Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Milton Nascimento, os Borges e Clube da Esquina (Parte 2)

"Mas amigo de Milton, mesmo, era Márcio Borges. Os dois eram inseparáveis e em breve estariam compondo juntos.  'Na verdade, a gente não tinha muita coisa em comum. Mas a amizade vinha por conta da afinidade musical', recorda Márcio.
Apresentados por um amigo comum, Milton e Fernando Brant foram, a um bar e dividiram uma batida, uma cerveja e um ovo cozido para descobrir, em três horas de conversa, uma imediata afinidade. Assim em torno de mesas de bares como o Saloom e das sessões do cineclube CEC, iam se aglutinando os músicos que, depois da mudança da família Borges de volta a Santa Teresa, iriam formar o Clube da Esquina. Quem inventou a expressão foi Márcio, conforme relato do pai, Salomão, 81 anos e memória de menino. 'Por onde andam esses meninos, santo Deus?', perguntava Dona Maria, a matriarca dos Borges, preocupada com Lô e Yé. 'Claro que devem estar lá na esquina, cantando e tocando violão, mãe! Aquela esquina é o nosso clube, o Clube da Esquina', respondia Márcio.
É por isso que Lô rejeita a caracterização do Clube como um movimento musical. 'Para mim, o Clube da Esquina é uma música que fiz com o Milton e, depois, um disco que ele me convidou para fazer com ele. Mais tarde, ele fez o disco Clube da Esquina 2. A imprensa pôs todo mundo dentro desse rótulo e nós aceitamos', afirma Lô. 'Foi um grande empreendimento político, cultural e afetivo, uma iniciativa mais emocional do que estética', avalia Carlos da Silva Assunção, o Cafi, que fotografou tudo. Marcelo Dolabela, estudioso da história da música mineira, concorda. 'Enquanto os tropicalistas passaram seis meses se reunindo para fazer um manifesto, o pessoal do Clube da Esquina lançou um disco e descobriu que tinha feito um movimento', descreve o estudioso, que identifica algumas características comuns aos membros do grupo: a origem de classe média; a divisão em letristas e músicos; o uso do verso livre, sem rimas; o número reduzido de canções de amor, atribuído ao caráter pouco derramado do mineiro.
Lô Borges tinha apenas 17 anos quando Milton o convidou para gravar juntos o álbum duplo pela gravadora Odeon. 'Era um cara que não vendia disco dividindo um álbum duplo com um rapaz de 17 anos e um bando de malucos', lembra Ronaldo Bastos. A ousadia começava pela capa, uma foto de dois meninos que Cafi havia tirado numa estrada de Friburgo. O letreiro com o nome dos artistas vinha na contracapa. 'A gravadora orientou os lojistas a pôr os discos com o letreiro para frente. Mas logo eles perceberam a força da imagem e passaram a virar as capas. Junto com Fa-Tal, de Gal Costa, a Acabou Chorare, dos Novos Baianos, o disco fez a capa ganhar importância e passar a ser informação', lembra o fotógrafo.
O conteúdo não era diferente. Lô e Beto, que formavam o conjunto de covers dos Beatles chamado The Beavers, injetaram no disco o seu entusiasmo pela banda inglesa. 'Levamos um pouco daquelas baladas para o disco. Nós também já fomos modernos', brinca Lô. Reunindo, segundo, segundo as contas de Tavinho Moura, 52 músicos, as 21 faixas foram gravadas praticamente ao vivo. 'Naquela época, o estúdio só tinha dois canais. Todo mundo ensaiava e tocava junto', lembra Tavinho, que apresentou Milton às músicas folclóricas que ele iria gravar em Gerais. As letras tinham um forte conteúdo político, ainda que nunca explícito. 'Preferimos o social com lirismo', define Fernando Brant."

terça-feira, 28 de maio de 2013

Milton Nascimento, os Borges e o Clube da Esquina (Parte 1)

