é da maior qualidade. Conheci Jaguar através do jornal Última Hora, que meu avô comprava todos os dias, e depois do jornal O Pasquim, que ele foi um dos criadores, em 1969. No fim dos anos 70, ele passou a publicar n'O Pasquim uma série denominada Lugares In-Comuns, onde ele pegava várias frases feitas, empregadas no cotidiano, e fazia tirinhas, em que essas frases eram utilizadas ao pé da letra. O título Lugares In-Comuns era justamente por se tratarem de frases tão repetidas, que são consideradas como “lugar-comum”, de tanto que são utilizadas. Como essas frases nas tiras são utilizadas em situações onde aparecem num sentido bem ao pé da letra a tira ganhou o título de Lugares In-Comuns. Em 1979 essa série foi publicada em formato de livreto. Na própria capa aparece um exemplo da sátira com essas frases feitas. Aparece uma mulher acompanhada de vários homens, alguns baixos e outros altos, nenhum de estatura mediana. Um homem se dirige a ela e diz: “Você é uma mulher cheia de altos e baixos”. Outras tantas frases comuns são mostradas, como uma mulher sendo assediada por vários homens, todos com a mesma cara, e ela sai dizendo: “Vocês homens são todos iguais”. Em outra aparecem várias pessoas com réguas e fitas métricas na mão medindo o tamanho de vários pares de meia. Um homem reclamando diz para elas: “Basta de meias medidas!”, e por aí vai. O prefácio do livro é do escritor Ignácio de Loyola Brandão, que diz: “Palavras comuns não expressam lugares in-comuns. Por isso devo dizer que estes lugares insólitos são pindóricos, hiperbólicos, arquétipos, zoilis, amilgantes, mofadores, especiosos, jucundos, libantes, voluptuários, alambicados, perscrutadores, airosos, donosos e completamente maganos”.

sábado, 2 de outubro de 2010

Betinho Assad Power Trio no Moto Clube


É legal poder fazer duas postagens seguidas resenhando shows de rock na cidade, em espaços abertos, que estão cada vez mais reduzidos para esse tipo de evento. Depois do show de quinta na área externa Palácio da Cultura, com Reubes Pess, ontem foi a vez do Betinho Assad Power Trio tocar no Moto Clube, um espaço muito bom para shows de rock. Minha preferência por espaços abertos é pela atmosfera que acaba rolando, as pessoas circulam mais, normalmente a cerveja é mais barata que em bares fechados, além dos shows serem normalmente gratuitos, dentre outros fatores. É lógico que o risco de chuva atrapalha, mas é apenas um risco. Ontem, por exemplo da metade do show em diante a chuva caiu, mas não chegou a cortar o clima que reinava no local. Aliás, os organizadores acertaram em sua previsão metereológica, ao mudarem a posição do local da banda tocar, para um espaço coberto, prevendo a chuva que veio. Embora descentralizado, além de ser coberto, a acústica ficou melhor. Na outra postagem ao falar de Reubes, lembrei de sua já longa carreira, cerca de 25 anos. Betinho também tem esse tempo de carreira. A primeira vez que vi Betinho tocar foi em 85, em um show no Sesc, onde sua banda na época, a TNT, tocou duas noites, num sábado e num domingo. A banda tinha Nelsinho Memeia na bateria, o falecido Paulinho Karioca no baixo, e um vocalista que não me lembro do nome. Já naquela época, ainda bem novo, Betinho já mostrava um grande talento como guitarrista. Depois da TNT Betinho continuou mostrando seu trabalho em outras formações, sendo que o mais duradouro foi com a Blues Band Vidro, quando tocou em duas oportunidades. Após optar por um trabalho próprio, Betinho tocou com outras formações, até formar o Betinho Assad Power Trio, que traz Fábio "Cabelo" Neves no baixo e Felipe Begão na bateria. O trio, que toca junto há alguns anos, já alcançou uma maturidade musical e um entrosamento que supera o pouco tempo que tem para ensaiar. O blues eletrificado é o estilo básico da banda. Eric Clapton, Stevie Ray Vaughan, Cream, Jeff Hilley, e principalmente Hendrix, além de velhos blues men formam a base do repertório do trio. No show de ontem eles novamente empolgaram a plateia. Fábio, no baixo, com sua marcação segura, com anos de experiência em estilos como blues, rock e fusion (estilo que por sinal ele não tem tocado ultimamente) e Felipe, um baterista que traz em sua maneira de tocar a influência de grandes músicos como Ginger Baker (Cream) e Mitch Mitchel (Jimi Hendrix Experience), entre outros dos anos 60, formam a base do Power Trio. Após um intervalo,a banda voltou trazendo o repertório de Jimi Hendrix, para fechar o show. Aliás, foi com Tributo a Jimi Hendrix, que a banda se apresentou no fim de semana passado em Rio das Outras, extendendo seu público para outras regiões, o que deu um novo gás à banda, já que Betinho estava pensando em dar um tempo na música. Esperamos que eles continuem fazendo seu som.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Reubes Pess no Palácio da Cultura


