Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A Balada de Janis Joplin

Num livreto vendido em bancas, chamado Histórias do Rock, em que quatro autores falam sobre diferentes experiências pessoais e histórias envolvendo o rock, um dos textos, escrito por René Ferri, fala de Janis Joplin. Nele o autor relata sua experiência com a música de Janis Joplin, e fala inclusive da lembrança que ele guarda do dia em que Janis morreu. Daí o subtítulo do texto: “Onde Você Estava em 4 de Outubro de 1970?” “Há 15 anos mais ou menos escrevi um texto curto sobre Janis Joplin que deveria ser publicado num fanzine ou algo parecido. Prevendo que um dia voltaria ao tema, guardei o texto que reproduzo a seguir, tal e qual foi escrito. ‘Quando Janis surgiu, logo fiquei sabendo quem ela era. Ou melhor, o que a imprensa e a Columbia queriam que, todos pensassem o que ela era. Esperei com ansiedade ouvir seu disco e quando ouvi (Cheap Thrills, cópia americana), tive uma grande decepção! Ela não foi nada, exceto uma caricatura grotesca de cantora negra. Ao vivo, pelo que vi nos filmes e fotos era sensacional, eletrizante, a imagem era perfeita. Mas a voz, o feeling eram um zero. Se Janis tivesse a pele negra, estaria no máximo, cantando nos bares de Port Arthur até hoje. Mas era branca e um dia sonhou que podia cantar como Aretha Franklin e o mundo todo sonhou com ela. Não duvidei de sua sinceridade, Janis foi honesta consigo mesma até o fim, ela mesma não se sentia realizada como cantora, apesar de toda aquela adoração, nunca compreendeu o próprio sucesso. Quem sabe se não foi isso que a matou?
Nada como o tempo para pôr as coisas no lugar? Vamos encarar os fatos por esse ângulo: - nós quisemos forçar uma revolução esquecendo que, a vontade pelas mudanças tem que vir naturalmente do desejo de todos – quebramos a cara, claro e terminamos traídos pelos nossos pares também. Os ‘artistas de rock’ que pela nossa ótica ingênua eram incorruptíveis, foram os primeiros a nos dar o bolo e passar para o ‘outro lado’, de Mercedez Benz, casaco de peles e tudo, como Janis Joplin, por exemplo... Outro profeta de revolução, Jerry Garcia, do Grateful Dead, hoje é dono de uma das maiores fortunas pessoais dos EUA. Claro, que quando escrevi o textículo (jargão em jornalismo para texto curto) sobre Janis, eu ainda estava roído pelo ressentimento, mas a minha verdade estava lá. Quando ouvi Cheap Thrills fiquei mesmo decepcionado. As revistas falavam maravilhas sobre a moça – até a Playboy: que antes de virar o açougue que é hoje; não era tão careta assim, elogiou Janis, deu espaço para ela falar de si mesma... e da banda Big Brother & Holding Company e ela comunicava, sem meias palavras, que estava abandonando os caras: ‘... preciso de espaço, novas direções and all that shit’. Achei o máximo, era como se (na época) Mick Jagger chutasse os Stones! Fiquei ainda mais aceso para ouvir Cheap Thrills, mas toda a ansiedade se diluiu na primeira ouvida na primeira ouvida, foi uma broxada daquelas! Tinha na época (1968) dois ou três LPs de Aretha Franklin e pensava saber tudo de música. Só depois, muito depois, vim saber e compreender que Janis se ligava mesmo no folk blues de Odetta e no blues tradicional de Bessie Smith e Billie Holyday e mais tarde ainda, que pegou o jeito ‘machona’ de se movimentar no palco de Willie ‘Big Mamma’ Thorton. Hoje tenho certeza que Aretha era apenas uma referência para Janis, alguém que admirava, certamente, mas que nem pensava em imitar.
Também compartilhava da opinião distorcida que Janis se aproveitava dos pretos, sem a menor cerimônia, como era comum nos anos 50, quando um Elvis ou um Pat Boone pegava um disco negro, copiava dando uma ambranquecida e ganhava um rio de dinheiro,enquanto que o coitado da gravação original recebia uns níqueis. Esse estereótipo odioso nos foi vendido durante anos e não é, nem nunca foi bem assim. Quando Janis, amada por milhões de jovens brancos dizia: ‘Oh, Otis (Redding)... my man!...’ naquela sociedade ferozmente racista, ela fazia mais pela comunidade negra que uma dúzia de passeatas e outros tantos discursos de Eldridge Cleaver. O Big Brother & Holding Company era bagunçado, caótico, mas funcionava, tinha (pelo menos na fase com Janis) uma ‘pegada’ que é raro de se ouvir. Cheap Thrills com todos os seus defeitos, é um clássico, já que os discos posteriores de Janis com a Kosmic Blues Band e a Full Tilt Boogie Band são polidos demais para uma cantora como ela, forjada em botecos, perdendo muito da espontaneidade que sobra em Cheap Thrills.
Pelos dados biográficos, bastante explorados de forma até sensacionalista, Janis foi uma garota com sérios problemas, se sentindo ‘feia’ e ‘rejeitada’ na adolescência, foi crescer agressiva, com desprezo pelas pessoas ‘normais’; acabou achando sua turma depois que deixou a conservadora Port Arthur, Texas, sua terra natal (nasceu em 10/01/43) trocando-a pela liberal San Francisco na Califórnia, onde tudo acontecia e onde mergulhou prazerosamente na contracultura da literatura, das comunidades hippies e das drogas – do ‘inofensivo’ ácido lisérgico à perigosa heroína. Participou ativamente da prática do amor livre, da revolução sexual, deu vazão à sua (possivelmente) reprimida libido homossexual, mais ou menos superou os seus traumas de infância e adolescência infeliz, se entregando totalmente ao delírio do palco. Foi a criança mais passional da sua geração, mas dava muito mais do que recebia do público e chegou num ponto em que não havia mais nada para dar, tinha esprimido tudo que era possível e voltou a se sentir a antiga menina infeliz. Um sintoma desse estado emocional ‘para baixo’ foi a sua cisma com Bessie Smith – Janis foi incapaz de se livrar do fantasma da grande cantora – não que tenha lutado para isso, ao contrário, embatucou com Bessie, pagou uma lápide para o túmulo dela, numa boa ação exageradamente divulgada, parecendo, no final, mais um golpe publicitário que uma ação benemérita, e a toda hora, Janis vinha com a ladainha sobre Bessie: - a bendita lápide, sua condição de alma triste e explorada 'pelos brancos’ etc., numa fixação mais do que mórbida.
O filme ‘Janis’, que é um excelente documentário, mostra essa fase ‘terminal’ da cantora, um jeito de abandono, garrafa de Southern Confort na mão, e o sentimento de profunda angústia e depressão no rosto. Críticas ao seu trabalho e ao seu comportamento partiram de todo lado da imprensa e embora Janis tivesse reações mordazes às críticas, isso tudo a machucava muito. Foram meses de agonia e, pode-se dizer, de auto-destruição, ela largava e retornava o hábito da heroína conforme mudava seu humor. Em setembro de 1970 Janis teve sua primeira overdose, que não a matou por milagre; socorrida a tempo, teve paradas cardíacas seguidas e foi ressuscitada seis vezes, nesta fase sua aventura com a heroína e whisky, em quantidades impossíveis era seu jeito de se recompensar. Em menos de um mês depois da primeira overdose, morreu como ela mesma estava prevendo, pois chega a fazer e refazer seu testamento. Outro acidente com heroína foi fatal, desta vez estava sozinha, e foi fulminante, não houve tempo sequer para se defender na queda, bateu o rosto no chão, achatando o nariz. Morria assim, miseravelmente só, um dos ícones da cultura pop dos anos 60, em 04/10/70.
Lembro que neste dia fui, à noite, ver um show de rock num teatro descolado, que existia na rua Frederico Steidel, no centro de São Paulo – toda semana eram promovidas reuniões de rock no teatro, que sempre lotava. Teatro pequeno, a fumaça era tanta que que todo mundo acabava ficando alto, antes do show começar. Naquele dia lembro que os pequenos cartazes de divulgação do show foram colados nas paredes internas do teatro, formando a palavra JANIS várias vezes, mas ninguém até então sabia o que tinha acontecido. As luzes se apagaram, entrou o primeiro grupo do programa (que nem imagino qual era, mas gostaria de lembrar) e o vocalista deu a notícia mais ou menos assim: ‘Hoje é uma data triste, morreu Janis Joplin’. Não sei porque nenhum de nós, e éramos tantos, esboçou qualquer reação. Acho que não tínhamos então consciência do quanto Janis Joplin representava para todos nós, naquela hora, ou mesmo naquela época. Só fomos perceber e sentir a perda tempos depois, quando pudemos olhar pra trás e avaliar tudo o que foi feito, sonhado, realizado, e também perdido pela nossa geração. Adeus Janis, a pérola imperfeita que era só nossa, você que tão generosamente continua a nos dar tanto.’ “

