Palavras Domesticadas

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terça-feira, 29 de março de 2016

Entrevista com Chico Buarque e Edu Lobo - Revista Qualis (1993) - 3ª Parte

" Qualis - No novo disco que você está gravando, você pensa em incluir algumas dessas recriações?
Chico - Eu estou fazendo isso porque parei com o estúdio. Eu gravei três músicas no ano passado e parei porque eu preciso de repertório novo. Mas quando eu voltar a gravar, pretendo sim incluir algumas dessas músicas mais antigas que estão um pouco esquecidas.
Por enquanto, elas vão constar do show que estou montando pra este ano, além de músicas novas e antigas que nunca cantei em público, como 'Eu Te Amo', 'Ela É Bailarina', 'Meu Choro Bandido', 'Outra Noite', 'Choro Pra Ti', 'Sobre Todas as Coisas'.
Qualis - Como é compor sabendo que outros vão interpretar, por exemplo no 'Grande Circo Místico' em que as vozes não são de vocês? Não dá um certo ciúme?
Edu - Não, porque a gente se divertiu muito com isso. Ficar imaginando quem é que podia cantar tal música. Era ótimo.
Chico - Acho que nem o Edu nem eu temos essa coisa de cantor. Eu tenho muito prazer em ouvir músicas minhas cantadas por outros cantores. Na 'Ópera do Malandro' há uma porção de participações. Eu considero um disco meu como qualquer outro. Na época, eu tive um problema com a Polygram, que não considerava um disco meu porque eu não cantava todas as músicas. Pode?
Qualis - Você não era considerado o 'dono da voz'... (risos)
Edu - Isso acontece muito na imprensa. Alguém pergunta qual foi o último disco que fiz. Respondo que foi 'Dança da Lua', por exemplo. E o jornalista diz; 'não, um disco teu'. O mais engraçado é que dá muito mais trabalho fazer um disco dessa forma. Como cantor, basta selecionar músicas de que gosto, entrar no estúdio, gravar em três dias, e aí está o meu disco. Mas se você rala durante meses, faz as músicas, os arranjos e tudo, aí ele não é mais teu só porque outros cantam? Não entendo.
Chico - Isso é uma coisa um pouco antiga. No passado falavam assim: 'Uma criação de Francisco Alves', que era o cantor. Hoje não. Até as rádios falam de 'música de fulano, de tal autor'. As pessoas geralmente sabem de quem são as músicas. Cantar ou não cantar é secundário.
Qualis - Vocês tem algum tipo de preocupação com  a preservação do samba tradicional, com a memória musical brasileira?
Edu - Não só com o samba, e sim com todos os ritmos brasileiros que estão esquecidos e muito mais marginalizados do que o samba. O Brasil é um país riquíssimo. Não dá pra acreditar que seja preciso importar alguma coisa para se fazer música com tantas possibilidades. Na Bahia, Maranhão, Pernambuco, há muitas coisas que ainda não chegaram ao grande público pra valer. Por exemplo, o frevo mesmo, aquele barra pesada, não é muito conhecido. É mais restrito a Pernambuco.
Qualis - Vocês têm interesse em ouvir a atual produção brasileira ou internacional? Sentem necessidade de informação musical?
Edu - Música é tudo a mesma coisa, é tudo mais ou menos igual. É verdade, eu posso ouvir o Tom Jobim com o mesmo prazer que o Piazzolla, apesar de serem totalmente diferentes. Mas o que interessa é a harmonia, a melodia e o ritmo, e são dois craques que mexem com isso de uma maneira muito interessante. Interessante a sua pergunta. Para a maioria das pessoas, músico tem que ficar ouvindo música o tempo todo para poder fazer música.
Qualis - Chico, na última entrevista que você deu, no ano passado, a vitrola da sua casa estava quebrada, não tinha som na sua casa, não tinha nada...
Chico - É o Edu que conserta meu som.
Edu - Eu ia dizer isso agora... Normalmente eu conserto. Eu tenho mania de conserto.
Chico - Pois o meu som continua quebrado. Ele quebra com uma facilidade... eu sou capaz de passar meses sem ouvir música. Não fico ouvindo música constantemente. 'I hate music'. Não gosto da música de fundo que está tocando nesse bar.
Recentemente a minha filha me mostrou o último disco do Sérgio Mendes. O que é? Sei lá. Tem o Carlinhos Brown, uma espécie de um rap, uma moça cantando em inglês e aquela batucada lá comendo solta, depois um coro em português, é interessante...
Qualis - Falando em Sérgio Mendes, vocês já consideram a possibilidade de seguir carreira no exterior?
Chico - Tenho uma proposta de gravar ainda este ano um disco na França. A ideia é levar músicos daqui para gravar num estúdio em Paris. Isso é motivado por uma questão técnica, de mercado. É pra evitar problemas com importação, porque o disco importado lá perdeu o charme artesanal que tinha anos atrás. Eles consideram hoje que o disco brasileiro não está tecnicamente à altura.
Isso, nos EUA nem sei se seria uma questão de ordem técnica. Lá, você simplesmente não entra com um disco feito aqui. Eles não importam música. Você tem que produzir lá, para lançar lá e ver se a partir de lá chega ao Brasil.
Agora na Europa a questão é de ordem técnica, e não estética. A ideia não é fazer um som diferente. Vi ser um disco feito essencialmente por músicos brasileiros, com exceção das cordas, sopros e madeiras, que serão tocados por músicos de lá. Mas  não tenho a menor intenção de fazer carreira ou morar fora do Brasil.
Qualis - Mas você costuma passar longas temporadas em Paris...
Chico - Muitas vezes digo que estou em Paris, porque é mais longe, mas na verdade estou em Petrópolis.
Qualis - Vocês fazem parte, ao lado de Gil, Caetano, Paulinho da Viola, etc, de uma turma que chega aos 50. O que se verifica hoje é que não surgiram talentos em número e com peso suficiente para caracterizar uma sucessão, dar continuidade à obra de vocês...
Edu - Não concordo. Acho que não teve mercado nos últimos anos para revelar esses talentos. Quando a gente começou, o mercado era muito mais favorável, era muito mais fácil aparecer com uma canção num programa de TV, e depois gravar um disco. As regras eram menos duras.
Chico - Naquele tempo o artista tinha mais tempo para se firmar, não tinha aquela ansiedade da indústria de lançar pessoas e queimá-las imediatamente. Não existia esse 'público jovem' de hoje, com essa publicidade dirigida para ele. Não existia a palavra mídia. Hoje as pessoas até surgem com facilidade, mas correm o risco de desaparecer da mesma forma se não tomarem cuidado. É uma facilidade muito enganosa, que acontece em todas as áreas.
Qualis - Edu, você disse que o mercado ocultou novos talentos. Mas você vê mesmo o surgimento de novos talentos na MPB?
Edu - Claro. Toda hora. Principalmente instrumentistas.
Qualis - Mas assim carreiras de novos compositores como Guinga, é uma coisa bastante rara hoje...
Edu - Tá certo. Mas  há inúmeros instrumentistas de talento, que estão aí com um trabalho bonito.
Chico - E são pessoas sérias, que estudam muito mais música do que se fazia no nosso tempo.
Edu - Na época da gente, entre os violonistas tinha Baden, João Gilberto num outro nível, e mais uns cinco ou seis. Hoje você conta uns trinta de cara, e de altíssimo nível. Isso falando só no violão. Se você pensar nos outros instrumentos, vai encontrar artistas elaborando formas musicais muito difíceis de ser realizadas, que não existiam na nossa época."

