Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Os Mutantes Mergulham no Rock Progressivo - 1975

Em 1975 a revista Pop trazia uma matéria sobre os Mutantes, que após a dissolução de sua formação clássica, com  os irmãos Arnaldo e Sérgio, além de Rita Lee, Liminha e Dinho, continuou fazendo seu som. Após a saída de Arnaldo, que ainda continuou na banda quando Rita já havia partido para uma carreira-solo, Sérgio Dias resolveu partir para um som progressivo, que era um estilo muito em evidência na época. A mudança foi radical, pois a banda com a mudança perdia aquela dose de humor e irreverência e partia para um som mais elaborado. Os novos integrantes dos Mutantes passaram a ser Antônio Pedro, Túlio Mourão e Rui Mota. Com essa formação a banda lançou o disco "Tudo Foi Feito Pelo Sol", hoje considerado um dos melhores álbuns progressivos lançados por uma banda brasileira. Mas na época, muitos dos antigos fãs e alguns críticos não se entusiasmaram muito com o álbum, sempre fazendo comparações com a fase anterior. Mas seria quase impossível Sérgio manter a mesma linha de rock que os Mutantes faziam, sem cair num pastiche, sem a presença de Rita e Arnaldo. A opção pelo progressivo, vista hoje, pode ser considerada um acerto, pois ao ouvir o clássico álbum, podemos perceber que havia ali outro tipo de inventividade, sob outras influências, e não soa como oportunismo, por estarem fazendo um som muito em voga na época. Na ocasião tive o privilégio de assistir a um show da banda, e pude sentir toda a energia que eles passavam no palco. A citada matéria da revista tem por título "Mutantes uma Escola de Rock  da Pesada". Segue abaixo:
"Dede 1966, quando fizeram suas primeiras exibições na TV e foram saudados como o nosso primeiro conjunto pop, os Mutantes tiveram fases de muito sucesso, períodos de quase esquecimento, grandes alegrias, crises bastante sérias e - como o próprio nome sugere - sofreram muitas transformações. Agora, os Mutantes são quatro, e do grupo original restou apenas o guitarrista Sérgio Dias Batista. E contrariando os que achavam que o grupo não sobreviveria às deserções de Rita Lee e do líder Arnaldo (irmão de Serginho), o conjunto está numa das melhores fases de sua carreira.
Em sentido horário: Sérgio, Antônio, Túlio e Rui
Serginho, um solista de alta tensão, aperfeiçoa cada vez mais sua apurada técnica na guitarra e é um dos poucos caras no Brasil que sabe tocar cítara com habilidade. Nos teclados está Túlio Mourão, um mineiro que ampliou as fronteiras da música do grupo com preciosas contribuições de sua formação erudita. Na bateria e no baixo estão Rui Mota e Antonio Pedro Medeiros, ambos ex-integrantes do Veludo Elétrico, trazidos aos Mutantes por Túlio. Os quatro vivem num sítio em Itaipava (RJ), praticamente isolados do mundo, curtindo som o tempo todo. E lá também estão sempre aparecendo músicos iniciantes, pedindo dicas e aprendendo os macetes do rock. Para eles, os Mutantes funcionam como uma verdadeira escola."