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Titãs – Pluralidade Monolítica (Revista Qualis- 1993)

Em 1993 os Titãs embarcaram num projeto ousado: lançar um disco pesado, como já era característica da banda, porém numa pegada mais radical, e para tanto foi designado para produzir o novo álbum, Jack Endino, que havia produzido várias bandas grunge, o grande movimento internacional do rock na época. Assim foi concebido Titanomaquia. O disco anterior, Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, havia sido produzido pela própria banda, após uma bem sucedida parceria com Liminha. Para o próximo disco, a banda e os executivos da gravadora optaram por trazer um produtor de peso, e com grande experiência na vertente pesada que a banda queria adotar, e o resultado foi o esperado, um disco com uma pegada potente, em que foram extraídos da banda o peso e o vigor necessários para o projeto. Em sua edição nº13 a revista Qualis trazia uma matéria sobre o novo disco, assinada por Jean-Yves de Neufville:
“Do começo hesitante de ‘Televisão’, em 82, até a consagrtação como melhor grupo brasileiro de pop/rock com ‘Õ Blesq Blom’, em 89, um gráfico biorrítmico da carreira dos Titãs deve revelar uma revolução constante. Mas a partir de 90, a curva transforma-se num eletrocardiograma em disparada, reflexo do polêmico álbum ‘Tudo Ao Mesmo Tempo Agora’, um disco mal e porcamente produzido, de difícil digestão para os seguidores da primeira hora, mas apreciado pelos adeptos do barulho. Numa guinada radical, os Titãs deixaram o mainstream para assumir de vez sua vocação pelo rock pesado. Abriram mão da pluralidade de estilos e influências, e aderiram a uma leitura monolítica do rock’n roll. ‘Quisemos gravar discos mais condizentes com o que gostamos de tocar no palco’, justificam. ‘Foi uma adequação ao que a gente gosta de fazer, e ao que o nosso público gosta de ouvir’.
O título do novo disco, ‘Titanomaquia’, que costura a mitologia inserida no nome do grupo com a arte da touromaquia, e suas 13 músicas, reforçam a estética ‘animalesca’ que tomou conta da banda. Desfalcado de Arnaldo Antunes, o octeto virou literalmente um bicho de sete cabeças. Mesmo assim, antes de partir para uma carreira solo, Arnaldo deixou três composições, entre as quais ‘Disneylândia’, provavelmente a mais engraçada já cometida até hoje pelos Titãs. Ao adentrar num mundo musical que privilegia os decibéis, em que as palavras proferidas costumam ser mero instrumento, os Titãs inverteram a equação, construindo suas músicas em torno de suas/letras/poemas peculiares, destinados a produzir mensagens de impacto em torno do comportamento. Além disso, raros são os grupos que, com eles, incluem a escatologia em suas letras, retomando a tradição da sátira, consagrada por poetas como Gregório de Mattos. Viram o mundo às avessas para que as coisas fiquem no seu lugar: ‘Ao potencializar o seu defeito, você se fortalece’, justificam.
Foi exatamente o que fez o produtor Jack Endino. O papa dos grupos ‘grunge’ de Seatlle potencializou os defeitos gritantes dos Titãs, ordenou o caos, conferiu eficiência às músicas e ajudou a resolver a dificuldade número 1: combinar as letras quilométricas com a urgência minimalista dos riffs de guitarra. Embora inclua dois guitarristas, este é o primeiro disco do grupo em que o instrumento é realmente valorizado. ‘Desta vez, acertamos na porrada’, vibram. Mais uma vez está comprovado que os Titãs são altamente dependentes de um bom produtor. Segundo eles, enquanto o Liminha de ‘Õ Blesq Blom’, louco por tecnologia, interferia no trabalho ao ponto de se tornar mais um integrante da banda, Endino é um especialista que pode até arranhar uma guitarra aqui e lá, mas respeita os limites de sua função. Fora do estúdio Jack Endino pôde dar mais força aos Titãs. O produtor deixou versões prontas das músicas em inglês. O projeto é gravar um EP (formato reduzido do LP) com três faixas em inglês e duas em português, destinado ao mercado norte-americano. ‘Aceitamos, mas não sabemos que consequência isso pode ter’, explicam. Os cantores da banda reconhecem que dominam mal a língua de Shakerpeare e alegam que o resultado por enquanto é inferior ao original. ‘Precisamos de uma estratégia realista e modesta. Para lançar este disco nos EUA seria preciso fazer uma turnê de no mínimo seis meses, até começarmos a existir no mercado do rock alternativo’, analisam. No momento, a grande meta dos Titâs é conquistar a Argentina, onde está sendo lançada uma coletânea exclusiva, com músicas cantadas em português mesmo.”