O disco Clube da Esquina é incontestavelmente uma das mais importantes obras musicais produzidas no Brasil. O grupo mineiro, capitaneado por Milton Nascimento, trazia uma série de músicos talentosos que viriam influenciar toda uma geração de outros músicos. No ano passado o disco completou 40 anos, e foi muito comentado e festejado, merecidamente. Mas antes disso, ao completar 25 anos em 1997, a obra mereceu uma longa matéria no Jornal do Brasil, no dia 22 de junho daquele ano. Abaixo destaco um trecho da matéria, que fala na importância não só de Milton, mas também da família Borges para a consolidação desse álbum histórico, e da música mineira. O texto tem por título "Os 12 filhos dos Borges":
"O Clube da Esquina não começou em esquina alguma, mas na portaria do Levy, um prédio na cinzenta Avenida Amazonas, no centro de Belo Horizonte.. Era ali que se juntava a turma do prédio, incluindo, a partir de 1963, os 11 filhos da família Borges, que haviam transformado em escola a casa no bairro de Santa Teresa. Pouco mais tarde, o grupo ganhou novo integrante. Um rapaz negro, magro e tímido, morador numa pensão no quarto andar, que chegara de Três Pontas trazendo consigo o apelido infantil: Bituca. Logo, o jovem Milton Nascimento seria adotado como o 12º filho dos Borges e começaria a passar as tardes tocando violão no quarto dos meninos. O acaso os fez vizinhos.  a afinidade, parceiros de um dos momentos mais ricos da história da música brasileira.
Milton Nascimento foi o centro de tudo. 'Ele é uma personalidade forte, aglutinadora. Era o nosso líder', lembra Ronaldo Bastos, que o conheceu num bar do Rio, há 30 anos, diante de um copo de batida de limão. Em Belo Horizonte, quem primeiro se aproximou de Bituca foi Marilton, o mais velho dos irmãos Borges. Os dois formaram o grupo Evolusamba. 'Íamos para a escadaria do prédio tocar e cantar. O Milton  já tinha experiência de tocar em bares: eu era absolutamente amador', lembra Marilton, 54 anos, que ainda hoje concilia o trabalho de juiz classista com a música. A originalidade de Milton, empregado como escriturário, já transparecia no violão. 'Ele toca com a corda solta, um estilo muito próprio - e no canto: Ele fazia uns arranjos vocais maravilhosos', conta.
Foi nessa época que Lô Borges, ainda um pirralho de talvez 10 anos, foi conquistado. 'Eu estava descendo as escadas e fui ouvindo a voz dele, tocando violão cada vez mais perto. Quando cheguei ao quinto andar, onde ele estava, sentei do lado dele, fiquei ouvindo, estático.  Eu me apaixonei', lembra Lô. Dois anos mais tarde, Lô conheceu Beto Guedes, morador de um prédio vizinho. 'Eu aprendi com meu pai a mexer com madeiras e ferramentas, e tinha feito um patinete de madeira, todo bem montado, lixado. O Lô ficou doido pelo patinete e me convenceu a vendê-lo por moedas estrangeiras que ele tinha. Deu U$ 0,25 e alguns ienes. Isso era para ser a primeira parte do pagamento, mas ele nunca pagou o resto', ri Beto Guedes."
(continua)