sábado, 27 de julho de 2013

Leno - Vida e Obra de Johnny McCartney

No início da década de 70 Raul Seixas trabalhava como produtor na gravadora CBS. Ele produzia cantores populares, e eventualmente fornecia algumas composições suas para esses artistas. Porém Raul sentia a necessidade de ser um pouco mais ousado, e produzir algo menos comercial. O disco "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez", que ele gravou ao lado de Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada é um exemplo da tentativa de Raul de tomar outro rumo, inclusive como artista e não somente como produtor. Uma outra tentativa, que acabou sendo frustrada pelo veto da gravadora em lançar o trabalho, foi um disco produzido para o cantor Leno, que se chamaria "Vida e Obra de Johnny McCartney". O disco foi gravado entre novembro de 1970 e janeiro de 1971, e ficou esquecido durante anos no depósito da gravadora, até a fita master ser encontrada em 1994, e finalmente lançado no ano seguinte.
Em 1996 eu estava no Rio, e andando por Copacabana entrei em uma pequena loja de cds que também era locadora, e encontrei esse cd em uma banca de promoção por um preço incrivelmente barato, e pude tomar contato com essa grande obra.
Em uma edição especial da revista Bizz, dedicada a Raul Seixas, o crítico e pesquisador Ayrton Mugnani Jr escreveu sobre o lançamento:
"O título do disco é uma óbvia alusão aos Beatles, que haviam se separado oficialmente em abril de 1970. Eles não são a única influência: podemos ainda detectar o hard-rock do grupo inglês Free (Porque Não), Bob Dylan (Sr. Imposto de Renda) e rockabilly (Não Há Lei em Grilo City). Além de Leno e Raul, os compositores desse disco incluem Marcos e Paulo Sérgio Valle (Pobre do Rei), Arnaldo Brandão (Peguei Uma Apollo) e Ian Guest (Contatos Urbanos)
A faixa "Sentado no Arco-Iris" traz a primeira letra politizada que Raul fez. 'Eu me lembro dele dizendo que se orgulhava daquela letra', recorda Leno. 'Os versos falavam de reforma agrária, antecipavam até a existência do Movimento dos Sem-Terra.' Aliás, o disco todo é importante na carreira de Raul: 'Foi com Johnny McCartney que ele fez a transição de Raulzito para Raul Seixas, assinou a produção como 'Raulzito Seixas'. Usou o LP como caldeirão de experiências'. Temos ainda outras raízes do que se tornaria Raul. A melodia de 'Convite Para Ângela' seria reaproveitada em 'Sapato 36', o mesmo ocorrendo com 'Sheila', sucesso de Renato e Seus Blue Caps, inspirada em 'Bis'.
Raul Seixas e Leno em foto da contracapa do cd
Uma frase desta última, 'bisa comigo', pode ter sido um dos motivos que levaram a censura a vetar metade das faixas do disco. Outras foram consideradas anti-comerciais e portanto inviáveis pela gravadora. Tudo que sobrou foram quatro faixas, 'Johnny McCartney', 'Peguei Uma Apollo', 'Lady Baby' e 'Convite Para Ângela', lançadas num compacto duplo. Saindo da CBS em fins dos anos 70, Leno foi informado de que as fitas originais do LP haviam sido apagadas - só que em 1994 o jornalista e pesquisador Marcelo Fróes descobriu algo bem diferente. Ao examinar os arquivos da gravadora, deparou-se com duas fitas de rolo em cujas embalagens, uma vez removida a poeira, pôde-se ler o nome do artista e os títulos das faixas, das quais Marcelo nunca tinha ouvido falar. As fitas foram então remixadas digitalmente e o disco lançado em CD pelo próprio Leno em seu selo, o Natal Records.
Leno, que hoje trabalha em seu selo, tem justo orgulho desse disco até hoje. 'Eu queria fazer rock, uma coisa mais contestadora, queria desabafar.' Leno fez esse relançamento em pequena escala, nem chegou a mandar cópias para as rádios. 'Na época o disco foi censurado pela ditadura militar e, quando consegui lançá-lo, foi censurado pela ditadura do jabá. A programação das rádios está mais burra que há trinta anos, há liberdade política, mas existe censura na mídia. Sei que se o Raul estivesse vivo haveria de concordar.' Em função disso, Vida e Obra de Johnny McCartney segue sendo um disco praticamente inédito."

sexta-feira, 26 de julho de 2013

No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava - 1976 (5ª Parte)

