Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Volta dos Beatles - Uma Utopia dos Anos 70


Quem viveu os anos 70 deve se lembrar que durante quase toda década se especulou uma volta dos Beatles, nem que fosse para um único show. Lembro das várias vezes em que a notícia dessa volta era dada como quase certa, por uma proposta milionária, por uma suposta disposição dos quatro Beatles de novamente se reunirem, e vários outros boatos. Às vezes esses boatos eram tão intensos, que realmente essa volta era dada como certa. Mas sempre chegavam os desmentidos, ou nem isso, pois os quatro envolvidos nem sempre se pronunciavam sobre o assunto, mais preocupados com suas carreiras solo. Em dezembro de 1980, com o asassinato de John Lennon, foi enterrada com ele uma das maiores utopias da história da música.
Relembrando um daqueles muitos boatos, transcrevo uma matéria com Paul McCartney publicado no tablóide HitPop, que vinha ancartado na revista Pop. A matéria é de junho de 1976, e tem como título - Paul McCartney: "Dinheiro não vai reunir os Beatles". Abaixo a transcrissão.

Nunca os comentários sobre uma possível volta dos Beatles estiveram tão frequentes como agora. Em meio a centenas de informações, boatos e notícias das mais variadas fontes, é difícil estabelecer o que existe de verdade. Mas uma série de declarações parece prever, para um futuro não muito distante, a volta do grupo mais importante da música pop. Para começar, no mês que vem, quando se comemora o bicentenário da independência dos EUA, os quatro Beatles estarão no mesmo país, pela primeira vez, desde que o grupo foi dissolvido. Paul McCartney, que mora numa fazenda no interior da Inglaterra, estará fazendo uma longa excursão com o Wings, por todo o território americano. John lennon mora em nova Yorque já há muitos anos. George Harrison, que mora num castelo nos subúrbios de Londres, estará em Los Angeles fazendo a mixagem de seu próximo álbum. Ringo Starr, que divide a moradia entre Londres e o sul da França, estará em Hollywood, preparando um novo filme com o ator Peter Sellers. Reunir os Beatles num mesmo país representa meio caminho andado, já que os quatro vivem viajando pelo mundo, tratando de seus próprios negócios.
Foi pensando nisso que, há poucas semanas, o empresário Bill Sargent ofereceu uma quantia enorme de dinheiro por apenas um concerto dos Beatles, no dia 4 de julho. John, George e Ringo não se manifestaram sobre a proposta, o que faria supor que estavam pensando no assunto. Paul McCartney, no entanto, foi logo declarando aos repórteres que os Beatles nunca voltariam a se reunir só por dinheiro. Se houvesse um novo reagrupamento, segundo Paul, seria por motivos estritamente musicais, ou seja, se os quatro quizessem desenvolver algum trabalho em conjunto, se tivessem algo a combinar musicalmente.
Por outro lado, no começo do ano, John Lennon havia declarado à imprensa que "nada impede que os Beatles se reunam para a gravação de um LP ou uma apresentação".

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Entrevista com o DJ Tupamaro


Tarati-Taraguá apresenta uma entrevista com o lendário DJ Tupamaro, que nos anos 70 promovia noitadas movidas a muito som, que até hoje são lembradas.