segunda-feira, 28 de março de 2016

Entrevista com Chico Buarque e Edu Lobo - Revista Qualis (1993) - 2ª Parte

" Qualis - Onze anos depois de sua primeira edição, estão lançando em CD o 'Grande Circo Místico'. O que representou  este disco para vocês?
Edu - É super importante. Fazia muito tempo que eu não ouvia esse disco, e agora, quando fiz a remasterização em Los Angeles para o relançamento, ouvi com muita atenção e tive a boa sensação de sentir que ele não envelheceu. Eu não tive muita vontade de ficar mexendo, o que normalmente acontece; sempre a gente quer consertar aqui e ali. Ele tem uma cara que me agrada muito, foi um trabalho que eu gostei muito de fazer. Agora, o que sai foi um pouco ampliado em relação ao lançamento inicial. Foram acrescentadas duas peças instrumentais, 'Oremus' e 'O Tatuador', que faziam parte do espetáculo, tinham ficado de fora do LP e foram incluídas agora porque a duração maior de CD permite.
Qualis - Vocês se tornaram donos dos direitos desse disco, que está saindo pelo selo Velas. O que representa o atual crescimento dessa gravadoras independentes aqui no Brasil?
Chico -É uma tendência que está ocorrendo em toda parte, no mundo todo.
Edu - Aqui esses selos menores começam a aproveitar as brechas deixadas pelas gravadoras maiores, que não estão ligando para uma música que não tenha uma vendagem imediata. Dessas menores, a melhor proposta para lançar este trabalho veio da Velas. Foi a única que concordou com essa remasterização, que não é luxo, é necessidade.
Qualis - Edu, nos anos 60 o seu trabalho foi classificado dentro de uma corrente chamada de 'social'. O Chico também tem muitas músicas de cunho social forte...
Edu - Pior, era chamada 'música de protesto'. É um label da gravadora, que precisa botar um carimbo, como 'axé music', por exemplo. O Bob Dylan era compositor de protesto, eu era um na época e o Chico também. Então, compositor de protesto tem que andar com compositor de protesto, aí você faz uma balada e parece que está traindo a sua própria obra, você já não é mais o mesmo.
Qualis - Mas hoje, em 93, para vocês o engajamento político-social combina com a criação artística? É uma coisa que pode dar certo ou são duas forças que não combinam?
Chico - Eu acho que pode combinar. Desde o começo eu digo isso, não há obrigatoriedade de engajamento social ou político numa obra de arte. Mas também não sou da corrente que acha o engajamento prejudicial à estética. Esse disco, por exemplo, você pode julgá-lo inteiramente desengajado, fora da realidade social brasileira, e por outro lado você pode ter uma leitura política e até social engajada dessas músicas. O romance que eu escrevi, 'Estorvo', as pessoas falavam 'Ah, mas ele não é engajado'.
Qualis - Existe essa cobrança até hoje das pessoas falarem que você se distanciou...
Chico - Há uma cobrança dos dois lados. Existe muito mais estreiteza ideológica por parte de quem ouve do que por parte de quem produz. No tempo da ditadura então, era uma coisa doida, porque não só as pessoas ansiavam por mensagens de contestação, viam coisas que não existiam, mas a própria censura também enxergava subversão em tudo. E as coisas acabavam por isso adquirindo um teor contestatório ou subversivo, dependendo do momento ou da leitura que se fizesse.
Acho que não pode ser uma preocupação básica do artista criador. Ele tem que estar aberto para tudo. Aqui, por exemplo, para escrever essas letras eu mergulhei em livros sobre o zen-budismo, matérias a respeito das quais eu era absolutamente leigo. Passei a me inteirar de questões místicas porque era necessário.
Um artista que não tem nenhum engajamento na sua vida pública é capaz, como artista, de escrever uma peça engajadíssima se isso for interessante para produzir uma obra de ate. É isso que é importante. Claro que você ter uma posição política fora do trabalho é uma coisa inteiramente diferente.
Edu - Existe uma coisa fundamental que é a qualidade artística. Na época, eu lembro de que as pessoas ditas 'engajadas' só ouviam certo tipo de cantores ou compositores e, às vezes, por causa disso, tinham de engolir canções de quarta ou quinta categoria em termos artísticos, só porque eram engajadas, como se fossem melhores por isso. Se o texto que está sendo dito é políticamente correto, isso não quer dizer que a música, o trabalho seja interessante. Por outro lado, tem o artista que faz canções de amor e é rotulado de de 'alienado' ou 'por fora', só porque é um trabalho mais leve.
Chico - Essa discussão existe há muito tempo, desde o fim dos anos 60, aquela besteira de 'música alienada'...
Qualis - Hoje ela ganhou outros contornos. Em recente entrevista à Qualis, Gal Costa disse que existe hoje uma militância política na carreira dela, que se dá através da valorização de um certo tipo de composição popular, numa abordagem instrumental mais rigorosa.
Chico - Evidente. Porque a militância política hoje é muito diferente do começo dos anos 70, na época da guerrilha urbana. Hoje a questão ideológica está muito mais livre.
Qualis - As formas de  música erudita os inspiram de alguma maneira para realizar seus trabalhos?
Edu - Sim, mas não é só isso. Tem música popular o tempo inteiro, brasileira, jazz, Piazzolla, qualquer tipo de música que me passe algo interessante. É claro que um dia ou  outro alguma informação acaba aparecendo em minha música.
Acabei de fazer um samba em par com o Chico - por sinal, ele está me devendo a letra - , em que apareceu uma sequência estranha de acordes. Fui descobrir tempos depois que era reminiscência de um concerto do compositor cubano Leo Brauer que ouvi 20 anos atrás. Isso voltou agora e entrou num samba absolutamente carioca.
Chico - Eu nunca peguei uma partitura de Stravinsky para estudar, mas ouvi muito, e muito jazz também. Essas coisas fazem parte da minha formação, mas bem menos do que para Edu. Minha educação musical foi se dando com o tempo, através do contato com músicos como Tom Jobim. A parceria com o Edu também me aprimorou como músico.
Qualis - Você chegou a dizer que foi a batida de João Gilberto que o motivou a tocar o instrumento.
Chico - Sim, claro. Antes disso eu gostava de música e cantava marchinhas de carnaval, mas não tocava. A partir daí, comecei a aprender violão errado ('no olho' ou de ouvido, através dos discos, tentando imitar) e fui me familiarizando com o instrumento. O ouvido foi corrigindo o olho, que foi corrigindo a mão. Hoje, eu conheço o meu instrumento muito mais do que 20 anos atrás.
Ultimamente tenho tocado muito violão e tenho me divertido muito ao rearmonizar músicas que eu tinha esquecido. É um trabalho interessante de recriação. "
(continua)