quarta-feira, 14 de julho de 2021

O Acid-Rock do Jefferson Airplane

O Jefferson Airplane foi uma banda americana totalmente identificada com o acid-rock, uma variante do rock surgida na cena hippie e psicodélica de São Francisco, na Califórnia. Pode-se dizer que junto ao Grateful Dead, o Jefferson Airplane seja o maior representante do rock psicodélico americano dos anos 60 e 70. Participou de importantes festivais dos anos 60, como Monterey Pop, em 67, e Woodstock e o mal sucedido Altamond em 69, e tinha na voz e presnça de palco de sua vocalista, Grace Slick, uma de suas mais importantes marcas. Ao longo dos anos, a banda continuou seguindo sua trajetória, após a dissolução de sua formação clássica, mas aquele período marcante dos anos 60 e início dos 70, é que fez do Airplane uma das bandas mais marcantes daquele período do rock. A série de fascículos que saíram em bancas de jornais nos anos 90, As Feras do Rock, traz um capítulo dedicado ao Jefferson Airplane, que abaixo reproduzo:
“Seguir minunciosamente a saga do Jefferson Airplane, desde a sua formação em 1965, até a sua reaparição no final dos anos 80, é um complicado trabalho, já que somente a enumeração de todos os integrantes que passaram pelas diversas formações do grupo, ocuparia várias páginas deste texto. Integrado plenamente à corrente psicodélica dos anos sessenta, o Jefferson Airplane se destacou entre os grupos da época por sua formidável combinação de talentos individuais, que enriqueciam e diversificavam o som do grupo. Marty Balin, o principal impulsor da banda, conseguiu divulgar rapidamente o nome do The Jefferson Airplane entre os espectadores do Filmore Auditorium de São Francisco. Seu primeiro disco, Takes Off (1966), foi um sucesso relativo, que entre outras coisas, serviu para que a vocalista Signe Anderson fosse substituída por Grace Slick. Esta, além de contribuir com a sua notável voz, deu ao grupo duas músicas que faziam parte do repertório da banda com a qual cantava anteriormente, ‘White Rabbit’ e ‘Somebody To Love’. A combinação do universo surrealista de Lewis Carrol com a visão alucinógena de Timothy Leary, perfeitamente conciliados em ‘White Rabbit’, passou a ser uma das principais características da banda, e o álbum Surrealistic Pillow (1967), que continha esta música, foi o empurrão decisivo para a banda.
A apresentação do Jefferson Airplane no festival de Monterey, em 1967, o lançamento dos discos After Bathing At Baxters (1967) e Crown Of Creation (1968) consolidaram a reputação do grupo, que atingiu o auge com o potente álbum ao vivo Bless Its Pointed Little Head (1969) e com a participação da banda em outro acontecimento histórico da década, o festival de Woodstock. Infelizmente, um triste incidente ocorrido em Altamont naquele mesmo ano – um grupo dos Hell’s Angels assassinou um espectador e agrediu Marty Balin – marcou o início do processo de desintegração do Jefferson Airplane. Dryden e Balin resolveram abandonar a banda, enquanto Casady e Kaulen iniciaram um projeto paralelo ao seu trabalho com o grupo, com o nome de Hot Tuna.
Nem Bark (1971), nem Long John Silver (1972) ou ainda o álbum ao vivo Thirty Seconds Over Winterland (1973), chegaram ao mesmo nível dos anteriores discos do Jefferson Airplane, que desapareceu por um longo período para ressurgir com novas energias quase duas décadas depois, com 2400 Fulton Street (1989), embora esse renascer não tenha sido acompanhado por muita gente.
Por outro lado, Paul Kantner, um fanático por histórias de ficção científica, quando intuiu que o aeroplano começava a perder altura, criou a sua própria nave espacial, disposta a alcançar fronteiras inimagináveis. O primeiro teste de lançamento não podia ter sido mais promissor, pois Blows Against The Empire (1970) – assinado por Paul Kantner & The Jefferson Starship – não apenas se aventurou em temas conceituais, como também conseguiu uma nomeação para o famoso prêmio Hugo de ficção científica! Após oficializada a ruptura do Jefferson Airplane, Kantner continuou no comando do seu mutável grupo – Starship, Jefferson Starship, Starship Jefferson, KBC Band -, gravando discos bastante ambiciosos e cada vez menos interessantes: Dragon Fly (1974), Red Octopus (1975), Earth (1978), Freedom At Point Zero (1979), No Protection (1987) e Love Among The Cannibals (1989).”

terça-feira, 13 de julho de 2021

Lou Reed - Da Barra Pesada À Paz Doméstica (Revista Rock Stars - 1983)

Lou Reed foi um artista cuja imagem era associada a um mundo obscuro e barra-pesada. Uma espécie de poeta maldito que retratava em suas letras um submundo onde se encontrava uma camada marginalizada da sociedade americana. Sua imagem artística foi forjada nesse segmento, e Lou lançou vários ótimos discos, desde sua saída do Velvet Underground, uma banda também com fama de maldita, mas que é reconhecida e cultuada até hoje. Mas, enfim, Lou Reed deixou uma marca bem pessoal no panorama do rock. Em sua edição de estreia em 1983, a revista Rock Stars traçava um perfil de Lou Reed, e contava um pouco de sua trajetória:
“ ‘ Os críticos e as pessoas em geral pensam que eu sou os personagens que eu invento. Eu pessoalmente não acho isso ruim, mas eles estão redondamente enganados. Tudo o que eu faço é observar as coisas, as ruas. Observar nada, eu roubo mesmo. Eu roubo qualquer fato, qualquer ideia, qualquer canção que eu acho boa. O verdadeiro Lou Reed é uma pessoa que cuida da saúde, que conversa sobre negócios e sabe exatamente quanto ganha.’ Em meados da década passada, todo mundo achou que Lou Reed estava apenas querendo embaralhar os conceitos sobre ele, propondo outra imagem, contraditória com as anteriores. Hoje estas declarações soam mais verdadeiras, quando The Blue Mask e Legendary Hearts mostram o ex-príncipe das trevas calmamente recolhido à paz doméstica. Antigos fãs sentem-se traídos.
Vai aí certa dose de exagero, assim como exagerada era a idolatria que o Lou Reed ‘maldito’ provocava. Filho de um próspero advogado, Lou Reed se debruçou sobre o subterrâneo depois de ler autores como Rimbaud, Baudelaire, Genet, Kerouac. Foi aos quarteirões do meretrício observar a decadência, ‘as figuras, as bonecas’. E daí emergiu como um cronista da barra pesada, com poesias e letras de músicas sobre drogas e drogados, assassinatos, paranoias, taras. O poeta não vingou, o letrista sim. Como acontece sempre nessas descidas aos infernos, não permaneceu apenas observando os fenômenos. Viciou-se em heroína, teve ligações homossexuais. E, a meio caminho, decidiu se preservar – talvez porque já tivesse chegado onde queria, com o reconhecimento de seu talento.
Em Coney Island Baby (1976), ele já aparece distanciado do ambiente que retratava, avaliando com simpatia e compaixão a saga dos que se esbatem nos subterrâneos, buscando as verdades e ideais ausentes do mundo do desempenho e do consumo. Aliás, foi quando este se demonstrou inabalável, após as jornadas contestatórias dos anos 60, que muitos sonhadores resolveram se entregar aos pesadelos, à marginalização assumida, à loucura e auto-destruição. Como os nobres orientais de outrora, não quiseram sobreviver à derrota. Desatinados mártires, tombaram nos becos e nos hospícios, enquanto a maioria silenciosa desfrutava os cânceres de sua vitória. Enfim, em 1982, Lou Reed enterrou o passado e desfez as lendas a seu próprio respeito. Há muito deixara de ter algo a ver com o ‘wild side’. Casou e confortou-se com o amor possível: amores lendários e sonhos inatingíveis não aquecem a velhice. Ainda se permite chorar pelos que ficaram no caminho, os Johnnys e Mickys e Jerrys que não chegaram a porto seguro. Mas, decididamente, já se separou dos personagens que ‘inventou’ em suas melhores canções.”

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Legião Urbana - Uma Noite de Som e Fúria