"Augusto Marzagão, coordenador-geral do FIC, foi acometido de estafa. Por essa época, os jornais publicavam mais entrevistas críticas ao festival do que notícias sobre o próprio. Muitos compositores - Luis Carlos Sá, Capinam, Zé Rodrix, entre outros - criticavam mas continuavam a participar. Marzagão teve de afastar-se e a coordenação geral passou a ser feita por Solano Ribeiro. Afirmou-se que o Festival agora estava aberto a todas as tendências, 'do rock ao samba', e seria o contrário do que fora até então. Mudou-se o desenho do Galo de Ouro.
- Eu sempre insisti junto ao Marzagão - revela Ziraldo - para que permitisse mudar o desenho do Galo, difícil de reproduzir. Mas ele não cedia. Alegava que aquele Galo dava sorte. Quando ele saiu, mudei o desenho. E o FIC acabou.
Walter Franco interpreta Cabeça: FIC de 72
 Solano Ribeiro, que havia organizado os festivais da Record, dizia que a apresentação do festival tinha de ser a de um programa de televisão. E realmente, quando assim se fez, o FIC foi o programa de maior audiência (as outras emissoras passavam filmes). No entanto, ao Maracanãzinho só foram 4 mil pessoas. Solano achava que o Festival tinha virado concurso de miss, o que muitos compositores que deixavam de participar também disseram.
A máquina, no entanto, não parara de funcionar. Os artistas estrangeiros recebiam cachê para a apresentação, não apenas no Maracanãzinho, mas também para shows em teatros e programas de TV. As gravadoras se interessavam, na medida em que seus contratados conseguiam se classificar. Mas Solano estava esperançoso: acreditava que o FIC poderia facilitar a renovação da música brasileira. De fato, em 1972, nomes novos apareceram. De maior impacto, Walter Franco, com Cabeça, e Raul Seixas. A grande revelação seria Maria Alcina, com Fio Maravilha, de Jorge Ben.
Raul Seixas, no FIC de 72
As confusões, porém, continuavam. Nesse ano, Nara Leão teve de sair da presidência do júri, Roberto Freire, um dos jurados, foi impedido de ler um manifesto. Houve socos e pontapés, Astor Piazzola foi vaiado e Alaíde Costa não pôde cantar Serearei, de Hermeto Pascoal: cortaram o som. Hermeto, aliás, foi proibido de de se apresentar com animais no palco: 'Fui criado no meio desses bichos, e sei que quando a gente aperta o pé de um porco ele dá um grito que nenhum piano do mundo consegue igualar'. O argumento não comoveu a Censura.
O FIC estava morto e sepultado. Faltavam-lhe bons compositores e intérpretes a até apoio do público. Sérgio Cabral acha que os festivais morreram por duas razões:
- Primeira, a ausência de grandes nomes. Segunda, a crise que a música popular vivia. A partir do tropicalismo, houve um cisma violento. Em 1968, o Paulinho Machado de Carvalho me chamou para apaziguar o júri. Havia gente que queria liquidar o Chico, que era a parte 'estabelecida'. O negócio era exaltar Os Mutantes. O voto final era político.
- E essa experiência recente, chamada Abertura?
- Ela projetou alguma coisa boa, como o Carlinhos Vergueiro, que tirou o segundo lugar(*). Projetou algumas pessoas de talento que precisavam aparecer, como o Alceu Valença. Acho que foi uma iniciativa importante. Festival é muito democrático."

(*) Na verdade, Carlinhos Vergueiro ficou em primeiro lugar, com Como Um Ladrão. Quem ficou em segundo foi Djavan, com Fato Consumado, e Walter Franco em terceiro, com Muito Tudo.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava - 1976 (4ª Parte)