domingo, 27 de março de 2016

Entrevista com Chico Buarque e Edu Lobo - Revista Qualis (1993) - 1ª Parte

A parceria de Chico Buarque com Edu Lobo é uma das mais férteis da MPB. Sempre formada para compor canções para musicais de teatro, esse trabalho em parceria produziu alguns verdadeiros clássicos, que atestam a genialidade desses dois autores, surgidos nos festivais dos anos 60, e que consolidaram seus trabalho através dos anos. Em 1993 a revista Qualis fez uma boa entrevista com os dois músicos. Concedida a Celson Masson e Jean-Yves de Neufville, a matéria de capa é intitulada "Palavras e  notas", e segue abaixo:
"1993 tem tudo para ser o ano em que  Chico Buarque vai virar a mesa. Após uma entressafra musical que o levou a enveredar pela literatura e escrever seu primeiro romance, 'Estorvo', o compositor dá sinais de que vai voltar a produzir e cantar canções. Entre seus projetos está um disco que ele deve gravar na França, outro que ele ainda está devendo à gravadora BMG, e ainda a montagem de um novo show. O ponto de partida desta virada se deu em março com o lançamento em CD do álbum 'O Grande Circo Místico', um musical composto em 82 em parceria com Edu Lobo. Na ocasião, Chico e Edu concederam à Qualis uma entrevista exclusiva. Aproveitamos essa rara oportunidade para entender melhor a arte desses mestres da música popular brasileira, e fazer com eles um balanço entre passado, presente e futuro.
Qualis - As suas obras respectivas, que já cobrem um período de quase 28 anos, tomaram inúmeras formas, passando por diversos veículos e formatos - canções, discos, shows, livros, teatro ('Ópera do Malandro'), cinema, musicais, trilhas para seriados de TV (Edu: 'Ra-Tim-Bum), etc. O que motivou essa busca constante de diversificação?
Chico Buarque - Começamos numa época em que havia esse intercâmbio entre as formas de arte, talvez mais do que hoje. O pessoal do cinema, do teatro, da música, das artes plásticas, andava sempre nos mesmos lugares. A gente sempre se encontrava, trocava ideias. Foi um período muito rico, na década de 60. Eu mesmo comecei assim, fazendo música de encomenda para teatro.
Edu Lobo - Essa coisa de trabalhar por encomenda sempre funcionou muito bem, tanto para mim quanto para o Chico. Funciona como um desafio, um estímulo, que obriga a fazer. O ato de criação de maneira geral é muito solitário. Então quando você tem mais pessoas para dividir, ou mais pessoas se cobrando, um assunto específico a partir do qual você tem que compor, trabalhar e pensar, isso funciona. Tem gente que odeia. No nosso caso sempre funcionou como estímulo. Dá um certo arrependimento depois de assinar o contrato. Você fica pensando: 'O que eu fiz agora, não vai dar tempo'. Esse 'não vai dar tempo' deixa você o tempo todo ligado - são sei lá quantas músicas para compor em três meses, e sempre acaba dando certo.
Qualis - Chico, você então compôs aquela música de encomenda para uma peça de teatro em São Paulo, entregou e acharam que não servia. Você acabou virando a madrugada e entregou outra música, 'Tem Mais Samba'.
Edu - Era uma encomenda de Luiz Vergueiro, que depois me levou para conhecer o Guarnieri e fazer 'Arena Canta Zumbi'.
Chico - Era uma peça chamada 'O Balanço da Bossa', que tinha na primeira parte o Taiguara, Toquinho e Ivete.
Além dessa coisa do trabalho, do estímulo da encomenda, acho que havia naquela época um interesse mais amplo por assuntos de ordem geral. A gente discutia cinema, todo mundo ia no Paissandu, via os filmes do Glauber... Havia uma efervescência cultural muito grande. O pessoal não se juntava apenas para falar de música ou fazer só música. Falava de tudo. Hoje eu tenho a impressão de que a coisa está mais compartimentada. Até porque as pessoas estão se engajando profissionalmente com mais consciência do que nós naquele tempo. No começo era uma coisa meio amadora. Para nós a música era um quebra-galho, um hobby, uma brincadeira. A gente não tinha a visão profissional que um garoto que está começando agora já tem. Hoje a indústria está mais presente, muito mais ansiosa, precisando de gente nova, que apresente coisas novas o tempo todo. Na época era bem diferente. Havia mais tempo.
Capa da revista
Qualis - O trabalho de criação muda muito quando você passa da composição para teatro ou balé, para uma simples canção do disco?
Edu - Dependendo do assunto, pode mudar. Você pode ser obrigado a trabalhar num tipo de música que nunca experimentou. O teatro tem a vantagem de obrigar a compor coisas que você jamais teria pensado em fazer, se não fosse uma determinada cena que eventualmente obriga a fazer um tango ou um blues, por exemplo.
Qualis - Chico, há um aspecto literário nas letras que você escreve que também pode ser detectado no seu romance, 'Estorvo', em que você parece usar cada palavra como se fosse letra de canção. São abordagens semelhantes ou distintas?
Chico - Elas são distintas porque as palavras numa canção eu escolho a partir da música. É  uma parceria. A palavra não aparece antes da música e sim, depois, mesmo quando eu faço uma música sozinho. Nunca escrevi uma letra de música antes da música existir. O processo do romance é diferente. Trata-se de escrever uma letra de música, só que sem a música. Na época em que eu estava escrevendo, ficava repetindo frases em voz alta para minha filha e ela dizia: 'você está escrevendo um livro como se fosse letra de música'.
O rigor com as palavras é o mesmo, mas é diferente porque a escolha das palavras numa música é uma, e sem a música é outra. Você vai escolher a musicalidade própria da palavra, a palavra que tem maior autonomia. Você opta entre uma palavra e outra, entre sinônimos, numa música por um motivo, sem música por outro.
Muitas vezes a palavra aparece antes mesmo do sentido da letra. Às vezes uma letra bonita começa por uma palavra, uma palavra que é puxada pela melodia. É muito comum os parceiros cantarem a música, e quase que existe uma onomatopeia no que eles cantam. Cada som muda uma palavra, essa palavra é a chave para o verso, que pode ser a chave para a letra toda.
Qualis - Como é compor em dupla?
Edu - Cada parceiro tem um jeito diferente de trabalhar. Eu tenho parceiros letristas que também fazem música, e eles são diferentes daqueles que não fazem música. O parceiro que faz música compreende exatamente a necessidade da música, sabe que a palavra não pode vir com a acentuação fora do tempo para não cantar 'pálavra'. Com o Vinicius tinha essa facilidade, como eu tenho com o Chico, porque são pessoas que fazem música. O Capinan, por exemplo, que é mais poeta do que músico, a 'trip' dele é um pouco diferente, até a maneira de trabalhar. Ele costumava mandar muita coisa pronta para musicar. O que também estimula.
Qualis - Mas isso também não dá mais trabalho?
Edu - Eu sou obrigado a fazer uma música que tenha uma estrutura musical interessante, que tenha a ver com aquela letra e, em certos casos, o ritmo do poema não ajuda a música. Você tem que começar a cortar, porque não pode fazer frases musicais seguidas de tamanhos diferentes. O poeta não tem muito esse tipo de preocupação. Às vezes o texto é lindíssimo e você não consegue musicar. Existem poetas que eu não pensaria em musicar. João Cabral é muito mais difícil de musicar do que o Bandeira, por exemplo.
Qualis - A estrutura musical requer uma linguagem escrita específica...
Edu - Poesia não é letra. Na letra tem poesia, mas a poesia nem sempre pode ser musicada. Às vezes ela é absolutamente impossível de ser musicada. A não ser que você faça uma coisa meio atonal, absolutamente solta, usando palavras soltas e com a estrutura menos rígida, supostamente mais moderna, mas que na realidade não vai ter o equilíbrio que uma canção pede.
Qualis - Nos anos 60 vocês deviam se conhecer, mas só começaram a compor em parceria em 81. A primeira música foi 'Moto Perpétuo', e vieram três musicais: 'O Grande Circo Místico', 'O Corsário do Rei', peça de Augusto Boal, e 'Dança da Lua Nova'. Por que essa parceria não surgiu antes?
Chico - Edu tinha outras parcerias. Eu, na verdade, tinha poucas, no começo. Esse trabalho de fazer letra para outro parceiro, passei a desenvolver mais no fim dos anos 70. No começo fiz algumas coisas com o Tom, mas poucas. Depois, veio o trabalho com Edu, mais sólido porque foi realizado em torno  de projetos, que a gente discutia muito antes de começar. Mas demorei, custei a aprender. No começo eu só sabia fazer música comigo mesmo."
(continua)