Os shows da Legião Urbana, uma das bandas mais populares dos anos 80, sempre foram carregados de grande expectativa, e muitas vezes polêmicas. Mas em termos de repercussão negativa extra-musical, talvez o mais comentado tenha sido no estádio Mané Garrincha, em Brasília, justamente a cidade onde a banda se formou. Esse show aconteceu em 1988, e causou um enorme mal-estar entre a banda e os fãs brasilienses, a ponto da Legião nunca mais tocar na cidade. Havia um clima de violência entre o público e os policiais responsáveis pela segurança, a ponto do show ser interrompido algumas vezes. Mas o que incitou mais fortemente o clima de revolta naquela noite, foi o fato da banda ter antecipado o fim do show, por não se sentir segura e à vontade no palco. Muitos fãs se sentiram desrespeitados, e iniciou-se um quebra-quebra generalizado. O show durou menos de uma hora devido ao pânico que se formou , e os fatos foram relatados em matéria da revista Bizz, muitos anos depois, em março de 2000. Segue a matéria: “É Dado Villa-Lobos quem garante a autenticidade do slogam: ‘Show da Legião, sempre uma nova emoção’. Mas nada foi tão perigosamente emocionante para Dado, Renato, Negrete e Bonfá do que a noite friorenta de 18 de junho de 1988, quando a Legião Urbana realizou o mais polêmico show de sua carreira, no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Foram 58 minutos de som e fúria presenciados por 50 mil pessoas – entre elas 11 mil que não pagaram ingresso.
A confusão toda começou cedo. Dezenas de ônibus que vinham das cidades-satélites foram apedrejados por uma horda de fãs (?) ansiosa para conferir a volta da Legião, um ano e meio depois do último show na cidade. Era a turnê de lançamento do disco Que País é Esse?, e a música que batiza o disco foi a primeira das onze músicas tocadas pela banda. ‘Boa noite, Brasília. A gente vai se divertir? Legal’, saúda Renato, eufórico com o retorno à capital. ‘Quando saiu do Rio, ele falou pra mim: ‘Tô indo para fazer o show da minha vida’, revela dona Carminha Manfredini, mão do vocalista. Menos de 20 minutos depois de iniciado o espetáculo, o primeiro incidente sério. A segurança falha e um desiquilibrado mental pula no pescoço do cantor, que tem de usar o microfone para se livrar do invasor. ‘Eu disse que Brasília era uma cidade estranha...’, brinca Renato. Ele enxerga uma série de brigas perto do palco e avisa: ‘Tá todo mundo se matando aqui, hein?’ e emenda com ‘A Hard Day’s Night’, dos Beatles. A alegria do início se dissipa e predomina o clima de tensão.
Durante ‘Ainda É Cedo’ (música que sempre foi utilizada pela banda para resolver problemas de som sem precisar interromper o show), pipocam mais brigas na frente e ao lado do palco. Os seguranças descem o braço com vontade e Renato toma as dores de um fã que está sendo espancado. “Para, solta ele, solta! Que história é essa de mão no cara? É por isso que a gente só volta aqui de ano em meio em ano e meio, não dá pra se divertir...’, lamenta.
A situação se torna insustentável com a explosão de bombas de São João no palco. ‘Da próxima vez a gente vai acender a luz e ir embora’, ameaçou Renato, antes de começar a cantar ‘Faroeste Caboclo’. As bombas continuam a estourar perto dos músicos e, depois de ‘Tempo Perdido’, o vocalista anuncia a última música do show: ‘Esta é para todos nós...’, e começa a cantar ‘Será’ (‘Brigar pra quê/Se é sem querer...’). A Legião deixa o palco. O público, que esperava uma maratona de mais de duas horas, não se conforma com o encerramento abrupto. Quem está na frente começa a destruir as grades de proteção do palco e, no empurra-empurra, muita gente fica machucada e desmaia. O posto médico registra 400 atendimentos e, na saída, mais depredação e inúmeras brigas com a polícia, que joga cavalos e cachorros em cima do público. O caos é total, e não há a menor possibilidade de um bis. A Legião deixa o estádio. Renato segue direto para o apartamento dos pais, na Asa Sul, onde chega em estado de choque e mergulha numa banheira cheia com água quente e sal grosso.

domingo, 11 de julho de 2021

Os Dez Anos da Jovem Guarda (Revista Pop - 1975)

Em setembro de 1965 estreava na TV Record de São Paulo o programa Jovem Guarda, apresentado por Roberto Carlos, e tendo como co-apresentadores, Erasmo Carlos e Wanderléa. A história provou que o evento não se trata de somente um programa de TV de grande repercussão e elevados índices de audiência, como tantos outros da televisão brasileira. Muitos consideram, sem exagero, que o programa representou o real nascimento do rock brasileiro, tanto que o nome “Jovem Guarda” é mais usado para definir um movimento musical do que propriamente um simples programa de TV, embora os dois conceitos se entrelacem, pois sem o forte apelo comercial e o impulso que atração dominical da TV representou, o movimento musical teria acontecido de forma mais discreta. É certo que anteriormente à Jovem Guarda já havia acontecido um movimento de rock no Brasil, bem no início da década de 60, em que se destacaram, por exemplo, Cely Campelo, seu irmão Tony Campelo, Demétrius, Sérgio Murilo, Carlos Gonzaga e outros, mas foi a Jovem Guarda que trouxe uma linguagem mais representativa de algo que se podia chamar de “rock brasileiro”. Tanto é que em setembro de 1975, exatamente dez anos após a estreia do programa, a revista Pop nº 35 trazia uma matéria sobre a primeira década de surgimento do movimento, e trazia o título de “Assim Nasceu o Nosso Rock”. Uma introdução da matéria diz:
“Faz exatamente dez anos: em setembro de 1965, foi ao ar o primeiro programa Jovem Guarda. Uma revolução: em pouco tempo, Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa, seguidos de caras como Eduardo Artaújo, Martinha, e Wanderley Cardoso, eram ídolos do Brasil inteiro e mudaram o comportamento de toda a juventude. Foi ‘uma brasa, mora!’ “ Um box especial publicado contava um pouco da história de como tudo começou, e transcrevo abaixo: “Em agosto de 1965, as transmissões diretas de futebol pela televisão foram proibidas, para aumentar as rendas. Foi aí que Paulo Machado de Carvalho, diretor da TV Record (SP), teve a ideia: para substituir o futebol e garantir audiência, a TV apresentaria um show musical para a juventude, comandado por aquele cantor de 24 anos, com ar triste e simpático, que até aquele momento tinha colocado algumas músicas nas paradas de sucesso.
Roberto Carlos topou na hora e exigiu a participação de seu parceiro e amigo Erasmo Carlos no programa, mais alguns conjuntos de iê-iê-iê que seguiam as pegadas dos Beatles. Os caras da agência Magaldi, Maia & Prosperi, encarregados de bolar o programa, sacaram que faltava uma cantora para conquistar o público masculino. E, por sugestão de Roberto e Erasmo, optaram por Wanderléa. A primeira ideia de nome para o programa foi Festa de Arromba, mas alguém lembrou a frase histórica: ‘O futuro pertence à Jovem Guarda, porque a Velha está ultrapassada’. E assim nasceu a Jovem Guarda. Bolado o esquema, a ideia foi levada aos possíveis patrocinadores. E três empresas recusaram: ‘Não é conveniente ligar nosso nome a esses playboys cabeludos’, diziam. E a própria agência encarou a produção e patrocínio do programa. Para cobrir o custo da produção, lançou-se as marcas Calhambeque, Tremendão e Ternurinha, registradas em nome da agência e pagando royalties aos cantores. Fábricas de tecido, roupas e sapatos assinaram contratos para o uso das marcas em novos lançamentos de moda jovem.
Desde a estreia, no dia 6 de setembro de 1965, os programas eram feitos num clima de alegria e espontaneidade. Roberto e Erasmo lançaram gírias (‘legal’, ‘barra limpa’, ‘é uma brasa, mora!’, ‘bidu’...), antes usadas só por sua turma, que incluía Tim Maia, Jorge Ben e outros caras. Nas grandes cidades e nos subúrbios, a meninada se identificou de cara com a Jovem Guarda. Roberto Carlos, ao mesmo tempo que passava uma imagem de rebelde e inovador, cultivava a imagem de bom menino e foi conquistando adultos, velhos e crianças. Seis meses depois da estreia, a Jovem Guarda tinha vendido 350.000 peças de seus produtos, Roberto mais de 1 milhão de discos e o programa era visto por mais de 2 milhões e meio de telespectadores em todo o país. Mas, em 68, o interesse do público caiu, os patrocinadores se desinteressaram e a Jovem Guarda acabou.”

sábado, 10 de julho de 2021

Moraes Moreira - Show "Tropical" (1981)