"Com o Festival da Record transformado em Bienal do Samba, e os multíssimos outros festivais sem maior expressão, o FIC - o quarto - dominou 1969. Mas já dava os últimos suspiros. Os compositores inscritos eram, de uma maneira geral, jovens desconhecidos. Se isso era um dado positivo, por proporcionar o aparecimento de novos valores, tinha sua contrapartida: a ausência de grandes nomes significava em termos comerciais, um perigo.
Nesse ano em que o homem chegou à Lua, o FIC já tinha um caráter espacial. Começava com a contagem regressiva do locutor Hilton Gomes, acompanhado por um coro de 25 mil espectadores: 'Cinco...quatro...três...dois...um, boa sorte, maestro!' Os resultados eram dados por um computador eletrônico e as músicas transmitidas ao vivo, via satélite, 'do Maracanãzinho para o mundo'. Mas quando tudo acabou, um espectador saiu gritando, a parodiar uma canção popular da época: 'Socorro, o festival está morrendo'.
E vinham as críticas, construtivas ou não. Algumas pediam a rápida mudança da estrutura, igual desde o primeiro ano. A parte comercial estava mais do que comprometida: firmas co-patrocinadoras, uma indústria de tecidos, até a Loteria Federal. Levantaram-se também hipóteses de falso resultado dado pelo computador eletrônico: Cantiga Por Luciana, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, interpretada por Evinha, não teria ganho. A vencedora teria sido a música norte-americana Eve, de Jimmy Webb. Membros do júri confirmaram o erro do computador, mas houve quem  dissesse que nem havia computador: as contas eram feitas na ponta do lápis, o painel servia apenas para decorar. Apesar de tudo, o Galo ficou mesmo com Luciana.
A internacionalização do festival foi pródiga em situações excêntricas: nesse ano, a embaixada israelense não reconheceu a cantora de Israel, que morava há dez anos em Paris, como representante do país; o trio paraguaio viera de Madri, o cantor boliviano era de Buenos Aires, a música da Grécia era a mesma canção que no ano anterior concorria pela Holanda - e a da Austrália, Out of This World, foi feita pelos brasileiros Candinho e Lula Freire.
Os Mutantes cantam Caminhante Noturno
A essa altura, a TV Globo já armara uma infra-estrutura que absorvia os primeiros colocados. Um programa com Ivan Lins, por exemplo, quase desgastou completamente a imagem desse compositor. O mesmo ocorreu com Antonio Adolfo (BR-3):
- Eu estava envolvido num esquema comercial complexo. Quase fundi a cuca. O festival estava competitivo demais. Era uma guerra. Para sair disso tudo tive de viajar para me recuperar, não só musical mas fisicamente também.
O público não vaiava, apenas. Sabia até cantar. E foi regido uma vez por Ray Coniff, em 1970. O maestro, surpreso com as 35 mil pessoas que surpreendentemente cantavam no tom, passou a reger a plateia, esquecendo-se do coro e da orquestra. Simonal, com Meu Limão, Meu Limoeiro fez o público levantar e baixar a voz, sem um erro, várias vezes.
Em 1970, para evitar o esvaziamento já patente, os organizadores do concurso resolveram classificar vários compositores automaticamente: Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sérgio Ricardo, Ruy Guerra, Capinan, Baden, Marcos e Paulo Sérgio Valle, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Chico Buarque, Edu Lobo.
- Justamente esse - conta Chico Buarque - foi um ano duro em termos de censura. Nós nos reunimos e resolvemos não participar do festival, em sinal de protesto contra a ação dos censores. Todos os que estávamos nos  Rio assinamos um manifesto. Fomos então intimados pelo DOPS a prestar depoimento, como se tivéssemos praticado um ato de subversão. Participaram do interrogatório um funcionário da TV Globo, o Secretário de Segurança, General França, e o inspetor Sena. Queriam enquadrar a gente na Lei de Segurança Nacional.  O nosso caso não era com a TV Globo, mas claro que ela  se sentiu prejudicada. Saímos do interrogatório ameaçados de enquadramento. Foi um dia muito agradável.
Tom Zé premiado com São Paulo, Meu Amor em 68
- Alguma outra história do gênero?
Chico ri: 'Que eu me lembre, agora não. Essa foi a mais empolgante.
Nesse mesmo festival, 25 das 36 músicas classificadas foram censuradas. Na presidência do júri, Elis Regina foi substituída pela atriz de telenovelas Regina Duarte. A vencedora da parte nacional foi Kyrie, de Paulinho Soares e Marcelo Silva.
João Araújo, diretor-geral da gravadora Sigla, que seria inaugurada no ano seguinte, fala das dificuldades subsequentes à saída dos compositores censurados e dos que se solidalizaram com eles:
- Foi uma corrida para abrir inscrições novamente, isso sete dias antes do festival começar. Virávamos dia e noite para ouvir as músicas que estavam se inscrevendo e ver se poderiam se classificar ou não. No final, muitos dos compositores, não do grupo que não entrou no balaio, quiseram voltar. Aí sobrou gente. Foi uma loucura."
(continua)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Podia Protestar - 1976 (3ª Parte))