Tarati-Taraguá: Como você começou a atuar como DJ?
Tupamaro: Por volta de 78 eu já tinha uma boa aparelhagem. Era o auge da febre da "disco music", mas eu queria ouvir algo diferente e bom pra dançar.
TT: Foi nessa época que você criou a Papa-Capim Disco Club? Por que esse nome?
T: Exatamente. Eu morava em uma espécie de chácara, onde havia um galpão de madeira onde se guardava só coisas velhas, tipo móveis quebrados e sucata. Então falei com meu pai, joguei fora a velharia e dei uma arrumação pra fazer ali uma mini-danceteria, ou discoteca, como era chamado na época. O nome Papa-Capim foi uma brincadeira com a discoteca Papagaio, uma das mais badaladas da época. Em comparação, a minha era só um papa-capim - um passarinho de gaiola.
TT: A Papa-Capim era famosa por tocar músicas dançantes, mas fora da "onda disco". Como vc conseguiu furar o bloqueio do modismo da época?
T: Não foi fácil. No início muitos dos poucos frequentadores voltavam pra casa reclamando da falta dos hits da época. Mas aos poucos uma galera que também não curtia a "onda disco" sacou o diferencial, e a Papa-Capim acabou virando cult.
TT: O que você tocava?
T: Eu até tocava algumas coisas do estilo discoteque, mas era raro. Tocava mesmo era funk americano, soul, black music em geral, música de balanço.
TT: Sua aparelhagem era famosa.
T: Sim. Eu tinha uma aparelhagem de respeito. A melhor da região. Me lembro até hoje: Dois pré-amplificadores e dois amplificadores Marantz de 125 watts (RMS) por canal, duas pick-ups Philips GA-212 com unidades Shure V-15 Track II, um mixer que fazia a conexão do sistema com o gravador Philips 4450 de 3 motores e 6 cabeças. Os alto-falantes, 22 ao todo eram assim distribuídos: 4 caixas JB Lausing 101 (cada caixa tinha dois auto-falantes de 14" e um extenderange D-145), 4 alto-falantes JBL modelo D-130 montados em caixas de madeira maciça, dois woofers JBL-LE 175 e dois drivers JBL-375 com seus divisores de frequência (4NI200, LLX5 e 4LX10) correspondentes.
TT: Quando e por que a Papa-Capim acabou?
T: Com o crescimento do público, a estrutura do local já não estava suportando o grande afluxo de pessoas. Só havia um banheiro, o barulho já começava a incomodar a vizinhança... então resolvi parar com a Papa-Capim.
TT: Depois você criou a Festa do Tamandy-Tapy, certo?
T: Sim, mas foi quase um ano depois. Eu conheci um cara chamado Mário "Little Bird's Face", que tinha uma estrutura de metal com uma lona. Então ele me propôs criar uma festa itinerante, e assim criamos a Festa do Tamandy-Tapy, onde tocava basicamente o mesmo tipo de som que rolava na Papa-Capim, além de rock e blues.
TT: Obrigado pela entrevista
T: Valeu, cara.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Erasmo Inconquistável


As músicas da Jovem Guarda tinham uma característica bem própria, que era falar de relacionamentos e namoros de uma forma ingênua, sem uma conotação sexual. Talvez por uma questão de marketing, os próprios astros do movimento também traziam às vezes a público esse tipo de comportamento, explorados pela imprensa e as colunas de fofocas. Os próprios artistas também alimentavam esse mito de namoros sem compromisso, como uma forma de caracterizar a juventude da época. A matéria da revista Intervalo, de outubro de 1967 que ilustra essa postagem, fala de uma música de Erasmo Carlos que cita descaradamente várias cantoras da Jovem Guarda como se estivessem correndo atrás dele. Não sei se houve autorização das cantoras para serem citadas nominalmente na letra da música. Isso hoje renderia vários procesos, mas na época tudo era permitido, até porque as histórias de namoro entre os artistas do gênero faziam parte do folclore criado na época, embora algumas histórias até fossem verdadeiras.
Eis a matéria:

Erasmo Carlos quer provar, com música, que está na crista da onda em relação às garotas. Sua última composição, Larguem Meu Pé, diz o nome de todas as menininhas vidradas pelo Tremendão, e contém muitos segredinhos de amor.
Larguém Meu Pé faz parte do lp Erasmo Carlos Novamente, pelo qual o Tremendão foi muito elogiado, já que além de iê-iê-iê, ele gravou dois sambas (inclusive o clássico Não Me Diga Adeus), uma marcha com banda militar e a versão de Caramelo, feita por Roberto Carlos.
Mas, vejam, em Larguem Meu Pé, como Erasmo esnoba as garotas mais cobiçadas do Brasil:
Wanderléa mandou flores/me chamando de meu bem/Sinto muito meus amores/mas já tenho o meu bem/Waldirene bem gamada/quer por força me conquistar/Mas já tenho outra amada/que eu não posso revelar/E às vezes recebo bilhetinhos, cheios de carinho, dizendo me amar/às vezes assinados por Martinha/e outras vezes por Nalva Aguiar/Rosemary, Cidinha e Silvinha/vivem sempre a brigar/disputando no carango/sem terem vez, ao meu lado, um lugar/Larguém meu pé, o meu amor eu não digo quem é

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Comunidades Alternativas




Há 25 anos a revista Manchete trazia uma longa matéria, de 22 páginas, sobre comunidades alternativas que ainda sobreviviam, baseadas na filosofia hippie, tipicamente como acontecia nos anos 60, e remetendo a uma década antes, ao também citar os beatnicks. Sob o título “Existe Vida Alternativa Em 85?” a matéria trazia em seu texto introdutório:

A América do pós-guerra viu acontecer um fenômeno que ficou conhecido como baby boom – uma explosão demográfica sem precedentes na história do país. Essas crianças, geradas no desafogo dos combatentes que voltaram do Velho Mundo acreditando no futuro, tinham 18 anos em 1963/64. E, com muitas ideias na cabeça e uma guitarra na mão, partiram para contestar radicalmente esse futuro em que seus pais acreditaram. Mas o rock não fora o primeiro grito. Antes houve um uivo que, vindo do Village nova-iorquino, atravessou o Atlântico e desceu às caves existencialistas de Paris: era o call of the wild, o apelo selvagem dos beats. A mistura de rock e beatnicks deu origem à geração hippie – os drop-outs ecológicos, os jovens que largaram tudo e caíram fora.