sábado, 26 de março de 2016

Os Novos Baianos Lançam Infinito Circular - Revista Jam (1997) 2ª Parte

"Fazer as malas, juntar as tralhas e mudar de cidade, passar noites e até algumas semanas na cadeia, por causa das drogas, eram atividades corriqueiras na vida desses artistas. A falta de grana jamais pôde deixar de ser sentida e não era difícil alguém do grupo se desfazer dos bens pessoais em troca de comida. Quando João Gilberto aparecia na casa dos Novos Baianos, uma das coisas que sempre fazia era bancar fartos cafés da manhã para todos. Mas, no fundo, o que importava era o fato deles estarem juntos fazendo o que mais gostavam e sabiam: música. Os shows, os contratos com as gravadoras para fazer os discos, também eram importantes, porque o pouco da grana vinha disso. Mas, acima de tudo estava a enorme satisfação de mudar através da música os pensamentos e as atitudes de uma juventude ávida de liberdade. A satisfação de serem o que todos queriam ser.
Infinito Circular tem uma característica muito especial. É a primeira vez, em toda a carreira dos Novos Baianos, que eles gravam um disco ao vivo: 'É um valor histórico que não tem preço. Quem esteve com  a gente nos dois dias de gravação vai estar eternamente na história conosco. O grande barato é a integração plateia-músicos que quase não acontece', empolga-se Baby. Paulinho Boca de Cantor também está entusiasmado com o registro do encontro: 'A gente está vivendo um momento bonito, vamos deixar isso registrado. Eu acho que a gente riscou um palito de fósforo e vamos incendiar o mundo'. É opinião unânime e garantida de todos os integrantes que os trabalhos individuais, que eles levam em paralelo não foram colocados no disco em nenhum momento. É a 'atmosfera' Novos Baianos que foi resgatada e reina neste reencontro. Moraes Moreira acredita ainda que o disco vai trazer a novidade e mostrar que o grupo continua criando, não se aposentou e quer mais: 'Fomos buscar aquele clima antigo. Nós não vamos prometer um disco todo ano, isso nem é bom. Temos uma opção no nosso contrato para fazer um disco no ano 2000. Mas a gente não manda muito nisso, a coisa é que nos leva'. 
Quase  30 anos de carreira não podem deixar de expressar experiência, maturidade e uma sintonia difícil de se encontrar em bandas que há tempos estão juntas. Baby diz que este entrosamento é o responsável pela abertura de um canal de inspiração. Não foi nada difícil juntar energia para compor novas músicas que só consagraram esta facilidade de união do grupo: 'Bastou a gente se encontrar e, no mesmo dia, no estúdio de Moraes, já saiu a primeira música, 'Infinito Circular'. Em seguida, no estúdio de Pepeu, fizemos mais canções. Nós não programamos isso e acho que é assim que garantimos o sucesso do grupo'. Nem poderia ser diferente. Durante 10 anos os cinco moraram juntos e ao longo do tempo os agregados, esposas e filhos fariam parte da festa. Não importava muito o lugar, poderia ser um apartamento em São Paulo, o sítio em Jacarepaguá no Rio de Janeiro ou mesmo a comunidade alternativa de Arembepe na Bahia, lá estava a trupe novosbaianos tentando sobreviver sem grana mas fazendo música: 'Nós lavamos roupa juntos, varremos juntos e cozinhamos juntos. A gente tem uma intimidade enorme', diz Baby.
Quando Marisa Monte regravou 'A Menina Dança' no último disco, Barulhinho Bom, foi o começo de tudo.; 'A gravação desta canção contribuiu muito e mostra como Marisa vê o grupo: um baú de música brasileira dos mais férteis. Ela trouxe este conhecimento ao público e isso só nos deu mais segurança.', explica Baby. Daí para a frente o caminho estava aberto. Luiz Galvão conta que sempre existiu a ideia de uma nova união. Este ano o público pôde conferir alguns 'ensaios' do que seria o verdadeiro encontro: primeiro foi o lançamento do livro de Luiz Galvão, Anos 70: Novos e Baianos. Nesse dia o grupo cantou alguns sucessos num pequeno bar de São Paulo. Depois, a homenagem ao 50º aniversário de Moraes Moreira no último Heineken Concerts. Pela primeira vez em 20 anos todos reunidos recepcionando, no palco, os antigos companheiros. Quem viu este espetáculo pôde ter uma ideia da força que os Novos Baianos ainda têm: 'No festival sentimos a grande expectativa do público de 16, 17 anos, o que nos deu mais confiança. Naquele momento sabíamos que o nosso trabalho havia rompido as barreiras do tempo', relata Baby. Quando o grupo se apresentou em Curitiba pelo mesmo festival, o público não se aguentou: 'As meninas entraram chorando no camarim', conta Moraes. 'O povo não só mostrou que gostou como fez cara de nós te amamos', ressalva Pepeu.
Os filhos parecem seguir os mesmos passos dos pais. Outra opinião unânime do grupo é de que esta nova geração tem uma musicalidade e uma personalidade próprias que superam as dificuldades de terem pais famosos. Mais do que filhos são artistas que amam o trabalho dos Novos Baianos. Baby do Brasil colocou suas filhas (e de Pepeu), para fazer backing vocal em seu último disco solo, Um. Davi, filho de Moraes, toca guitarra na banda de Marisa Monte.  O baterista da banda Catapulta é filho de Paulinho Boca de Cantor. O mais novo, Beto, toca baixo e é produtor musical do pai. 'O que mais me deixa feliz é que nós não cometemos o grave erro de afogá-los no sucesso que nós tivemos. A personalidade deles é evidente', explica Baby. "