"Em 1967, o Festival da Record continuava o mais importante. Impunha-se por vários motivos: os prêmios oferecidos, o lançamento em discos, logo depois de divulgados os resultados, das músicas cantadas, o time de compositores que concorria. Nesse ano, o Festival lançou a tropicália e a guitarra elétrica na música brasileira.
- O Festival da Record de 1967 - opina Dori Caymmi - foi o mais bonito de todos.
Em 1968, Solano Ribeiro organizou a I Bienal do Samba e fez um apelo: 'Por favor, não vaiem demais'. Tentava-se evitar a repetição do que acontecera em 1967: ao peso de vaias implacáveis, Sérgio Ricardo, praticamente impedido de cantar o seu Beto Bom de Bola, irritou-se e quebrou o violão, jogando-o contra o auditório. O episódio inspirou a manchete maliciosa de um jornal popular: Violada na Plateia. Nove anos depois, Sérgio Ricardo considera que agiu corretamente:
- Não tenho arrependimento. Era aquilo mesmo.
Na sua quarta versão, em 1968, o Festival da Record foi marcado pela presença do movimento tropicalista: Gal Costa cantando Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso; Tom Zé sagrando-se vencedor, com São Paulo, Meu Amor; e os Mutantes interpretando 2001. A eletrônica era definitivamente incorporada aos arranjos e Paulinho Machado de Carvalho, diretor da emissora, não cessava de gritar: 'Este não será o último festival. Haverá o quinto e quero pagar para ver a luta entre a música popular brasileira autêntica e o tropicalismo'. Não viu. Aquele foi seu último festival.
Caetano se consagra com Alegria, Alegria em 1967
Para a I Bienal do Samba, 15 especialistas escolheram os 36 compositores que deveriam concorrer. A escolha - disse Sérgio Porto na época - seria na base do honra ao mérito; deveriam ser indicados os compositores de carreira mais longa e de maior acervo musical. Ocorreram no entanto coisas curiosas. Pixinguinha obteve apenas 11 votos, quando, por todos os títulos - e embora não fosse, a rigor, um sambista - merecia ser chamado por unanimidade. Sidney Miller, um compositor jovem, recebeu nove. E Geraldo Pereira, compositor consagrado, autor de Falsa Baiana e de outros clássicos, ficou com apenas um voto. Mas nem esse deveria ter recebido, pois havia morrido há 13 anos. A votação, sem nenhuma dúvida, comprometia a competência do colégio de votantes. A premiação acabou conferida a Baden Powell (Lapinha, primeiro lugar), Chico Buarque (Bom Tempo, segundo lugar), Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho (Pressentimento, terceiro lugar), Billy Blanco (Canto Chorado, quarto lugar) e Cartola (Tive Sim, quinto lugar). A música de Cartola, interpretada por Ciro Monteiro e hoje reconhecida como página belíssima, chegou a ser vaiada.
Elis Regina interpreta Lapinha, com Baden ao violão
Quanto ao FIC, em 1967 revelara um dos maiores compositores da safra dos festivais: Milton Nascimento, cuja música conquistara o segundo lugar, perdendo apenas para uma peça de tema lírico, Margarida, de Gutemberg Guarabira.
No ano seguinte, a tônica musical do FIC passou a ser o protesto. A guerra era o tema mais constante, embora as soluções mais frequentemente fossem o amor, a música e a flor. Dessa vez, Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré, se fez quase um hino. O Maracanãzinho inteiro cantava: Vem, vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. No palco, Vandré e seu violão, sem acompanhamento de orquestra: os maestros - dizia-se - faziam para todas as composições praticamente o mesmo arranjo, o que acabou cunhando a expressão 'música de festival'.
A canção de Geraldo Vandré, no entanto, não foi a vitoriosa. Em primeiro lugar ficou Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim.
- Todo mundo - rememora Chico - queria Vandré, mas as vaias que Sábia recebeu na parte nacional o Tom as aguentou sozinho, porque eu estava viajando. Só peguei as da parte internacional, que foram menores.
Na parte internacional, as preferências do público estavam com o ondulante andorrense Romuald, que cantou Au Bruit des Vagués. Soube-se depois que Romuald jamais havia posto os pés em Andorra.
A baixa qualidade das músicas internacionais desse festival já pronunciava a decadências dos seguintes. Já surgia o primeiro crítico pedindo o seu fim. Parecia que os organizadores - o tão criticado Marzagão à frente - estavam mais interessados em que muitos países fossem representados independente da qualidade das músicas. Dizia-se inclusive que os compositores tinham em mente o Maracanãzinho ao comporem suas músicas: a maioria tinha pelo menos uma palavra acessível aos brasileiros. A que representava o Japão chamava-se Sayonara, Sayonara."
(continua)