domingo, 26 de maio de 2013

Revista Hobo - Blues & Rhythm Magazine

Desde adolescente eu tenho o hábito de comprar e colecionar revistas sobre música. Quem acompanha esse blog já deve ter visto várias postagens sobre revistas musicais de várias tendências e estilos. Muitas dessas publicações são de vida efêmera, algumas só tendo um ou dois números publicados. Normalmente essas revistas a que me refiro eram produzidas em editoras pequenas, com distribuição precária. Algumas dessas publicações vinham cobrir uma lacuna no mercado editorial, enfocando temas pouco explorados, muitas vezes por não terem um grande apelo comercial.
Um desses casos é o da revista Hobo, uma publicação bimestral que chegou às bancas em 1996, e que era especializada em blues. A pequena Abraxas Editora era responsável pela publicação, e a revista durou apenas dois números - pelo menos esses foram os dois únicos números que encontrei nas bancas. No segundo número há inclusive uma carta que enviei à editora elogiando a iniciativa:
O número 1 trazia em seu editorial:
"Segundo o Webster's Dictionary 'hobo' quer dizer trabalhador imigrante ou, numa outra acepção, vagabundo. A imagem do hobo, o viajante errante e sem destino, com o rosto marcado pelas histórias que viveu em seu caminho, é também a imagem de um gênero musical que vem influenciando toda a música do mundo ocidental, desde o princípio deste século: o blues.
A intenção desta revista é trazer para o público brasileiro algumas impressões da grande viagem empreendida pelo blues - desde as origens, até hoje - através do trabalho de alguns de seus maiores intérpretes e criadores, espalhados pelo mundo afora. (...)"
Com textos baseados em pesquisas sobre as origens e a história do blues, trazendo boas fotos, o primeiro número, entre outras coisas, conta a história do mitológico Robert Johnson, e toda a lenda que envolve sua história. Fala também em outras figuras históricas dos primórdios do blues, como H.C. Speir, Johnny Shines e Sonny Boy Williamson. Outra matéria da revista é com um dos maiores bluesmen brasileros, Andre Christovam. Um conto do escritor Erskine Calwell também faz parte do volume. Um relato sobre as origens do Rhythm and Blues, e uma explicação sobre esse rótulo musical e suas variantes é também uma matéria interessante. A revista termina com quadrinhos, trazendo uma mostra do antológico livro Blues, do lendário quadrinista underground americano Robert Crumb.
O segundo número de Hobo veio mais volumoso - 86 páginas (o primeiro tinha 50). Assim como no número anterior, a revista conta histórias ligadas às origens do blues, como "Histórias de negros  e de blues", 'Blue ladie's blues", que fala da presença feminina na história do blues: Mamie Smith, Ma Rainey (que é destacada na capa), Bessie Smith e Memphis Minnie. Traz também uma entrevista com a cantora brasileira Rosa Maria Colin. A revista destaca ainda o festival Nescafé & Blues que aconteceria naquele ano, e que traria nomes como Blue Jeans, John Hammond & Duke Robillard, Sérgio Dias, Johnnie Johnson, Charles Brown e Los Lobos, dentre outras atrações. Novamente uma amostra do livro de quadrinhos Blues, de Robert Crumb é publicada, assim como mais um conto tendo o blues como tema. A revista termina com uma matéria sobre o Soul, e dando continuação a matéria em destaque na edição - "Blue ladie's blues", um destaque para Etta James. Uma sessão sobre lançamentos de discos do gênero também faz parte da revista, que infelizmente, talvez não tenha chegado a uma terceira edição.