sexta-feira, 25 de março de 2016

Os Novos Baianos Lançam Infinito Circular - Revista Jam (1997) 1ª Parte

Os Novos Baianos sem dúvida alguma podem ser considerados um dos melhores e mais criativos grupos musicais já formados no Brasil em todos os tempos. A reunião de tantos talentos num mesmo projeto musical só poderia desaguar em trabalhos que se tornaram marcantes na MPB, não só como grupo, como também no trabalho solo de vários de seus integrantes. Volta e meia o nome dos Novos Baianos vem à tona, seja em documentários, livros, como os do letrista da banda Luiz Galvão e de Moraes Moreira (em versos), ou trabalhos musicais, como os shows de Moraes Moreira interpretando as músicas do disco Acabou Chorare, junto a seu filho Davi, seja no aclamado show reunindo Baby e Pepeu no último Rock In Rio, e agora se fala em mais uma reunião da banda para um projeto especial.
Em 1997 foi feita uma primeira reunião da banda após sua dissolução, e a gravação de um excelente CD ao vivo, Infinito Circular, e vários shows pelo país. Na ocasião a revista Jam nº 8 (setembro de 97) fez uma matéria sobre essa reunião, numa matéria assinada pela jornalista Adriana Grinover, que reproduzo abaixo:
"Quem tem seus 20 e tantos anos e gosta de MPB já deve ter ouvido falar, escutou alguma coisa ou possivelmente sabe de cor músicas como 'Preta Pretinha' e 'Brasil Pandeiro'. Quem tem seus 40 ou 50 anos, então, pôde viver de muito perto o sucesso destas canções e de várias outras que os Novos Baianos fizeram. Agora eles voltaram a se reunir e gravaram pela primeira vez um disco ao vivo, em dois shows na cidade de São Paulo, no mês de maio. Baby do Brasil (antes Consuelo), Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão, todos parecem bem felizes com este reencontro: 'Em 1994 existiram algumas energias favoráveis, nós nos ligamos e a coisa começou a se concretizar. Este trabalho novo é para nós um mestre, um prazer enorme', conta Baby. O grupo se formou em 1969, na Bahia, com a parceria Maraes-Galvão; em seguida Paulinho Boca de Cantor, Pepeu e Baby juntaram-se a eles. O nome Novos Baianos é sugestivo. Novos porque significava mais baianos fazendo música, pois a primeira 'leva', na época, veio alguns anos antes para o eixo São Paulo-Rio de Janeiro com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Bethânia e Gal. Artistas que, quando os 'Novos' chegaram, já estavam se formando como sucesso.
Previsto para ser lançado em setembro, pela Globopolydor, o CD dos Novos Baianos conta com nove canções inéditas, 'Infinito Circular' (que dá nome ao disco), 'A Terra Que Não Treme', 'Stand By', 'Retrato Pensado', 'Flor de Mandacaru', 'Eu Sou Nua', entre outras. Mais oito antigas, a maioria do disco Acabou Chorare, além de 'Colégio de Aplicação' (do primeiro LP Ferro na Boneca) e 'Samba da Minha Terra' (do disco Novos Baianos FC), todas com arranjos originais. Quem acompanha a banda são os músicos que em algum momento estiveram tocando com os Novos Baianos: Dadi e Didi (baixo); Jorginho Gomes (bateria e bandolim); Charles Negrita e Bola Moraes (percussão); Zé Roberto. o Baixinho (percussão e bateria); e Gato Félix.
Este novo disco mostra, entre outras coisas, que a criatividade do grupo continua intacta. Todas as canções inéditas foram compostas num curto espaço de tempo. 'O Jorginho precisava viajar na época, e isso forçou uma organização do grupo. Nós fizemos oito músicas em 12 dias', explica Moraes Moreira. O processo de composição dos Novos Baianos não está muito diferente do de 20 anos atrás. A responsabilidade de fazer canções do mesmo nível de 'Preta Pretinha' é inevitável, mas há uma espontaneidade desenfreada que sempre fez muito bem ao grupo: 'Houve uma criação coletiva, que foi acontecendo, a gente foi se empolgando... Nós sabemos que vai haver uma cobrança quanto à qualidade do trabalho, que o público vai dizer: 'bom, vamos ver se esses caras estão legais mesmo ou se estão querendo fazer um disco saudosista para ganhar um trocado', diz Moraes.
Pepeu garante que durante a criação das músicas inéditas do novo disco houve um cuidado especial na parte harmônica, muito valorizada e uma das marcas registradas do grupo. Aliás, harmonia é uma parte trabalhada pelos Novos Baianos desde quando conheceram João  Gilberto no fim dos anos 60 e começo dos 70 e com ele aprenderam a dar importância e um solo ou um acorde na hora certa. João os ensinou, também, a colocar a voz e mesmo a respirar no tempo certo. Segundo Moraes, todos esses ensinamentos estão concretizados no disco Acabou Chorare: 'Ele conseguiu com toda a sutileza colocar na nossa cabeça coisas musicais e até de vida. A gente começou a ver o samba, resgatar Assis Valente. Formou-se um pensamento musical que se chama Novos Baianos, registrado no disco Acabou Chorare.
A questão é que podemos chamar de reação química. Quando esses baianos se encontram a energia é tanta que só pode acontecer mesmo uma produção louca de música. Energia que revitaliza os cinco, porque estar juntos significa trazer a tona e reviver com intensidade uma época que foi gloriosa para eles. O clima é de festa, de descontração, de amizade profunda. É curtição o tempo inteiro. No palco não é diferente. Baby do Brasil simplesmente arrasa. Ela brinca, conta histórias e sua voz está longe de ser considerada ultrapassada pelo tempo.
A espontaneidade estava presente, de um modo geral, na vida de todos eles. 'Nossas vidas eram mesmo muito espontâneas', conta Moraes. Não era preciso algum momento especial, de repente Luiz Galvão pensava numa letra e em seguida mostrava para Moraes, que alguns minutos depois já estava com a música para ela pronta. Em 'Acabou Chorare' foi assim. Uma abelha entrou pela janela do apartamento (importante: às 6 horas da manhã) e pousou na mão de Luiz. Neste mesmo dia, à noite, em outro apartamento, a abelhinha voltou e pousou no mesmo lugar. 'Vivíamos uma fase lisérgica muito associada com a mística e uma busca vertical da verdade, mesmo trilhando linhas tortuosas', assim escreveu Luiz Galvão em seu livro Anos 70: Novos e Baianos. Galvão telefonou a João Gilberto e contou que estava fazendo uma letra sobre o episódio da abelhinha, ele disse: Fenomenal!' João contribuiu mais ainda dizendo que sua filhinha Bebel, para esconder a dor de um tombo, quando criança, disse uma vez: 'Não, acabou chorare'. Do episódio, associado à fase lisérgica, resultou: Acabou Chorare/ficou tudo lindo/De manhã cedinho/ Tudo cá-cá-cá/Na fé-fé-fé/No bu-bu-li-li/No bu-bu-li-lindo/No bu-bu-bolindo/ Talvez pelo um buraquinho/Invadiu-me a casa/Me acordou na cama/tomou meu coração/E sentou na minha mão/Abelha, abelhinha/Acabou Chorare/...