Moraes Moreira foi um compositor de grande popularidade durante sua carreira. Após se consagrar nos Novos Baianos, Moraes seguiu em carreira-solo, e lançou discos que lhe renderam muitos sucessos. Em 1981 Moraes viva um momento muito positivo em sua carreira, que havia, inclusive, lhe rendido um show no prestigiado Festival de Jazz de Montreux na tradicional Noite Brasileira, ao lado de Toquinho e Elba Ramalho. Os shows de Moraes costumavam lotar e contagiar o público, e assim foi o seu show Tropical, comentado na revista Música nº 57. A matéria é assinada por Vana de Campos:
“Depois de sua apresentação em Montreux e no Festival de Iacanga Águas Claras), o resultado não podia ser outro. Casa cheia durate todos os dias em que se apresentou em São Paulo (Teatro Pixinguinha, de 12 a 22 de novembro). Em meio a coloridos pássaros tropicais, entra Moraes Moreira, completando a tropicalidade do palco. Mostrando seu ‘superbrasileirinho’ musical que já de cara, mexe com a plateia.
O novo show de Moraes Moreira é apresentado como se fosse uma viagem através de sua carreira, desde o seu começo em São Paulo. Cantando e contando a sua história, Moraes vai guiando assim a plateia por sua trajetória artística. O show começa com ‘Ferro na Boneca’ da época em que liderava os Novos Baianos. Mais tarde conta a importância deles em sua carreira e suas experiências divididas. A retrospectiva prossegue até seus últimos sucessos, incluindo ‘Festa do Interior’, gravada por Gal Costa e ‘Vida Vida’ por Ney Matogrosso.
Neste show, foi acrescentado em sua banda alguns metais e teclados, o que não havia em shows anteriores. Pode-se dizer que a banda estava em sintonia com Moraes, e dessa harmonia deixava-se fluir um som altamente provocante com ‘cheiro’ de carnaval baiano. Moraes, que representa uma das ‘escolas’ saídas da Bahia, não ficou em descrédito com os que assistiram a seu show, mostrando para estes o melhor da música ‘pra-pular’ brasileira, ainda sem influência ‘Extra-Terra de Santa Cruz’. O destaque especial vai para o guitarrista e arranjador Toni Costa, que chamou a atenção de todos com o seu jeito de tocar e sua postura de palco.”

sexta-feira, 9 de julho de 2021

João Ricardo - Ex-Secos & Molhados - Lança Seu Segundo Disco (1976)

Após o grande estouro e o sucesso estrondoso dos Secos & Molhados, e sua dissolução, após o lançamento de seu segundo disco, o grande desafio de seu fundador, João Ricardo, foi o lançamento de sua carreira-solo. Já em 75, João lançaria o seu primeiro disco, cercado de grande expectativa e um grande investimento da gravadora Phonogram, o disco não obteve o resultado esperado em termos de venda. No ano seguinte, João Ricardo, ainda respaldado pelo sucesso dos Secos & Molhados, pela mesma gravadora lançaria seu segundo álbum, Da Boca Pra Fora, Mora. Na ocasião, em sua edição nº 22, de setembro de 1976, o Jornal de Música traria uma matéria sobre o lançamento, com uma entrevista com João, assinada por Zé Antônio, e intitulada “Para Fugir do Passado um Simples Disco de Rock”: “Ele carrega com indisfarçável orgulho, certa mágoa e algum cansaço, a fama de ter sido o fundador dos históricos Secos & Molhados. Tem também a experiência de um disco-solo (após a dissolução do conjunto) não muito bem recebido por público e crítica (‘acho que vendeu umas 30 mil cópias; o negócio da briga ainda estava muito quente e prejudicou as vendas’) e chegou até a tentar ser mais um ‘rei do rock brasileiro’. Mas em seu novo disco-solo, Da Boca Pra Fora,Mora, que vai ser lançado ainda este mês, João Ricardo mostra que tudo isso não tem nada a ver. ‘Olha, eu atualmente já não tenho compromisso com nada. Fiz este disco me divertindo, tocando com músicos novos, de conjunto de baile, e reaprendendo com eles a simplicidade.’ E no fim , o disco é isso mesmo – um disco de rock, dançável e eficiente, entremeando com algumas baladas, e com letras de fácil assimilação. Nas paredes de sua cobertura, numa rua menos barulhenta do centro de São Paulo, muitos posters dos Beatles e dos Secos & Molhados, além de uma grande foto de seu rosto pintado. Apesar de pedir para que o assunto S & M seja evitado, o próprio João Ricardo, invariavelmente, volta a falar nisso. ‘Esse disco é outra coisa, acho que agora já terminou uma época posterior ao fim do conjunto em que ainda havia muita influência daquele trabalho. Esses dias eu até estava comentando com o Ney Matogrosso: quando cada um de nós começou a fazer seu próprio trabalho fomos muito prejudicados por uma comparação que todo mundo fazia com o trabalho do grupo. Agora o tempo passou e parece que tudo isso desapareceu. Ainda bem.’ Sim ou não, a verdade é que ele está muito confiante no resultado de seu atual trabalho. Conta que o instrumental todo do Da Boca Pra Fora, Mora ficou por conta de Vanderlei (nas guitarras), Juba (bateria) e João Ascensão (baixo). ‘É uma moçada da Pompeia, aqui de São Paulo, com muita estrada de conjuntos de bailes e domingueiras, mas que nunca tinham transado gravação ou mesmo tocado com artistas mais famosos. E para mim está sendo uma ótima: não tenho interesse em ser starlet, e estou aprendendo. Acho que é o seguinte: estou chegando ao fim de um processo, assim, de despojamento. Estou me sentindo de novo um garoto, como antes de Secos & Molhados acontecerem.’ Lembrando de nova história e a glória do conjunto, João Ricardo cita os Beatles. ‘A mesma coisa acontece com os ex-beatles. Nenhum deles consegue dar uma entrevista sem terminar falando nos tempos em que tocavam juntos – as pessoas forçam. Comigo, com o Ney, acontece a mesma coisa. Bom... eu fundei a banda, já com o nome de Secos & Molhados em 1970, com uma garotada que não tinha nada a ver. E, sei lá, um dia ouvi o Ney cantando na casa de uma amiga, no Rio, e gostei muito da voz dele. Mas eu estava procurando um cantor para um conjunto de rock – que no fundo Secos & Molhados foi mesmo um conjunto de rock, não é? – e ele só cantava umas músicas antigas, de fossa, umas coisas assim que eu achava muito chatas. Mas convidei, ele veio para São Paulo comigo, e começamos a trabalhar. Até para que o grupo se firmasse foi importante ele ter vindo, ele estava jogando tudo nisso, e me influenciou para levar mais a sério a banda, deixar de lado outras coisas, como o trabalho – eu era jornalista na época – e assumir esta barra mesmo.’ E Gérson Conrad, onde entre na história?
'Olha, eu e Ney começamos a trabalhar, e tal, mas vimos que dupla não dava pé, precisávamos de pelo menos mais um cara, um baixista. Eu já conhecia o Gérson desde pequeno, ele tinha sido meu vizinho e era meu amigo. Então convidamos ele e ficou bem. Mas ele sempre ficou meio dividido, mais do que eu, com outras transas. Nunca assumiu totalmente a coisa de Secos & Molhados - tinha estudo, trabalho e tal. Quando a banda se separou ele chegou a fazer um trabalho-solo, mas não sei... Acho que atualmente Gérson está parado. Também no conjunto, ele só fez uma música - Rosa de Hiroshima, muito linda -, mas foi só. E não existe compositor de uma música só, não é?' O próprio João Ricardo conta que ficou quase dois anos bem afastado da cena musical, sem procurar serviço. 'Pois é, agora quero voltar com tudo, fazer TV, fazer turnê pelo Brasil todo.' Ele pretende chegar 'com simplicidade' ao grande público - com os próprios Secos & Molhados, apesar de não gostar da comparação. Mas, mesmo sem caras pintadas, acha que o caminho é esse. 'O rock só não existe bem mais no Brasil porque os roqueiros ainda se fecham muito, são curtidos sempre por uma minoria, por uma pequena parcela do público. Tem que chegar na massa. Você vê a Rita Lee, por exemplo: este último disco dela aconteceu, fez todo ese sucesso, porque tinha algumas músicas - como Ovelha Negra - bem simples, fáceis de ser cantadas e assimiladas. O artista tem que conceder um pouco, dentro de seus valores, para chegar ao fim. Que é o público, e a gente não pode esquecer disso.' Exatamente por isso, no seu Da Boca Pra Fora, Mora (também nome de uma das músicas do LP), ele inseriu pelo menos uma canção 'extremamente acessível' ('dá até pra trilha de novela', conforme Ezequiel Neves) que é Mal Amada. Sobre outra das características de seu trabalho - a infalível presença de citações à América Latina (vide Sangue Latino, do primeiro disco dos Secos & Molhados) - João Ricardo diz que isso foi uma coisa sempre muito natural pra ele. 'Sei lá... apesar de ser português, moro há muitos anos no Brasil. Sangue Latino nasceu de um estouro: um dia estava lendo uns poemas de um amigo e li aquilo. Puxa, na mesma hora peguei a viola e pintou a música. Nasceu assim. E esta coisa latina sempre pinta nos meus discos - agora mesmo neste que vai ser lançado tem um bolerinho. Mas a verdade é que latino-americanismo entrou na moda agora. Todo mundo partiu pra explorar esse tema, não sei até que ponto as pessoas acreditam nisso, até que ponto estão se identificando com isso. Sei lá, acho que o Belchior, por exemplo, cantando 'Sou apenas um rapaz latino-americano' não tem nada a ver. A gente já fez isso com os Secos, anos atrás. Agora é só moda.'
Foi muito bom, ter sido um sucesso aos 23 anos, conta João Ricardo. 'Consegui alcançar o que queria, o que qualquer roqueiro, o que qualquer músico quer: o sucesso. Além disso, foi ótimo também isso já ter acontecido, porque fiquei vacinado contra a barra toda que este negócio de ser estrela traz. Quero é tranquilidade agora, não fico mais sonhando com as luzes. Até a bad que foi a separação do conjunto, as brigas e tal, estão aí servindo como experiência e aviso pra que os mesmos erros não sejam repetidos.' E a imagem famosa, um dos motivos do grupo ter acontecido, numa determinada época, de certo modo chocando as pessoas? E a tal androginia? 'Olha, uma vez Millôr Fernandes me perguntou isso e eu respondi pra ele que é isso mesmo, cara. Cada um sabe de sua vida, é uma questão particular. Androginia é só um nome, não é? Antigamente chamavam de bicha, fresco, sei lá. Androginia mascara mais a situação. Mas no fundo é a mesma coisa, e eu, honestamente, só posso dizer que a gente, nos Secos & Molhados, jamais tivemos a intenção de faturar em cima disso, de chamar a atenção por causa disso. Se esta imagem pintou é porque é real'. "