terça-feira, 21 de maio de 2013

1967 - Movimento Hippie e o Verão do Amor

Em 1967 a cidade de San Francisco, na Califórnia, era a meca do movimento hippie. Naquele ano aconteceu um fenômeno que ficaria conhecido como o "Verão do Amor". Já no início daquele ano, os hippies que se concentravam na cidade chamaram a atenção para a força do movimento ao convocarem uma "Reunião de Tribos" no Golden Gate Park para o chamado World's First Human Be-In. O professor universitário e pesquisador de drogas sintéticas, como o LSD, Thimothy Leary e o poeta beat e ativista Allen Ginsberg ganhavam o status de gurus de uma nova era. Um jornalista na época descreveu esse encontro como "vinte mil ciganos brancos, cantando, dançando, cobertos de flores, colares e pulseiras de contas".
A partir daí previu-se que cem mil flower children (como também eram conhecidos os hippies) invadiriam a cidade em junho para o "Verão do Amor". Na verdade, os cem mil jovens previstos não chegaram na cidade no mesmo dia, mas circularam lá no decorrer daquele verão, causando um grave problema para as autoridades de San Francisco. Os hippies reivindicavam casa, comida e assistência médica, mas as autoridades não viam com bons olhos aquela invasão. Mesmo assim, a comissão de parques concedeu várias áreas da região de Haigh-Ashbury para que eles se alojassem com seus sacos de dormir.
Porém, como tudo que vira modismo acaba perdendo sua autenticidade, muitos dos jovens que faziam parte daquela multidão não se enquadravam na filosofia do movimento, e estavam ali somente para ver de perto toda aquela agitação, e se sentirem um deles, e ficariam conhecidos como "hippies de butique". Os hippies autênticos procuraram se refugiar nas comunas rurais da região, fugindo daquela badalação.
A revista americana Time, que sempre se preocupou em registrar fenômenos sociais e comportamentais dedicou uma matéria de capa em 7 de julho de 1967, em que dizia:
"Um sociólogo os chama de 'proletário freudiano'. Outro observador os vê como 'expatriados vivendo em nossas praias, mas além de nossa sociedade'. O historiador Arnold  Toynbee os descreve como 'um sinal vermelho para o american way of life. Para o bispo James Pike, da Califórnia, eles evocam os primeiros cristãos: 'Há algo no temperamento e na qualidade destas pessoas, uma suavidade, uma calma, um interesse - algo bom.'
Para seus pais profundamente preocupados por todo o país, eles mais parecem párias sociais perigosamente iludidos, candidatos a uma boa surra e a um curso intensivo de moral e civismo - se apenas voltassem para casa para receber as duas coisas.
Qualquer que seja o seu significado ou o seu objetivo, os hippies emergiram no cenário norte-americano nos últimos 18 meses como uma subcultura totalmente nova, uma bizarra permutação do ethos da classe média americana a partir do qual evoluíram."
Em outro trecho da matéria, a revista destaca:
"Um senso crescente de utopismo domina a filosofia hippie. Ela tem pouco em comum com a autoritária cidade-estado descrita na República de Platão, ou com a Utopia de Sir Thomas More, que era uma ativa comunidade agrícola onde todo mundo trabalhava seis horas por dia. A inspiração hippie vem da Arcádia: é pastoral e primordial, enfatizando a unidade com a natureza física e psíquica. Northrop Frye, da Universidade de Toronto, professor de inglês e discípulo do filósofo das comunicações Marshall McLuhan, vê os hippies como herdeiros do 'proscrito e furtivo ideal social conhecido como o País de Cocanha, uma terra de conto de fadas em que todos os desejos podem ser instantaneamente gratificados.' "

sábado, 18 de maio de 2013

Zé Ramalho - Revista Música (1978)