terça-feira, 23 de julho de 2013

O Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava - 1976 (2ª Parte)

"Com o FIC, a temática regional passou a segundo plano: preferia-se agora um tipo de canção de gosto supostamente internacional, como o próprio título do festival sugeria. Com isso, os intérpretes de presença forte, de tanto sucesso nos festivais da Record, foram substituídos por cantores balouçantes, ao estilo de Demmis Roussos, o grego de túnica longa, ou exóticos, como o francês Antoine, que corria pelo palco com uma camisa do Flamengo. O sucesso ficava geralmente para as cançonetas suspirosas, do tipo Love Is All, defendida pelo anti-séptico Malcon Roberts.
O ponto de encontro entre o público da Record e o do Maracanãzinho era a vaia. Festival que se prezasse  tinha vaia, muita vaia. Se o som vindo do público era igual nas duas plateias, visualmente elas eram diferentes: enquanto em São Paulo havia um maior número de faixas, o público carioca balançava para um lado e para o outro, nas arquibancadas do Maracanãzinho. Nos festivais da Record, as polêmicas giravam em torno dos movimentos musicais, emergentes ou consolidados. No FIC, o elemento gerador de controvérsias era sempre a premiação.
Esta, nos tempos da Record, parecia não ter importância suprema. Conta-se até que, em 1966, o primeiro lugar, dividido entre Disparada e A Banda, de Chico Buarque, seria só da composição de Chico. Este é que antes da divulgação do resultado, teria corrido aos bastidores e interferido junto ao júri para a divisão do prêmio, considerando que o público estava exatamente dividido entre a sua música  e a da dupla Théo-Vandré. Com o festival, o palco da Record voltava a apresentar a autêntica música popular brasileira, depois de longamente povoado pelos que faziam os programas da Jovem Guarda de Roberto Carlos. Revelava-se ou consolidava-se ali uma safra de compositores que nos 10 anos seguintes se afirmaria como das mais talentosas da história da nossa música popular. Esse grupo - lembra Edu Lobo - chegou a ser chamado de 'a geração da Record'.
No FIC, o panorama era outro:
- Para mim - confessa Nana Caymmi - participar do Festival Internacional foi muito bom. Não só por ter ganho um prêmio de primeiro lugar mas também porque tive a oportunidade de conhecer realmente o meio artístico. Eu estava muito desenturmada na época. De repente foi aquele negócio de repórteres, recepcionistas, artistas estrangeiros, discussões. Era, no mínimo, divertido e a gente fazia muitos contatos. Empresários estrangeiros sempre voltavam com partituras debaixo do braço. Mesmo quem não participava conseguia arranjar algum contrato.
Geraldo Vandré em 68