(continua)

terça-feira, 22 de março de 2016

Led Zeppelin - O Ataque dos Replicantes ( O Globo - 1988)

Volta e meia o Led Zeppelin é assunto em publicações sobre rock. As bandas clássicas e históricas do rock, surgidas nos anos 60 e 70, sempre serão lembradas e seguem ganhando novos fãs, adolescentes que nem eram nascidos na fase áurea daquelas bandas. Um exemplo é o Led, que em 03/04/88 foi matéria principal da coluna Rio Fanzine, publicada no jornal O Globo. Assinada pelo crítico José Emílio Rondeau, a matéria que tinha por título "O ataque dos replicantes", traz um resumo da influência que a banda exercia na época, sobre o trabalho de outras que deixavam essa influência transparecer em seus trabalhos, e até denuncia uma imitação descarada, que segundo Rondeau, beirava o plágio, por parte da novata banda Kingdom Come. Segue abaixo a reprodução da matéria:
"Se alguma pessoa resolvesse montar, 10 anos atrás, uma banda de rock 'tipo Led Zeppelin', ou estava com pelo menos um pé firmemente plantado na entrada do hospício ou era de tal maneira afeita à Ordem Antiga do Rock que não via (ou não entendia) a efervescente e convicta cena punk da época, para a qual o Led Zeppelin representava 'o inimigo': a banda megamilionária, parasitária, egotrípica, velha e ultrapassada. O Led Zeppelin era o que chamávamos de 'dinossauro'. O Led Zeppelin era a decadência.. Não importava que o passado da banda a absolvia; o presente a condenava a uma crucificação prontamente executada pela ala mais jovem da crítica. Não que o Led tenha sido em alguma época, favorecido pela crítica. Apesar da imensa popularidade o LZ era tradicionalmente execrado pela crítica. Foi, portanto, uma 'morte' festejada.
Mas foi ontem. Hoje, março de 1988, parece não haver coisa mais 'in' do que o Led Zeppelin. A banda mais odiada da década passada está passando por um processo de redescoberta e reabilitação jamais visto em toda a  história do rock. Por um lado, diferentes artistas estão tomando emprestado mais do que um bocado dos chavões, timbres, temas, fraseados, e penteados até, de uma banda extinta desde 1980, estabelecendo, assim, toda uma linhagem confessa de 'filhos do Led Zeppelin'. Por outro, o artigo genuíno, por assim dizer, está de volta à praça: o vocalista Robert Plant acaba de lançar um álbum solo, Now and Zen, no qual não apenas retorna ao topo de sua forma, como também reclama seu passado como um dos integrantes da mais importante e influente banda de rock dos anos 70, depois de muito tempo renegando essa herança.
A ressurreição de Plant talvez se explique pela força crescente do heavy pop. Afinal, tudo que se ouve hoje, em termos de rock pesado, faz parte de uma cartilha escrita há anos, pelo Led Zeppelin: a temática gótica, a postura heroica e toda-poderosa, o blues elétrico. Se hoje fazem sucesso Bon Jovi, Scorpions, Megadeth e Metallica é porque um dia existiu o Led Zeppelin. Não se entende, porém, o encanto súbito da crítica com artistas tão desdenhados no passado: se antes o Led era chamado de 'coisa de criança', hoje o grupo é louvado como clássico e pioneiro. Coisas da história.
De qualquer forma, é fascinante observar a reemergência do Led Zeppelin na cena rock, seja como alvo das gozações dos imbeciloides Beastie Boys - que chuparam trechos sampleados do Led Zeppelin em seu álbum de estreia -, seja sob a forma de 'parentes' e 'pastiches' que vão de The Cult e Mission e Whitesnake e Kingdom Come. O que levaria o Whitesnake, por exemplo, a criar uma uma nova imagem e um novo repertório mais próximos do Led Zeppelin do que do Deep Purple, de onde o grupo liderado por por David Coverdale realmente nasceu? O que empurraria o Mission a recrutar um ex-Zeppelin, John Paul Jones, para produzir seu novo álbum? É, mais gritante ainda, por que uma banda desconhecida estrearia em disco literalmente copiando nota-por-nota, o Led Zeppelin, como fez a novata Kingdom Come? Será que toda essa gente gostaria de ser o Led Zeppelin? E se esse fosse o objetivo, por que? Que força irresistível é essa que leva gente a querer tanto ser um mesmo 'fantasma'? Deve ter vantagens ser o Led dos 80? para uma geração que nunca ouviu falar da antiga banda original, mas e no caso do Kingdom Come? Toda essa clonagem é repetidamente reforçada  no álbum de estreia do grupo e a gravadora (Polydor) querem que todo mundo saiba que seu objetivo é ser parecido com o Led Zeppelin. Só que não se trata de um 'parente', por assim dizer: é um imitador irritantemente igualzinho ao original. Justo como pretendia o vocalista alemão Lenny Wolf, o cérebro por detrás do Kingdom Come, descoberto 'por acaso' (conheço esses 'acasos') por uma rádio FM norte-americana, numa compilação de novatos metálicos tipo pau-de-sebo. São de Lenny todas as  músicas e é ele quem dá as ordens no grupo. E é ele, portanto, o maior cara-de-pau da tropa.
Porque só mesmo muito cinismo para arquitetar um grupo como o KC: a voz de Wolf é processada para ficar mais igual à de Plant do que ele já força. E todas as faixas repetem timbres, arranjos e fraseados dos discos antigos do Led: 'Get It On' é irmã gêmea de 'Kashmir'; 'Loving You' começa com uma guitarra saída de 'Starway to Heaven' e engrena no tipo de balada folk celta característica do álbum Led Zeppelin III, com bandolins, violões de 12 cordas e odes à fada da floresta. '17' é 'Since I've Been Loving You' sem tirar nem pôr. 'The Shuffle' é o carbono acelerado de 'When the Levee Breaks'... e daí por diante, ladeira abaixo.
Essa frenética zeppelinzação do rock  só foi reforçada por Now and Zen. A mídia norte-americana de rock se ocupa exclusivamente de Robert, seus novos planos, e, a memória do Led Zeppelin. A MTV dedicou um fim-de-semana ao assunto e as FMs não cansam de tocar as duas faixas do álbum em que Robert e Page se reúnem publicamente pela primeira vez desde o Live Aid, em 1985: 'Heaven Knows' e 'Tall Cool One'. A primeira é um híbrido de blues elétrico dos anos 60 com os ritmos eletrônicos da era atual. Nela, Page arranca um de seus solos marca-registrada, combinando frases curtas e descasadas; 'Tall Coll Ane' é uma brincadeira rockabilly em que Plant brinca com a sexualidade inerente ao rock em geral e revisita com extremo bom humor seu passado zeppeliniano: Plant editou e sampleou trechos de clássicos do LZ numa coda interessantíssima, misturando passagens de 'Black Dog' ('he-hey, mama!), 'Dazed and Confused', 'The Ocean' e 'Wolla Lotta Love'. Mais notável ainda é que, pela primeira vez desde que iniciou carreira solo, Plant canta parecido com seus tempos de juventude. Não chega a ser aquele rugido nórdico que arrebentava o cristal dos microfones, mas lembra.
Para a horda de 'herdeiros' e imitadores do Led Zeppelin, o retorno de Plant é igualmente bênção e maldição: se por um lado estimula o interesse pelo tipo de música que fazem, por outro expõe a fragilidade das contrafações. Com Plant na estrada a partir de maio e abrindo fogo na imprensa contra seus 'sucessores' (ver box), não deve estar sendo confortável o sono de Coverdale e Wolf."
O box a que se refere a matéria, é o que segue abaixo, intitulado "Plant Não Engole Moscas":
Sobre o Whitesnake:
" O apelido de David Coverdale na Inglaterra é David Coverversion (David Imitação)".
"Ouvi falar que durante algum tempo ele (Coverdale) trabalhava como travesti".
"Coverdale passou os últimos dois anos tentando ser Paul Rodgers. Precisava ir adiante. Daqui a 10 anos ele vai ser  George Michael".
Sobre Si Mesmo:
"Não quero que a garotada ache que eu sou o padastro do Bon Jovi".
"Cansei de ficar me desculpando por um período incrível de sucesso e aceitação fanática. Agora chegou a hora de aproveitar. Quero me divertir em vez de inventar desculpas".
Sobre o Led Zeppelin:
"Para mim a banda deixou de existir no minuto em que Bonzo se foi".
"A canção definitiva do Led Zeppelin é 'Kashmir' ".
"Hoje em dia não é possível lançar material inédito, ao vivo, do Led Zeppelin. Como competir com o som dos CDs do Dire Straits?"