Em 1978 Zé Ramalho era um jovem cantor e compositor nordestino, cujo álbum lançado um ano antes chamara atenção para seu nome. Na ocasião a revista Música em seu nº 23 trouxe uma matéria com aquele que foi considerado com uma revelação de nossa música, por suas melodias carregadas de forte influência das raízes nordestinas, mas ao mesmo tempo algo meio futurista, além de letras carregadas de imagens místicas e uma voz de grande personalidade. A matéria intitulada "Em Busca do Gosto Popular" era assinada por Humberto Brigatto Jr. e Angela Cristina da Silva Dias:
"Em lugar dos bisturis, as cordas de uma viola. O receituário foi preterido pelas partituras ou pelo guardanapo de uma mesa de bar, sempre à mão para a inesperada inspiração. E em lugar do consultório, o palco. Felizmente para a música popular brasileira, isso aconteceu a José Ramalho Neto, que entretanto, não deixou de lado as fortes influências de sua pequena cidade natal na Paraíba, Brejo do Cruz, e de toda a região Nordeste. Junto a características tipicamente regionais - Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro -, estão também Roberto Carlos, Beatles, Rolling Stones e Caetano Veloso.
Por sinal, os primeiros shows do ex-universitário a que João Pessoa e Recife assistiram desde 1971 até quase três anos mais tarde, deliciavam seus poucos espectadores com músicas de Caetano. A saída eram os bailes 'para livrar uma nota', como se defende Ramalho. 'A primeira oportunidade concreta surgiu quando Alceu Valença me convidou para participar do Festival Abertura, no início de 75. Foi minha primeira experiência com o público do sul, o que foi muito duro, pois achava as pessoas difíceis, bem como o sistema das gravadoras e das rádios.'
Nessa mesma época, empreendeu um trabalho ao lado de Tânia Quaresma para o filme 'Cordel, Repente e Canção', o que viria a despertar o interesse pela cultura dos violeiros, repentistas, emboladores e pela linguagem de cordel e os versos, ingredientes até então acomodados em suas origens.
As coisas começaram a melhorar logo em seguida, quando, ainda ao lado de Alceu, excursionou durante todo o ano pelo Brasil. E, é lógico, a região que mais mexeu com seu potencial criativo latente foi a Paraíba, Pernambuco, Ceará, as cidades de Juazeiro do Norte e Crato, onde conviveu com violeiros. 'Cheguei a morar na casa deles, ouvindo e vendo o modo deles viverem, de exercerem sua profissão, seu sofrimentos.'
Com tudo isso, assimilava e reunia fatores para a elaboração de seu próprio trabalho, que começaria a ser estruturado depois de terminado o show, ao retorno à Paraíba.
Alguns teipes na bagagem, descia outra vez para o temido sul, escorado agora pelas lições dos violeiros. 'Essa posição de artista do povo, que fica lá no meio de uma feira com um bocado de pessoas ao redor, é um exemplo de profissionalismo fantástico, porque eles vivem realmente só daquilo. Só sabem cantar e tocar, vivendo da maneira mais humilde e mais rica possível.'
De novo o Rio de Janeiro não o receberia de braços abertos, apesar de a crítica especializada chegar a apontá-lo, no final de 77, como a revelação do ano. 'Fiz pequenas apresentações por uns dois anos em shows de entrevistas coletivas de artistas. Na batalha com as gravadoras, senti que havia preguiça por parte das primeiras, mesmo se gostassem do meu trabalho. Mas as pessoas já começavam a me conhecer.'
No entanto, a sorte estava para mudar. Através do produtor Carlos Alberto Sion, era contratado pela CBS para a realização do elepê 'Zé Ramalho'. Nele conseguiu colocar, lado a lado, o ex-Mutante Sérgio Dias, Paulo Moura, Altamiro Carrilho, Dominguinhos, Geraldo Azevedo, Chico Batera e até mesmo Patrick Moraz, que contribuiu tocando sintetizador em 'Avohai', uma homenagem ao patriarca da família Ramalho.
Dessa forma, unindo os mais variados representantes de diversos gêneros musicais, confirma sua definição para o elepê de estreia. 'Há unidade no disco, mas não há estilo. Tem música instrumental, choro, elementos urbanos, de rock, rurais, linguagem de violeiros. Não vejo estilo nenhum nas músicas, mas vejo unidade, pois o som tem 'n' formas de você tratá-lo, de você somar e agregar a outras formas.'
O disco pode não ter um estilo definido, mas as pretensões de seu intéprete denotam uma busca de seu objetivo máximo: o povo. 'Quem compra disco é o povo. Os intelectuais recebem de presente das gravadoras. Eu não sei se vou conseguir atingir a massa do povão com esse disco. Ele é muito meu interior, o meu espírito. Mas eu já sinto uma necessidade de falar para o povo, que é uma coisa que cada dia está entrando mais em mim'.
Tal preocupação inicia-se pela própria afinação de sua viola de 10 cordas, baseada na de Zé Limeira, cantador e violeiro paraibano, já falecido. 'A viola de 10 cordas dá maiores condições para combinar as notas em terças, incliusive afinar as cordas todas numa nota só. Zé Limeira fazia isso e também me colocou em contato com uma dimensão de linguagem de repentista, uma linguagem totalmente surreal. As pessoas diziam que suas coisas não tinham sentido poético relevante, mas eu acho um caleidoscópio.'
E onde se coloca Zé Ramalho na música popular brasileira? A resposta é direta e soa convincente na voz grave deste paraibano de 29 anos, que conseguiu superar as dificuldades iniciais e agora já pode mostrar seu trabalho em temporadas nos teatros Tereza Raquel, no Rio, e São Pedro, em São Paulo, e especiais para a televisão, como os que gravou para a Cultura e Bandeirantes.
'Não tenho pretensão nenhuma de me situar como inovador de nada. Estou fazendo meu trabalho da forma mais espontânea, como eu gosto de fazer qualquer coisa. Só que ele é de uma realidade muito grande e eu não tenho dúvida nenhuma do que estou apresentando. E não é fácil você se estabilizar com música, principalmente sendo estreante. Se a coisa fosse fácil, todo mundo era!' "

sexta-feira, 17 de maio de 2013

As Capas dos Discos do Led Zeppelin (Parte 2)