A internacionalização dos festivais trouxe atrações extras ao Maracanãzinho de arquibancadas lotadas e som sempre péssimo, apesar das promessas, renovadas anualmente, de uma aparelhagem mais eficiente. Toda uma engrenagem foi montada pela TV Globo para fazer que tudo funcionasse de modo rentável. Muitos artistas estrangeiros já vinham com contratos que incluíam apresentações em outros lugares (teatro, televisão, etc). Alguns deles, porém, na realidade não tinham em seus países o renome que se insinuava aqui, tanto que, passado o festival, se demoravam em férias nas praias tropicais, a demonstrar que não o esperavam na terra de origem os compromissos que fingiam ter adiado.
A essa modalidade de logro, juntavam-se pressões de vários tipos. As gravadoras, por exemplo, faziam tudo para classificar seus contratados e houve incidentes como este agora revelado por Dori Caymmi:
- Quando Saveiros ganhou, as coisas ficaram muito mal paradas. O Ministro das Relações Exteriores, parece, achou que repercutiria mal o Brasil vencer logo no primeiro ano e houve uma pressão sobre o júri, para que este fizesse nova votação. O Chico, que presidia o corpo de jurados, protestou. Mas houve nova apuração e Saveiros ganhou de novo. Acabaram, no entanto, anunciando a vitória da música alemã e deixando Saveiros em segundo lugar. A história me foi contada por três amigos de meu pai que faziam parte do júri: Jean Sablon, Amália Rodrigues e Pedro Vargas.
Jorge Ben canta Charles, Anjo 45 no FIC de 1969
Ainda assim, a saída era cantar. Parecia que o brasileiro se descobrira compositor e cantor. Festivais não faltavam. Às vezes, havia até 12 por ano: estudantil, universitário, interescolar, intercolegial (São Paulo, 4 mil participantes), fluminense, de Cataguases (onde a Equipe Mercado jogou carne na plateia), penitenciário da Guanabara, da cidade de Mendes, de Juiz de Fora, nordestino e de músicas de favela (o júri era o público e o primeiro prêmio um televisor), além do FIC. Neste, ter música incluída no balaio (como era chamada a primeira seleção das músicas inscritas) dava status a qualquer principiante. Só nos três primeiros festivais internacionais foram inscritas 10 mil e setecentas músicas.
Quem se via escolhido para fazer a primeira seleção musical sofria durante dias, a ouvir horas seguidas, fitas aos quilômetros. O crítico Sérgio Cabral - 'Duvido que alguém tenha sido jurado de mais festivais do que eu' - relembra:
- Brasileiro sempre achou que entende de música, que sabe fazer música. Selecionar as músicas para o balaio era terrível. Algumas eram de uma indigência incrível, como a de uma mulher que cantava:
Meu filho, meu filho, larga essa peçonha/ Meu filho, meu filho, pare de fumar maconha. E isso com voz de soprano. Aí, a gente começava a ficar com raiva. Quando de repente aparecia uma música boa, a gente sentia logo. Era praticamente impossível a música de certa qualidade ficar de fora do balaio."
(continua)

segunda-feira, 22 de julho de 2013

No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava - 1976 (1ª Parte)