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Gal Costa - Dez Anos de Carreira (O Globo - 1977) - 2ª Parte

"- Você ficou totalmente segura com este seu último trabalho, principalmente o show 'Com a Boca no Mundo'? Não teve nenhuma dúvida, nenhuma hesitação com relação aos rumos da sua carreira? - Não, não tive em nenhum momento. Acabou os Doces Bárbaros e fiquei uns quatro meses parada, pensando, escolhendo repertório. Só houve dúvidas com relação a isso, a repertório, e também uma resistência da minha parte a fazer no teatro Carlos Gomes, que eu achava muito longe de tudo, muito grande... Mas depois Flávio Império me convenceu que podia fazer uma coisa bonita lá, e eu aceitei. Foi minha hesitação. De resto era aquilo mesmo que eu queria fazer, era um espetáculo sem direção musical nem nada, eu é que passava os climas todos para os músicos, que são as pessoas que entendem mesmo disso (eu, por exemplo, não sei nada de música assim na teoria). Mas saiu o que eu quis fazer. E eu nunca faço as coisas de outro modo, sempre me jogo inteira no que faço, é aquilo mesmo, não tem como me arrepender. Se acontecem erros, acho bom cometer alguns, mas se eles fazem parte daquilo em que você acredita totalmente naquele momento, então é como se não existissem, fazem parte de você. Eu sei que a crítica pichou muito o espetáculo, mas eu não liguei. Eu subia no palco toda noite com mais força, mas acreditando. E tem que ser assim, se não não se faz nada.
- Você hoje ainda tem o mesmo pique dos tempos do tropicalismo de 'Fa-Tal'? O passar do tempo não te assusta? Digo isso porque você tem uma imagem muito forte de roqueira, de pessoa ligada à juventude... - E eu tenho mesmo por causa do meu cabelo, meu modo de vestir, de viver, tudo isso fala de um jeito roqueiro que eu tenho mesmo, é muito forte em mim, e eu gosto. Hoje em dia eu acho que não tenho nenhum gênero musical específico, eu canto um pouco de tudo, é isso, por exemplo, que eu gosto mais nesse meu último disco 'Caras e Bocas', o fato de ter um pouco de tudo. Mas eu acho que eu tenho um fundo muito forte de roqueira. E essa coisa negra que eu sou fascinada, música negra de toda espécie, Stevie Wonder... Sou fã de Stevie Wonder. E, eu acho que tenho uma alma negra. Então eu sou mesmo ligada a uma coisa de juventude por causa de tudo isso. Mas já foi mais. Na época do tropicalismo eu tinha uma imagem muito radical, com os gritos, o cabelo... As pessoas ou me amavam loucamente ou me achavam horrenda, piolhenta. E a minha plateia era toda de meninada cabeluda, hippie. Hoje eu diria que está mais equilibrado, tem meninada , mas tem outras pessoas também, mais caretas, mais comportadas, e isso é bom. Mas o pique, o meu pique é o mesmo, e até muito maior, porque cada vez mais me sinto à vontade no palco, então não me guardo em nada, me coloco inteira ali, é muito mais forte. <b>- Hoje, o que você acha que determinou essa sua explosão na época do tropicalismo? Foram os acontecimentos externos, o momento? - Ah, foi o momento todo muito forte, aquela época de discussões fortes sobre forma, música brasileira, sobre tudo... Isso passou pra mim. Meu mestre sempre tinha sido João Gilberto, e ainda hoje é: aquela coisa pura, exata, mas muito intimista. Eu era assim. Depois eu explodi, foi o avesso de tudo. Veio o grito, e tudo mais. Mas depois não sei se a palavra é bem consciência, ou maturidade... as palavras traem um pouco a gente. E, bom, maturidade, veio o equilibrio entre eses dois lados... acho que é maturidade mesmo, uma coisa muito bacana de se alcançar. Acho que a gente pode localizar isso mais ou menos na época do 'Fa-Tal', por aí... - E o que foi feito de todo esse momento forte que você falou? As explosões terminaram? - Bom, depois de uma explosão tem sempre outra, de forma diferente. As explosões nunca terminam, sempre vem outra e outra, sob novas formas. Estão aí até hoje.
- Mas hoje, você estando madura, como você disse, você ainda estaria disposta a se arriscar, a correr algum risco em seu trabalho? - Eu estou sempre me arriscando, o risco esteve sempre presente no meu trabalho. A coisa experimental junto com o lado mais comercial. Eu corri risco quando me apresentei com Caymmi, quando fiz o Teatro Carlos Gomes... o risco já está dentro mesmo da minha carreira. Agora, eu sei que não existe mais o risco que possa, como direi, abalar a minha posição dentro da música brasileira. Mas num outro sentido, o risco está dentro das coisas que eu faço. Como eu disse, o pique é o mesmo. É até maior, porque eu não me guardo. Eu não me preocupo mais com a minha voz, eu sei que canto bem, então a voz vai levada só pela emoção. É uma coisa muito mais relaxada, mais intensa.
- Você disse que era fã do Stevie Wonder. É fã de mais alguém? Alguma pessoa nova, aqui no Brasil, você gosta? - Sou fã de Rita Lee. E de Cassiano. Acho quie ele tem uma voz maravilhosa, canta de uma maneira incrível, tão próximo de Stevie Wonder... do pessoal novo... olha, acho que só tem o Cassiano, mesmo. Sou fã dele. -Você disse que o momento do tropicalismo estimulou você a explodir. E hoje, o momento que a música brasileira passa te estimula também? - Me estimula, sim, a ser cada vez mais como eu sou e acreditar no que eu faço. Essa preocupação com política, com discussões políticas, essa cobrança... - Você acha que isso é o mais importante deste momento? - Acho. Do ponto de vista da crítica, é o que tem mais, e está mesmo dentro de tudo o que está acontecendo no Brasil. Agora, a gente... eu continuo criando inteiramente desprerocupada disso. Eu sou uma artista, me preocupo com a arte. E essa cobrança toda me faz ficar cada vez mais ligada ao que eu penso ser o papel político do artista, que é o que eu falei no começo."