Houses of the Holy - O quinto álbum do Led Zeppelin, cuja imagem da capa acima é mostrada em sua extensão, como se a capa dupla estivesse aberta (capa e contracapa), teve seu trabalho gráfico criado pelo famoso estúdio Hipgnosis, responsável por capas de várias bandas progressivas dos anos 70. O visual é composto por várias fotos tiradas na formação rochosa de Giant's Causeway, Country Antrim, Irlanda do Norte. As crianças que aparecem na foto é o casal de irmãos Stefan e Samantha Gates. O fotógrafo Aubrey  Powell procurou captar a melhor luz do nascer e do pôr do sol, mas a chuva que caía e as nuvens impediram o efeito visual pretendido. A colagem criou um efeito em que aparecem onze crianças escalando as pedras. Assim como no álbum anterior, o nome da banda ou o título do álbum não aparecem impressos, talvez para destacar mais a bela imagem. A gravadora porém, colocou uma faixa em torno da capa com essas informações, além de cobrir a nudez das crianças na foto, prevendo algum tipo de problema por parte de alguns lojistas. Mesmo assim, o disco chegou a ser banido em algumas cidades.
Phisycal Graffiti - O sexto disco do Led trazia na capa a foto de um conjunto de edifícios de Nova York, com algumas imagens inseridas depois. O diretor de arte do álbum, Peter Corriston procurava um edifício simétrico, que trouxesse um belo visual, e que não tivesse nada que obstruísse sua visão, como árvores, por exemplo. A equipe responsável pela arte da capa andou pela cidade durante semanas à procura do edifícil que melhor se enquadrasse nesse conceito. A ideia da capa era de uma banda vivendo nesse prédio residencial, com pessoas circulando por ele. O LP original trazia a foto do prédio com janelas recortadas na capa externa e capas internas mostrando outras diferentes imagens.


Presence - O trabalho gráfico desse álbum também ficou a cargo do estúdio Hipgnosis, e mostrava uma família bem vestida e contente diante de um objeto, parecendo a miniatura de um obelisco preto. Trata-se de uma capa cuja imagem estampada traz uma incónita com relação a alguma mensagem que se tentou passar, se é que na verdade existe alguma. O responsável pelo designer declarou: "Quando penso no grupo, sempre penso em força e poder. Não há dúvida de que existe uma presença". Jimmy Page na época declarou: "Para mim, o mais importante era o que estava por trás do obelisco. Para ser franco, a capa é bem irônica. Uma espécie de brincadeira com 2001, Uma Odisseia no Espaço.Acho que é bem engraçada".


In Through the Out Door - A capa do oitavo disco do Led, também desenvolvida pelo estúdio Hipgnosis, trazia uma concepção gráfica bastante original. A capa externa vinha dentro de um envelope pardo com um um carimbo onde se lia o nome da banda e o título do álbum. Havia seis capas internas diferentes. Por causa do envelope da capa externa as pessoas não tinham como saber que capa interna estavam comprando. As fotos mostravam variações de uma cena passada em um bar, onde aparecia um homem queimando uma carta onde se pode ler a frase "Dear John". Cada uma das seis fotos foi tirada de um ponto de vista diferente, de alguém que aparecia nas outras fotos. O título do álbum era uma referência do exílio forçado que não só o Led, mas várias bandas e artistas ingleses, eram forçados a se submeter por causa dos altos impostos que eram cobrados no Reino Unido.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

As Capas dos Discos do Led Zeppelin (Parte 1)