Com um vasto material fotográfico, a matéria fala de um grande encontro de hippies e andarilhos, cerca de 25 mil, que se reuniam anualmente nas montanhas da Califórnia, a Reunião do Arco-Iris. Como diz a matéria: “Na grande festa de encerramento da Reunião do Arco-Iris, nas montanhas da Califórnia, há dança e toques de tambores por todas as partes. O traje é livre, assim como a nudez. Só é proibido beber cerveja ou qualquer outra bebida alcoólica. Mas o chá elétrico, temperado com LSD, e a maconha, servida em cachimbos, são uma tradição, cultivada até hoje."

A matéria fala ainda de outras comunidades, não-hippies, que se refugiam no mato, em busca de um contato mais próximo com a natureza, vivendo de agricultura. Assim são descritos:

Os adeptos da nova fuga para o verde são, em verdade, sobreviventes do grande furacão cultural que desabou sobre o mundo durante os anos 60, a década que mudou tudo. Abrigados em casas que vão desde caprichosos chalés em estilo suíço até choupanas mongólicas, perderam um pouco da amistosidade original e trocaram as placas de “paz e amor” por outras como “cuidado com o cachorro” ou “terreno minado”. São xenófobos por natureza ou naturalmente xenófobos, como preferir o freguês.

Hoje, não sei se ainda existem essas comunidades, e se a Reunião do Arco-Iris ainda acontece. Seria o caso de, remetendo ao título da matéria, perguntar: “Existe Vida Alternativa em 2010?”

terça-feira, 13 de julho de 2010

Dia Mundial do Rock


Hoje, 13 de julho, é o Dia Mundial do Rock. A data escolhida é em virtude do mega-concerto Live Aid, que aconteceu em diferentes partes do mundo nessa data em 1985, numa campanha beneficente, e que acabou se tornando uma enorme reunião de grandes astros do rock.
O rock entrou em minha vida bem cedo. Posso dizer que tudo começou pra mim ainda na época da Jovem Guarda, quando criança me contagiava com o que ouvia no rádio e via nos programas de tv. Os Beatles também me despertaram algo muito forte, e que descrevi aqui nesse espaços há algumas postagens atrás.
Na adolescência eu passei a me interessar mais, embora ainda pouco conhecesse sobre as bandas. Lembro que os primeiros discos do gênero que caíram em minhas mãos foram Santana III, Pendulum (Creedence), In-A-Gadda-Da-Vida (Iron Butterfly), Pin-Ups (David Bowie) e Volume 4 (Black Sabbath). Na época eu tinha pouco acesso a discos. Não tinha grana pra comprar, e meus amigos mais próximos também não possuiam discos. Gostava de ouvir alguns raros programas dedicados ao gênero no rádio, como "60 Minutos de Música Contemporânea"na Rádio JB AM do Rio. Na tv assistia toda semana o Sábado Som, na Globo, apresentado por Nelson Motta. No mais, comprava muitas revistas especializadas em rock, como Pop e Rock, a História e a Glória.
Por isso muitas das bandas e artistas eu conhecia de leitura nas revistas, mas não conhecia o som. Na época havia muita dificuldade em se conseguir certos discos, pois muitos álbuns já se encontravam fora de catálogo, e não eram encontrados nas lojas. Os importados eram caríssimos. Um, exemplo de banda que levei anos para conhecer foi o Cream. Já tinha lido várias matérias sobre o trio, sabia de sua importância, mas nunca tinha tido a oportunidade de ouvi-la. Só fui ouvir o Cream pela primeira vez aos 21 anos, através de uma fita cassete de uma coletânea, que um amigo havia encontrado na promoção de uma loja. Foi um momento mágico aquela primeira audição do Cream, na garagem de minha casa após tantos anos correndo atrás.
Várias outras bandas e artistas também só conhecia de nome e leituras, e só muito tempo depois vim a conhecer, como The Who, Frank Zappa, King Crimson e tantas outras. Anos mais tarde fui formando minha coleção de vinis, e ampliando meu conhecimento, e minha paixão foi crescendo.