Ontem, na área externa do Palácio da Cultura, aconteceu a primeira noite de um novo projeto promovido pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, com apoio da Secretaria de Educação, chamado Aumenta Que Isso Aí é Rock'n Roll. É bom ver novamente o setor cultural de nossa prefeitura promovendo eventos de rock com bandas locais. O projeto, que pretende ser mensal, visa prestar tributo ao ritmo que tem uma legião de seguidores, e é tão bem representado por várias bandas da cidade. O grande público que compareceu ao local deixou claro que o rock em Campos tem um público sempre fiel e presente, bastando ter apoio e uma boa estrutura por trás para ter o espaço que merece. Antes do show, um telão passava imagens de bandas variadas. Entre imagens preciosas como das bandas Ufo, Uriah Heep, Free e Deep Purple, algumas bandas meio "farofa" também foram mostradas num dvd variado. Em seguida, o presidente da Fundação Cultural, Avelino Ferreira, falou algumas palavras sobre o novo projeto, depois dando vez ao radialista Paulo André Barbosa, um conhecedor do tema, que fez um resumo da história e importância do rock, desde os primórdios até os dias atuais. Aliás, Paulo André acabou aprontando uma pra mim. Estava eu tranquilamente sentado na plateia, tomando minha cervejinha, quando ele sem me consultar previamente, me chamou ao palco para falar algumas palvras sobre o rock. Quem me conhece sabe como "adoro" falar em público, principalmente para aquela plateia numerosa. Procurei dar meu recado, contando algumas experiências pessoais com o rock, e apesar de tratar o microfone como uma granada pronta a explodir, e querer logo me livrar dele, até que a experiência não foi traumática. Mas Paulo vai ficar me devendo essa.
Quanto ao show, ninguém melhor do que Reubes Pess para iniciar esse projeto. Um dos músicos de rock mais antigos da cidade, contabilizando uns 25 anos de carreira, Reubes trouxe ao palco vários clássicos do rock. Com uma boa banda de apoio, a sempre mutante Reubes Pess Band, o músico contagiou o público desde o início, com Goin Down, que já recebeu várias gravações. O repertório trouxe ainda Hey Hey My My (Neil Young), Black Night e Highway Star, do Deep Purple, Day Tripper, dos Beatles, Proud Mary, do Creedence, Wholla Lotta Love, do Led Zeppelin, Dont Let Me Be Misunderstood (outra que já recebeu várias regravações, desde The Animals, Joe Cocker até a banda "disco" Santa Esmeralda). Não podiam faltar também coisas do AC/DC, Janis Joplin, Uriah Heep (David Byron, ex-vocalista da banda foi uma de suas grandes influências). Raul Seixas, outra de suas fortes referências, não poderia ficar de fora. A escolhida foi Sociedade Alternativa, hino raulseixista. O Black Sabbath teria que marcar presença, até porque Ronnie James Dio, ex-vocalista da banda,e recentemente falecido, é outra referência. War Pigs e Heaven and Hell foram as escolhidas. Trazendo Bruno Sanguedo na guitarra, Gerlan Nogueira no baixo e Gabriel Martins na bateria, Reubes contagiou o público que compareceu ao Palácio da Cultura. Em sua já extensa carreira, Reubes conquistou um público que se renova e se mantém fiel, desde de suas bandas anteriores, como Kalevala, Bicho X e Safira. Vamos torcer para o projeto continuar em sua proposta, que é muito boa. E da próxima vez vou me esconder de Paulo André.