As capas dos discos de rock muitas vezes representam um capítulo especial no trabalho das bandas. Uma boa capa ajuda a representar a ideia da concepção de um trabalho, e algumas delas se tornaram ícones visuais. O Led Zeppelin é um exemplo de banda que sempre valorizou bastante a parte gráfica de seus discos, e não é à toa que muitas de suas capas hoje são tão representativas como sua própria música. Vou falar abaixo der algumas dessas capas:
Led Zeppelin I - A foto da capa do LP de estreia do Led Zeppelin foi escolhida por Jimi Page. Era uma foto de domínio público do dirigível alemão Hindenburg explodindo durante uma viagem trasatlântica em 1937. A revista americana Rolling Stone ao comentar a capa diria: "A imagem condensa magnificamente a música de seu interior: sexo, catástrofe e coisas explodindo". O artista gráfico George Hardie, que viria a assinar outras capas do Led, foi o responsável pela arte. À princípio ele sugeriu um desenho baseado num letreiro que ele havia visto em San Francisco, que mostrava um dirigível de aspecto fálico voando no céu, porém Page não aprovou a ideia, e a imagem do dirigível em chamas ficaria marcado como a capa de um disco que é considerado um dos melhores discos de estreia de uma banda de rock em todos os tempos.
Led Zeppelin II - O projeto gráfico do segundo disco do Led Zeppelin ficou a cargo do ilustrador e artista gráfico David Juniper. Ele escolheu para compor a capa uma foto de uma Divisão da Força Aérea Alemã, tirada durante a Segunda Guerra. Os alemães haviam usado dirigíveis como bombardeiros durante o conflito, e por isso o artista se inspirou na antiga foto para compor o visual do álbum. Juniper coloriu a imagen originalmente em preto e branco e depois inseriu o rosto dos componentes da banda, utilizando uma foto promocional de 1969. Esse álbum costuma ser considerado a base do heavy metal e uma grande fonte de inspiração para muitas bandas. Foi o primeiro álbum em que Pege tocou uma guitarra Gibson Les Paul modelo 1959, que ganharia fama por seu uso em vários álbuns do Led.
Led Zeppelin III - A edição original do terceiro álbum do Led Zeppelin trazia uma capa desdobrável , cujo projeto fora criado por Zacron, um artista gráfico multimídia, que já era conhecido de Jimmy Page. A arte da capa e da parte interna incluíam imagens sobre um fundo branco, sendo que muitas dessas imagens tinha por tema a aviação. Atrás da capa da frente havia um disco giratório trazendo outras imagens, incluindo fotos da banda. O disco traz um som um pouco menos pesado que o habitual, talvez pelo álbum ter sido concebido em um chalé do Séc. XVIII no País de Gales, no alto de uma colina, onde não havia água encanada nem luz elétrica. Page diria na época: "Foi a tranquilidade do lugar que definiu o tom do álbum. Era óbvio que não podíamos detonar amplificadores de 100 wats".

Led Zeppelin IV - Apesar de ser conhecido como "Led Zeppelin IV", na verdade o quarto disco da banda não tem título, e nem o nome da banda aparece na capa. Jimmy Page havia se irritado com algumas críticas negativas ao dfisco anterior, e por isso havia resolvido lançar um disco em cuja capa não houvesse nenhuma informação. Resolveu que cada membro da banda  criaria um símbolo para se identificar. A falta de título levou o disco a ser conhecido como "o disco do velho" ou "o disco dos quatro símbolos". O símbolo de Page ficou conhecido como "ZoSo", embora seja pictográfico, e não uma palavra para ser pronunciada. O símbolo foi criado com Page alterando um símbolo que encontrou num livro de mitologia antiga. O símbolo de John Paul Jones é formado por um único círculo, onde se entrelaça um triqueta, símbolo tripartido. O símbolo de John Bohan, três anéis interligados, representa a trindade da mãe, do pai e do filho. O símbolo de Robert Plant é a pena da deusa egípcia Ma'at, que representa a verdade, a justiça e a imparcialidade dentro de um círculo impenetrável que representa a vida.
A imagem que aparece na capa, mostra um velho carregando um feixe de gravetos, e segundo dizem, foi comprada em uma loja de quinquilharias por um roadie da banda, e aparece em forma de um quadro pendurado numa parede com a pintura descascando.
(continua)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Jaguar Fala Sobre o Pasquim - 1979