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Gal Costa - Dez Anos de Carreira - O Globo (1977) - 1ª Parte

Em 1977 Gal Costa completava dez anos de carreira. Debutando em disco em 1967, ao lado de Caetano Veloso no álbum Domingo, ainda em uma fase pré-tropicalista, Gal viria a cada ano firmando seu nome entre as grandes vozes da MPB. Seus álbuns, sempre muito bem produzidos, atestavam a grande artista, de voz bela e afinada, que um dia encantaria o ídolo João Gilberto, e depois, o Brasil. Na edição de 06/11/77 o jornal O Globo trazia uma matéria e entrevista com Gal, assinada por Ana Maria Bahiana, que falava justamente sobre sua trajetória na música naqueles dez anos. A matéria trazia como título “Gal Costa – a estabilidade, aos dez anos, de uma carreira feita de riscos”. Postarei a matéria em duas partes. Segue a primeira: “Para qualquer apreciador médio de música popular – até e principalmente o fã, essa espécie preciosa jamais extinta – parece claro que Gal Costa, como seus companheiros e companheiras de geração, está atravessando uma crise. No bom sentido: um impasse, uma encruzilhada, um momento de decisões. Gal pertence, mais que isso, é figura de proa de uma geração de criadores que construiu os caminhos por onde a maior parte da música brasileira passa até hoje. Nela, há mais um elemento atraente: ela foi figura polêmica, alvo de paixões e ódios no nível mais emocional, modelo de muita garota, uma espécie de Janis Joplin tropical, estrela rock-funky brasileira.
Gal, agora está com 32 anos, dez de carreira e sucesso. O cabelo continua imenso e crespo e bonito ‘como a juba de um leão’, como dizia a letra de ‘Cultura e Civilização’. Mas ela não grita mais, não urra, não pula pelo palco, possessa. Muito confidencialmente, seu empresário Guilherme Araújo delineia a futura Gal Costa: uma cantora de alto nível, fazendo um espetáculo apenas por ano – ‘para manter o prestígio’ – com uma produção cuidada, quiçá luxuosa. (‘Como Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, não é mesmo?’) Concertos, recitais para ela entrar e cantar, apenas. Porque, ele diz, ‘na verdade não há nada de completamente novo que Gal possa fazer, a essa altura de sua carreira, com dez anos de trabalho.’ Vestida de branco (porque era sexta-feira), pálida (porque está trabalhando continuamente há vários meses, excursionando com seu show ‘Com a boca no mundo’ remodelado por Wagner Tiso), Gal falou mais do que costuma, com a calma que é comum nos baianos. Falou do tropicalismo, de seus dez anos de carreira, das explosões passadas, da maturidade, dos Doces Bárbaros, de política e, é claro, de música. Não usou nem uma vez a palavra ‘crise’ e disse não ter dúvida alguma sobre nada. Mas falou muito em ‘risco’ e ‘estabilidade’. Na verdade, o tempo todo a conversa oscilou entre esses dois polos. Gal Costa, risco e estabilidade: retrato de uma estrela amadurecendo. -Seria bom fazer, um retrospecto do seu ponto de vista, das coisas que você sentiu, desses últimos trabalhos seus. Desde ‘Gal Canta Caymmi...
- A ideia do trabalho com Caymmi não foi minha, você sabe. Na realidade foi uma proposta da Phonogram, através do Roberto Menescal como uma coisa diferente que eu poderia fazer dentro da minha carreira. Não aceitei na hora. Eu não via muita relação entre eu e Caymmi a não ser o fato de sermos baianos, termos a mesma raiz, e tal. Mas ele pertencia a todo um outro tipo de visão, de trabalho, tinha outro tipo de público, inclusive. Confesso que tive um certo receio de fazer esse trabalho, pensei muito sobre ele. Acredito que foi um risco muito grande que eu corri, porque era um tipo de coisa a que meu público, as pessoas que sempre me curtiram, não estava acostumado. Mas eu gosto muito de riscos, de me expôr a riscos, está na minha natureza. Depois eu ouvi atentamente vários discos de Caymmi, inclusive muitos que o Hermínio Bello de Carvalho me emprestou, e, senti que Caymmi tinha aquele lado todo forte, negro, que eu podia aproveitar dentro de minha linha de trabalho, aquele lado de ritmos, funky, que é muito forte em mim. Então foi a partir daí que eu aceitei fazer esse trabalho. E foi muito bom no palco, foi quando eu comecei a amadurecer mesmo como intérprete, ficar inteiramente relaxada com relação ao público, inclusive. E Caymmi é um amor de pessoa, foi muito estimulante e sem grilo trabalhar com ele. Mas eu gostaria que você fizesse perguntas mais específicas, se não eu vou ficar a vida discursando sobre Caymmi e tudo e vou me perder.
- Então eu lhe perguntaria especificamente sobre os Doces Bárbaros, se aquilo funcionou como um ‘revival’ pra você, se marcou sua carreira, se houve algum tipo de problema para adaptar as quatro personalidades num trabalho de grupo. - Foi ótimo, o melhor de tudo foi o encontro de quatro personalidades fortes depois de dez anos de carreira e separadas. A ideia era essa mesma, o encontro, fazer com que desse encontro de quatro cabeças surgisse uma só, que era o grupo. E surgiu, eu acredito que surgiu. Não houve nenhum problema interno, nenhuma diferença a contornar, nada. – Foi mesmo uma coisa de amor, a gente se entregou com amor a esse trabalho, então não houve nenhum problema. Agora, acho que a crítica não entendeu bem isso. Muita gente ficou esperando de Doces Bárbaros um pronunciamento político, uma coisa assim, mas o político, o forte, o bonito era a nossa união, o nosso encontro, o fato da gente estar ali no palco cantando, se amando e se divertindo, isso era político, era um toque, uma coisa forte... Em muitas entrevistas ultimamente têm me perguntado essas coisas de arte e política, por causa do envolvimento de Caetano e tudo... Eu defendo a liberdade de criar. Eu crio, sou uma cantora, quero ter liberdade de criar, quero fazer o canto, a arte pela arte, mesmo. Para fazer política temos políticos, não é nesse sentido que eu vejo a arte sendo política. A arte é política quando, como Caetano faz e sempre fez, propõe uma coisa nova, forte, uma renovação formal, violenta, de linguagem. Isso é político e não é, porque a arte tem mesmo que ser o principal para o artista. Eu falo assim, mas não é pra pichar ninguém. Tem muita gente sincera, verdadeira. Chico é sincero e verdadeiro em tudo que faz, ele faz as coisas de um modo bacana porque ele é assim mesmo, é sincero. Agora, tem muitos oportunistas, gente já fazendo coisas num determinado sentido pra agradar as plateias de estudantes, pegar o momento e tal.” (continua)