terça-feira, 8 de março de 2016

Alceu Valença O Leque Moleque de Pernambuco - Revista Manchete (1987) - 3ª Parte

" Você gosta de ser identificado como um artista de Olinda, nordestino? 'Por um lado eu acho bom porque sou um compositor daqui e não vou negar minhas raízes. Mas, por outro lado, não gosto quando isso se transforma num rótulo para identificar e classificar limitações em meu trabalho. Então, o meu grau de regionalidade é o mesmo, por exemplo, de Tom Jobim. Se eu incorporo elementos de rock, ele incorporou elementos do jazz. Mas ele continua sendo carioca. O fato de eu morar em Olinda acho o maior barato, mas eu não sou compositor olindense no sentido de limitar a esse espaço a minha criação. Aí eu não gosto. Eu respeito muito o folclore mas não gosto de virar folclore.'
Como São Bento, Recife, Olinda estão presentes em tua vida? 'Aqui, vivendo em Olinda ou Recife, eu sou outra pessoa. Então, hoje, veio um problema lá do Rio pelo telefone: se eu estivesse lá, estaria agoniado, nervoso; aqui, eu me seguro. Fico tranquilo. Por exemplo, em São Bento não tenho medo da morte, lá eu sou outra pessoa. Lá eu monto cavalo, corro, faço loucuras, mas aqui em Olinda se montar num cavalo tenho medo de cair. Acho que nós fazemos parte de uma grande corrente. Você, com as pessoas que conhece, com seu povo, faz parte de uma grande corrente. Há uma forma de cumplicidade. Uma coisa muito importante para o ser humano.
Alceu e Jackson do Pandeiro
Aqui eu converso com  as pessoas e sei que sou entendido. Basta um olhar. Um olhar e você estabelece um nível de cumplicidade com as pessoas. Tem a coisa física também. O rio Capibaribe. Quando eu atravessava a cidade para ir ao Cinema São Luís, passando aquelas pontes, pra ver filmes de Godard, então aquele rio tem uma história que me envolve com  a cidade. As pontes... eu não escrevo muito sobre o  Recife. Mas tenho amor pelo Recife assim como tinha Ascenço Ferreira. Eu me vejo muito como ele olhando aqueles casarões e com uma certa mágoa. Eu penso muito o Recife ali perto do Capibaribe, na Rua da Aurora na outra margem e sinto uma certa mágoa ao ver os edifícios tomando tudo em lugar dos sobrados, dos casarões. Uma agressão que me atinge, me dói muito. Aqui em Olinda há o tombamento que garante o respeito à arquitetura original, aí eu já trafego sem muitas angústias pelas calçadas, ruas e ladeiras. Aqui eu saio sem camisa, sem sapato. Ando sem ser incomodado. Os meninos falam comigo, mas não me enchem o saco. Tenho respeito. Eu aqui em Olinda me sinto como os doidos da minha terra, que são muito respeitados, são amados, são acariciados.'
A popularidade alterou o comportamento do cidadão Alceu Valença? 'De jeito nenhum. Vou nos mesmos bares que sempre fui. Não gostava muito de dar autógrafo. Você tá num canto e de repente é invadido. Se estou conversando com  as pessoas amigas, chega um e ignora essas pessoas pra falar comigo. Não gosto disso. Todos merecem atenção. Exijo atenção para as pessoas em minha companhia. Mas não tem jeito, o assédio acontece sempre. Mas não posso deixar de ir para a rua por conta disso. Eu sei que sou uma pessoa pública, sou poeta da rua mesmo.'  "

segunda-feira, 7 de março de 2016

Alceu Valença O Leque Moleque de Pernambuco - Revista Manchete (1987) - 2ª Parte

"Além das influências literárias que você já apontou, algum artista te influenciou diretamente? Você seguiu alguma linha musical? 'Eu não sou filho da bossa nova nem do tropicalismo. Sou outra coisa. A minha música, segundo a definição de um amigo, que concordo, é o Nordeste moderno. Claro, tenho raízes reais na região. O meu trabalho é fruto direto da minha vivência. Eu absorvi coisas de maneira muito natural.
Eu não fiz pesquisas nem vivo defendendo raízes com unhas e dentes, não é essa a história. Mas adquiri naturalmente essas coisas. Fui absorvendo as coisas que ouvia no meio da rua, cantadores, violeiros, aboiadores. Sei como me equilibrar em cima de uma burrinha de cavalo-marinho. Aprendi a aboiar. Cantar naturalmente um coco-de-roda. Se treinasse, eu poderia criar alguma coisa para o coco-de-roda. Eu podia ter sido um violeiro se tivesse ficado em São Bento do Una. As coisas foram somando e fui somando informações. E por sorte, ou azar, não sei, eu poderia ter sido uma pessoa feliz se tivesse ficado por lá. Podia ter sido um advogado ou promotor em São Bento. Mas o destino foi me levando. Então, bebi muitas influências, mas as mais fortes foram de São Bento do Una. Lá foi minha infância e eu continuo vivendo minha infância porque eu não quero crescer.'
Como é o processo de carpintaria de tua música? 'Eu tenho uma verdadeira obsessão pelo som que que podemos retirar das palavras. Aí a música vem junto sem ser algo muito elaborado. Som em palavra é isso que me cativa.'
Fiz uma música que tá nesse disco que é uma brincadeira com a palavra. Diz assim: 'Iris, olhando as penas coloridas dos concrises, dos sabiás e dos rouxinóis e das perdizes/lembrei de ti ó linda Iris./Será que somos dois eternos aprendizes?/O amor se planta e ganha força das raízes./Ó Iris, quando vieres caçaremos arco-íris e borboletas só pra tu te distraíres/e só me importa que eu delire e tu delires.' Tá entendendo? Então, quando eu escuto a música sem sonoridade, rimas em ão, que é muito pobre, então isso me dá agonia. Eu gosto muito da sonoridade de Caetano. Chico brinca legal com as palavras. Gil manuseia bem. Um que é bom, é ótimo, é Luiz Melodia. Quando estou botando uma letra numa música, quase sempre elas saem juntas. Num verdadeiro delírio. Quando não, velho, eu fico numa agonia danada procurando a palavra, aquela. E muitas vezes eu não procuro o sentido da palavra, e quando dou conta ela encaixa perfeita. Vou caçando as palavras no ar, figurativamente, claro, mas depois aquilo tudo vai encaixando e brotando energia, força, luz. A música popular brasileira está passando por uma transformação. É o sinal dos tempos. O mundo tá ficando pequeno. Você recebe uma carga de informação muito grande de fora, e de repente, se tenta fazer uma linguagem que seria universal, para abranger o mundo. Mas acho que infelizmente essa essa energia toda vem de um ponto, por exemplo, vem de Nova Iorque. As pessoas, sem que isso posa ser tomado como xenofobismo de minha parte, estão ouvindo mais os sons de fora do que as coisas da terra. Perderam a intimidade com as coisas da terra. Perderam intimidade com a sua cultura. E acho que a própria transmissão de cultura não é feita de uma forma natural. Em casa, hoje, através da família, você já não recebe mais a carga de tradição, de informações, como acontecia antes. Como, por exemplo, aconteceu comigo. A música tá vindo de fora o tempo todo. Eu bato um baião danado, um maracatu que você precisa ouvir. Com quem assimilei isso? Talvez tenha sido meu avô, lá em São Bento do Una.' "