O jornal Pasquim foi criado em 1969, e nos anos da ditadura foi o principal órgão de resistência e crítica ao regime, o que, obviamente valeu a seus editores e colaboradores uma boa dose de repressão e prisões. Mesmo assim o jornal resistiu, e atravessou todo o período da ditadura militar, mesmo tendo que passar por enormes percalços. Se por um lado o jornal sofreu todo tipo de censura e perseguição, por outro, incomodou bastante os militares.
O jornal, que era semanal, em seu nº 521 (22 a 28/6/79) trazia uma edição especial de 80 páginas, comemorando os 10 anos de existência e resistência, trazendo colaborações de gente como Antônio Callado, Ferreira Gullar, João Saldanha, Luiz Carlos Maciel, Millôr Fernandes e Paulo Francis, dentre outros. Em seu texto de apresentação, o cartunista Jaguar, um dos fundadores e editores do jornal falava sobre os dez anos e a trajetória do Pasquim:
" 26 de junho de 69. Primeiro número do Pasquim. Levamos dois meses discutindo o nome do jornal. 'De qualquer maneira vão nos chamar de pasquim, assim a gente corta a deles', sugeri. Ficou Pasquim.
Outra longa discussão foi para determinar a tiragem. Fui voto vencido, achei que 20 mil era um absurdo, ia encalhar quase tudo. A edição esgotou. Já no número 20 comemoramos os 100 mil exemplares semanais, na nossa redação na rua do Rezende. Pouco tempo depois atingimos os 200 mil.
Crescemos tão depressa que quando a repressão quis acabar conosco não deu pé. Primeiro foi a escalada da censura. Começou sendo feita na redação, depois passou para a sede da Polícia Federal, na rua da Assembleia, depois em Brasília.
Seis anos de sufoco. E quando fomos liberados, justamente no número 300, pimba! apreenderam a edição. Tremendo prejuízo, como das outras vezes que isso nos aconteceu. Todos sabem que foi por causa do editorial do Millôr, mas os motivos alegados eram: a palavra 'porrada' num quadrinho dos Chopnics (de Ivan Lessa e minha) e uma dica de Millôr dizendo que Jakie O. nasceu de bum-bum pra lua. Com o recolhimento da edição ainda fomos brindados com mais um processo
Jaguar 
A prisão de 10 dos 12 fazedores do Pasquim, quinze meses depois de lançado o primeiro número, também não deu certo (para a repressão). Só Millôr e Henfil escaparam. O jornal continuou saindo. Washington Post e Le Monde espinafraram a arbitrariedade e a tão falada imagem no exterior ficou um pouquinho mais suja...
Entrou gente, saiu gente. Um jornal de alta rotatividade. seguimos nos calcanhares a marcha deste 'país que vai para a frente'. Para a frente de quê? Por favor, não me perguntem.
Quando o Pasquim foi lançado só existia meia-dúzia de desenhistas de humor no Brasil. Não havia na época a menor abertura para o aparecimento de outros, o mercado estava fechado. Nestes anos já lançamos dezenas de desenhistas, a maioria vive, ou sobrevive, profissionalmente do cartum.
Edição histórica com Leila Diniz

Fotografamos e dicamos dezenas de mulheres lindas e maravilhosas. Entrevistamos um monte de gente. Foram 10 anos de teimosia, 10 anos de briga, 10 anos de oposição. O que - como dizia Groucho Marx - dá a soma de 30 anos.
Tivemos pelo menos o mérito de tirar o paletó a gravata do linguajar jornalístico. Botamos em pé o ovo de Colombo da linguagem falada. O beletrismo jornalístico sifu, espero que para sempre, com seus 'outrossins' e 'destartes' (exceto nos editoriais do Globo). O fato é que os leitores desde o começo nos deram força e nunca nos deixaram na mão, pouco ligando para as espinafrações que levam na seção de cartas.
Millôr, no número 1, nos deu o seguinte aviso: 'se essa revista for mesmo independente, não dura três meses. Se durar três meses não é independente'. "