terça-feira, 6 de julho de 2021

Seleta Mautneriana

Em sua coluna diária que publicava em O Globo nos anos 70 e 80, Nelson Motta falava de música e seus personagens. Em uma dessas colunas, que não sei a data, mas que creio que seja do início dos anos 80, o colunista a dedica a frases de Jorge Mautner, que além de compositor e cantor é escritor, e por que não dizer?, um pensador. Daí o título de “Seleta Mautneriana”: “Algumas observações de Jorge Mautner sobre Vinícius: ‘... alguém plasmado para a Academia cai no samba, e assim, torna-se um dos mais importantes, se não for o mais, de toda essa Revolução Cultural de que falo, sou testemunho e agitador permanente.’
Sobre Jorge Ben: ‘... seu Flamengo, seu futebol, suas mulheres com nomes de flores, sua mitologia absolutamente popular, urbana & cósmica, sensual & ideogrâmica. Um paradoxo harmonizado: revolucionário e machista!’ ‘Sábio, naturalmente participante desta cultura nova equivocadamente batizada pelos inimigos de ‘inferior’, ‘primitiva’, ‘oportunista’ e ‘superficial’, sempre confiou em sua intuição soberana. Já intuiu há tempos atrás a soul music, o disco, e foi um dos primeiros a sincretizar o rock, mais do que Roberto Carlos ou Erasmo...’ ‘Por falar em Heidegger, Jorge Ben traça infinitas filosóficas poéticas ilações entre a mitologia negra e a mitologia grega, e as considera iguais em valor, exuberância e importância, desde há muito.’
A visão mautneriana do Brasil 2000: ‘...um dos principais focos irradiadores da nova cultura de um planeta mergulhado numa rede de multinacionais, intersindicais, coberta por milhares de satélites, um mundo que caminharia para a união de todas as nações ao mesmo tempo que aprofundando-se em cada cultura nacional particular específica...’ Interessante e certamente polêmica a interpretação de Mautner do permanente ‘Antônio das Mortes’ no cinema de Glauber, a quem saúda como um dos líderes culturais da Nova Era:
‘Glauber é pacifista e representa a total consubstanciação do crepúsculo das ideologias lineares. Glauber considera os militares não com os preconceitos usuais de cabeças preconcebidas de civis e ratos de bibliotecas, amedrontados, mas sim como um Homero eletrônico que vê os homens tão iguais em sua condição humana, divididos em castas onde cada qual ostenta sua poética e dignidade, oriundas de funções ancestrais: nesta visão os militares são a casta dos guerreiros. O personagem que é ambíguo, e que é Antônio das Mortes, o matador de cangaceiros, é uma figura obsessiva, recorrente, dos sonhos e visões deste cineasta do Mistério, casado com a História, e dizem, sempre representou o Exército.’ Em certa parte do livro Mautner cai de pau em Sérgio Cabral. E manda ver: ‘Para mim, Mozart, Heiddeger e Jorge Mautner são iguais no mínimo a Jorge Ben, Nelson Cavaquinho, Little Richard e Stevie Wonder’ defendendo Luiz Melodia de uma crítica provavelmente infeliz do Cabral, que enxovalhou a poética do Melô.
Mas em favor do pacifismo e do desarmamento dos espíritos que são o tema central dos anseios (e até das críticas) de Mautner, sugiro uma revisão quando ele diz que o Cabral é paternalista, é pretensioso, já que no máximo o Cabral pode ter sido – naquele artigo – paternalista, pretencioso, etc. Todos que emitem opinião têm seus vacilos escritos ou falados. Condenar o bicho a ser sempre o que ele pode deixar de ser – em causa própria também - é caminho que não leva a esperanças. Mas Mautner não tem sentimentos orgulhóides e, depois de ter registrado reflexões bastante agressivas contra Belchior, pública e sinceramente admitiu seus equívocos e um mau momento particular.”

segunda-feira, 5 de julho de 2021

O Irresistível Elton John (1974)

Em 1974 Elton John vivia o auge de sua popularidade. Bastava ligar o rádio para ouvir várias vezes ao dia seus muitos sucessos. A grande popularidade de Elton se devia à capacidade de compor irresistíveis baladas pop ao lado de seui parceiro Bernie Taupin, além de produzir um rock qua agitava arenas sempre lotadas, por onde se apresentasse. Assim, Elton constantemente era motivo de matérias em revistas dos mais diferentes estilos e vertentes. Guardo uma matéria publicada em uma revista que não consigo identificar, mas sei que era uma daquelas antigas revistas de fotonovelas, e que traziam também matérias sobre televisão e música. Na época, o músico e compositor havia acabado de lançar o disco Caribou, mais um álbum de sucesso em sua carriera. A matéria é intitulada "O Irresistível Elton John, e até fala de uma possível vinda de Elton John ao Brasil, que só viria a se concretizar décadas depois. Segue a matéria: "Com apenas duas semanas de lançamento, 'Caribou', o último disco de Elton John, conseguiu colocá-lo entre os grandes astros da música nos Estados Unidos. Antes de Elton, apenas mais quatro discos conseguiram tal feito. Mesmo antes de 'Caribou', Elton John já havia firmado a sua posição, através de músicas como 'The Ballad Of Danny Balley','Goodbye Yellow Brick Road', 'Border Song' e 'Your Song'. Na história do disco nos EUA, Elton John é o qunto artista que chega ao primeiro lugar do Hit-Parade em apenas duas semanas. Lançado com sucesso em todo o mundo, Elton John foi muito bem aceito no Brasil. Uma de suas últimas composições, 'Don't Let The Sun Go Down On Me', figura até hoje nas paradas, colocando-o entre os artistas estranheiros mais queridos no Brasil.
Elton John nasceu na cidade de Middlesex, Inglaterra, em 1947. Logo cedo, interessou-se pelo piano e começou a estudá-lo. Completou o seu curso de teclado na Royal Academy Of Music, e foi então que despertou para os caminhos da música pop. Tocou inicialmente com Bluesology e Long John Baldry, enquanto seu amigo Dick James insistia para que ele desse mais atenção ao seu lado de compositor, pois havia ouvido algumas músicas compostas por Elton e as achou bastante interessantes. Seguindo os conselhos do amigo, Elton passou a compor constantemente. Pouco tempo depois mostrava suas músicas a uma gravadora. O resultado foi imediato: Elton foi muito elogiado e gravou 'Lady Samantha' e 'Skyline Pigeon'.
Sempre acompanhado de seu parceiro Bernie Taupin, Elton John e ele passaram a ser considerados os Lennon & McCartney da década de 70. Enquanto Elton fazia as músicas, Bernie fazia as letras. Viagens e convites começaram a aparecer, e Elton se deslocou para várias partes do mundo, onde sempre foi muito bem recebido. No entanto, foi nos Estados Unidos que o nome de Elton John obteve a sua projeção máxima. Todos os seus lançamentos chegavam sempre aos primeiros lugares no Hit=Parade. Não foi à toa que, uma noite Elton se virou para seus amigos do conjunto que o acompanhava e disse, bastante surpreso: - Uau! Olhem só quem está ali na plateia. Bob Dylan! E, de fato, Dylan, o 'profeta' estava lá para assistir ao show de Elton John. Dois dias depois, o visitante voltou para assistir ao mesmo show. Elton estava satisfeito, como não poderia deixar de ser, por ter um espectador como Dylan, que o assistiu por duas vezes. Depois de suas primeiras apresentações nos Estados Unidos, podia-se ter nos jornais as opiniões dos críticos musicais sobre Elton John. Um deles, Robert Hilburn, do 'Los Angeles Times', escrevia:
- Alegrem´se! A música rock, que ultimamente atravessou um período inexpressivo, tem agora em seu cenário um novo astro brilhando. Ele é Elton John, cuja estreia nos Estados Unidos foi um grande sucesso. A plateia demonstrou sua total aprovação. O início de sua carreira foi exatamente na noite de terça-feira no Troubador, e com certeza ele se tornará um dos maiores e mais importantes astros no campo do rock. Todo mundo está atrás dele. A carriera de Elton John veio chegar até 'Caribou', seu mais recente disco, que chegou ao Hit-Parade americano em apenas duas semanas, alcançando o 1º lugar. No Brasil, suas músicas continuam sendo muito executadas no rádio e TV, sendo que uma delas, 'The Ballad Of Danny Balley', é o tema de um dos personagens da novela 'O Espigão'. Ultimamente, alguns empresários estão conseguindo trazer ao Brasil vários artistas estrangeiros, todos com boa receptividade por parte do público (exceto Alice Cooper). É possível que também chegue a vez de Elton John, sem dúvida um grande nome estrangeiro entre o público brasileiro, e que certamente iria superlotar os locais onde se apresentasse."