sábado, 3 de julho de 2010

Jorge Ben - Trilogia Fantástica


Nos anos 70 Jorge Ben estava atravessando um período de grande criatividade, e dava uma guinada em sua carreira, que àquela altura já era vitoriosa. Em 1974, após lançar o disco 10 Anos Depois, onde reinterpretava vários de seus sucessos, em comemoração à sua primeira década de carreira, ele propôs à sua gravadora um novo disco de músicas inéditas. Ao apresentar a proposta de um disco conceitual e temático sobre os alquimistas e sua filosofia, de imediato a direção da gravadora vetou a ideia, por achar anti-comercial e de difícil assimilação para o grande público. A negativa da gravadora não significou para ele a desistência de seu projeto, e usando do prestígio e independência que seu nome representava, Jorge Ben não aceitou a imposição da gravadora e acabou lançando A Tábua de Esmeralda da maneira que ele concebeu. Na época ele havia descoberto através de leituras a filosofia e história da alquimia, e seus personagens. O tema lhe interessou tanto que acabou lhe inspirando uma série de composições. Com produção de Paulinho Tapajós, o disco abre com a hoje clássica Os Alquimistas Estão Chegando Os Alquimistas (o título impresso na contracapa e selo do vinil é esse). O Homem da Gravata Florida e Errare Humanum Est, as faixas seguintes, trazem nas letras toda a complexidade de alguns de seus textos. Aliás, sua capacidade de musicar textos aparentemente impossíveis de serem encaixados em uma melodia fica bem explícito na faixa Hermes Trismegisto E Sua Celeste Tábua de Esmeralda (que na edição em cd aparece com o título resumido Hermes Tri), um tratado hermético escrito pelo faraó egípcio Hermes Trismegisto. Embora nem todas as músicas tratem do tema do disco, caso de Eu Vou Torcer, Magnólia, Zumbi, Cinco Minutos e outras, o disco traz uma unidade, e foi escolhido pela crítica como o melhor disco do ano, e é considerado pelo próprio autor como seu disco preferido. O disco seguinte, Solta o Pavão, de 1975, ainda trazia algumas composições sobre o tema alquimia, caso de Assim Falou Santo Tomaz de Aquino, Velhos, Flores, Criancinhas e Cachorros e Luz Polarizada. O disco trazia duas músicas não inéditas: Cuidado Com O Bulldog, gravada anteriormente por Simonal, e a clássica Jorge de Capadócia, cuja primeira gravação é de Caetano Veloso. O disco traz ainda algumas faixas bem representativas, como Zagueiro – umas das tantas de suas composições sobre o tema do futebol e Se Segura Malandro. Um detalhe interessante nesse disco é que, se não estou enganado, é o disco que mais traz no título nomes femininos, outra característica de sua obra: Para Ouvir no Rádio, que tem o subtítulo de Luciana, Dorothy, Dumingaz e Jesualda. Em 1976 viria outro petardo, o fantástico África Brasil, também considerado uma obra-prima. Sobre esse disco, o crítico americano Andrew Gilbert, especialista em jazz, música brasileira, afro-caribenha e da África Central, escreveu: “É impossível exagerar a influência de Jorge Ben na heterogênea confederação internacional do funk. Quando fez seu manifesto soul do Rio, Árica/Brasil, Ben já era uma força musical há mais de uma década, mas esta combinação de percussão de samba, metais R & B, um coro atrevido e uma rhytm guitar hipnótica destila a essência do ritmo de Ben.” Essa “rhytm guitar” a que se refere o crítico, é bem exemplificada já na faixa de abertura, Ponta de Lança Africano (Umbabarauma). Com uma batida funkeada, de guitarra, baixo e percussão, essa música é na minha opinião a melhor música composta por ele usando o tema futebol. Não é à toa que Umbabarauma é a faixa de abertura da coletânea que David Byrne (ex- Talking Heads) lançou internacionalmente só com música brasileira. O disco ainda traz o tema alquimia, na faixa Hermes Trismegisto Escreveu, que é uma releitura mais simplificada da faixa do disco A Tábua de Esmeralda. Outra releitura do mesmo disco é Zumbi, em que ele canta de uma forma mais raivosa e agressiva, uma coisa rara em seu trabalho. Xica da Silva é a faixa de mais sucesso do disco, que foi tema do filme homônimo de Cacá Diegues. A banda que o acompanha nesse disco é a Admiral Jorge V Ben, que trazia, dentre outros, Gustavo Shroeder (ex- A Cor do Som) na bateria e Dadi (ex- Novos Baianos) no baixo. Alguns músicos convidados também participaram, como Márcio Montarroyos (piston), José Roberto Bertrami (teclados) e Djalma Correa (percussão). Esses três discos representam uma excelente trilogia no trabalho de Jorge Ben nos anos 70.