(continua)



domingo, 6 de março de 2016

Alceu Valença O Leque Moleque de Pernambuco - Revista Manchete (1987) - 1ª Parte

Envolvido atualmente com o lançamento de seu primeiro longa-metragem, A Luneta do Tempo, Alceu Valença prova mais uma vez que é um artista multimídia e inquieto, sempre disposto a se envolver em diferentes manifestações de arte. Cada disco que Alceu lançou ao longo de sua carreira carrega a marca de sua poesia e musicalidade, circulando entre a música regional, o rock e a MPB tradicional com maestria e talento. Assim foi com o disco Leque Moleque, que Alceu lançou em 1987, que ele havia acabado de lançar, e foi matéria da revista Manchete, em uma série chamada "Um cantor e seu canto". Escrita pelo jornalista Paulo Fradique, segue abaixo a primeira parte da matéria:
" 'Em São Bento do Una eu nasci. Olinda é o delírio, onde tenho meus amores. Em Recife bebi a negritude, aprendi a vida de obrigações'. Com palavras de poeta, Alceu Valença abre os braços, solta a voz, conta seus segredos, 'coisas de cantadores, violeiros, aboiadores'. Tudo muito natural: Rita Lee é São Paulo, Caetano Veloso é Bahia, Tom Jobim é Rio, Alceu é Pernambuco. Só que cantando o Nordeste inteiro, com voz de mundo. Aos 13 anos de careira - iniciada em 74 -, com passagens pelo Rio e Europa, 11 LPs gravados, Alceu se diz todo nesta segunda reportagem de Manchete sobre os cantores e seu canto. 'Eu estou inteiro no meu novo LP, Leque Moleque', avisa. Leia - e abóie com ele pelas ruas de Olinda.
Como Alceu Valença definiria Alceu Valença? 'Eu sou uma pessoa que tem um estilo e esse estilo é múltiplo. São várias caras de um mesmo personagem. Agora estou lançando o disco Leque Moleque, que é muito aberto e mostra diversos caminhos meus. O artista está dentro de mim. Eu não me divido em público. A minha arte atinge cada vez mais gente, cada vez um número maior de pessoas. Eu sei diferenciar muito bem o artista Alceu Valença daquele mito que as pessoas construíram à minha revelia. Aí eu sei, naturlmente, que não tenho essas forças todas que pensam que eu tenho. O mito é um super-homem. Mas eu sei muito bem delinear o limite até onde sou eu e a partir de onde começa o Alceu criação popular. O grande perigo é você viver a fantasia que as pessoas costuraram pra você. Minha carreira demorou muito para acontecer. Eu comecei a fazer música muito naturalmente. Nunca pensei em ser artista. Ser cantor, gravar disco... eu pensava que ia seguir uma carreira como outra qualquer, de advogado, como cheguei a me formar. O início da minha carreira foi muito espontâneo. Quando fui ao Rio, depois de formado, eu estava em busca de emprego.' 
O que se passou em tua vinda entre São Bento do Una e Recife, Olinda? 'Eu nasci em são Bento do Una. Lá eu tenho uma base sertaneja. Os cocos, emboladas, aboios, dessas coisas todas. Em Recife eu cheguei com nove anos de idade. Aqui eu bebi  a negritude da cultura pernambucana, coisa que no agreste não tem muito. Aqui é bem mais negro. Os maracatus, os blocos de frevo, os caboclinhos que passavam em frente de minha casa, na Rua dos Palmares. Eu me deparei com esse outro aspecto da cultura do mesmo estado. É o meu tripé de sustentação: São Bento do Una, Recife e  Olinda. Em cada uma dessas cidades eu vivi uma fase de formação. Em Recife eu ouvi muito rádio, calipsos, rock, Elvis. Olinda é o delírio poético. É  fantasia. É em Olinda que eu tenho os meus amores. Ainda em Recife eu aprendi a vida de obrigações, colégio, faculdade, oportunidade em que tomei gosto por literatura. Antes teve o curso clássico no Colégio Nóbrega, quando comecei a me interessar por teatro, artes plásticas. Eu teria sido pintor não fosse a falta de habilidade. Fui atraído pela política estudantil, pela boemia e pelos bares. Tudo isto me deu um lastro humanista. Uma abertura para muita coisa. Um leque aberto de informações. E essas coisas todas entraram em minha formação de artista. Eu poderia citar também como influências dessa fase a poesia de Ascenço Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond, Fernando Pessoa, Joaquim Cardozo. Disso tudo eu tirei um produto meu, original. Há em mim uma musicalidade natural. Em música popular, a letra quase sempre não resiste sem a música, o conjunto é uma coisa muito bonita, aí você tira a música e não tem mais nada. A minha letra eu tenho certeza que resiste. Por exemplo; 'Quando eu olho para o mar/dentro do mar vejo o rio/quando olho para o rio/dentro do rio vejo a chuva/quando olho para a chuva é como se olhasse as nuvens/quando eu olho para as nuvens é como se olhasse o mar/quando eu olho para mim, dentro de mim tem você/quando olho pra você por dentro sinto saudade/quando eu olho pra saudade meus olhos vão desaguando e é como um rio passando que não corresse pro mar.' É o ciclo das águas, né? Pelo fato de eu ter sido muito antes poeta, influenciado pela literatura. Aliás, eu não falei ainda que escrevi poemas e remetia para os jornais locais. Eu escrevia e  publicava no Jornal do Commercio. Então, o que aconteceu? Antes de eu fazer uma música, que dei pra Bethânia (não sei se ela vai gravar...), que acho muito bonita. É uma música mas que é também poesia. Ela diz assim: 'Haverá sempre entre nós esse digo não digo/esse 't' de tensão, esse ar de amor ressentido/um recado falado, um bilhete guardado, um segredo/um carinho no lábio, um desejo guardado, um azedo./Qualquer coisa no ar/esse desassossego/no metrô da saudade seremos fiéis passageiros/um agosto molhado/um dezembro passado/um janeiro/cessará finalmente entre nós esse minto não minto/esse 'i' de ilusão, 't' de tensão infinito.' Eu tenho certeza de que isso é poesia. É um traço das coisas que eu li e me influenciaram.'

(continua)