Em 31 de dezembro  de 1976 o Jornal do Brasil trazia em seu Caderno B uma ótima e longa matéria sobre os antigos festivais de musica, trazendo por título "No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava". A foto que abre essa postagem foi extraída da matéria, e traz o público se manifestando e vaiando alguma música. As vaias muitas vezes eram injustas e despropositadas, mas pelos menos era uma forma de protesto, numa época de tanta repressão. Segue abaixo um trecho da matéria:
"Há 10 anos, numa noite de outubro, Nana Caymmi cantava Saveiros no palco do Maracanãzinho. Era a final da parte nacional do I Festival Internacional da Canção. Nana tinha 22 anos e quase nenhuma experiência musical. Os ensaios, naquele dia, haviam começado às quatro da tarde e ela não pudera ir à Copacabana amamentar seu filho de dois meses. Enquanto defendia, apoiada pela orquerstra, a música de seu irmão Dori e de Nelson Mota, os seios inchados jorravam leite e lhe molhavam o vestido. O público nada percebia: mal ouvia a interpretação que acabou valendo a Nana o prêmio de melhor intérprete. Eram 25 mil pessoas preocupadas apenas em vaiar.
- Alguma mágoa, Nana?
- Nenhuma. As pessoas têm a mania de pensar que eu fiquei traumatizada. Na verdade, achei ótimo. Se fosse dada ao brasileiro a chance de vaiar, ele vaiava tudo. A vaia não foi para mim nem para Dori. Nem para Saveiros. Qualquer primeiro lugar seria vaiado, serviria apenas de motivo a um protesto. Naquela época ainda se protestava.
As vaias recebidas por Nana repetiram-se para os vencedores dos sete festivais internacionais dos anos seguintes e foram sentidas também pelos premiados em outras variações dessas paradas musicais milionárias. A vaia era constante. Mas os festivais, sob diversos aspectos, não eram exatamente os mesmos, embora tenham tido um ponto em comum na origem:
- A criação dos festivais - diz Chico Buarque de Hollanda - está ligada à televisão, ou melhor: a um clima musical, existente na época, captado pela TV.
-Ainda que se fizesse o maior festival do mundo - confirma Edu Lobo - o provável seria seu esquecimento dentro de uns 30 dias, se não houvesse uma programação musical que desse sequência ao trabalho apresentado no concurso. E a programação musical da TV, à época, era violenta, coisa de quatro a cinco grandes horários por semana. De janeiro a outubro, mil acontecimentos. No final do ano vinha o festival.
Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque recebe grande vaia

- Havia - depõe Caetano Veloso - uma transação muito especial entre música e televisão. Num tempo em que ainda não existia a ideia de rede nacional, a Record detinha a maior audiência de São Paulo, a maior cidade do Brasil. E essa maior audiência era, fundamentalmente, uma conquista da música, que por seu lado também dependia muito da TV. Havia muitos programas musicais, entre eles os festivais, que eram uma forma de transmitir o clima da época.
Edu Lobo começa a estabelecer as diferenças:
- O quente, mesmo, era o Festival da Record. O filé mignon das músicas que fazíamos era pra ele. O restante é que ia para o festival internacional, o FIC.
Caetano Veloso vai mais longe:
- A história do FIC não chega a ter a metade da importância da história dos festivais da Record.
Edu Lobo premiado com Ponteio
O que passou à crônica como Festival da Record, começou, na realidade, na antiga TV Excelsior, em 1965, quando Edu Lobo conquistou o primeiro lugar com Arrastão, composição feita em parceria com Vinícius de Moraes. A cantora Elis Regina, que segundo um jornal do dia seguinte, 'acompanhava cada frase com seu característico movimento de ombros e braços, quase que puxando ela mesma um arrastão do mar', teve papel importante nessa vitória. O movimento de braços acabou marca registrada dessa intérprete, que ali se firmou como uma das preferidas do público. Em festivais posteriores, os gestos vigorosos também somar-se-iam à voz e à interpretação para dar fama a outros cantores. Estão nesse caso Jair Rodrigues, defendendo Disparada (Théo de Barros e Geraldo Vandré), e Marília Medalha, a cantora-atriz, interpretando Ponteio, de Edu Lobo e Capinam.
O Festival da TV Excelsior apresentou alguns aspectos que permaneceram imutáveis: vaias, intrigas de bastidores, torcidas organizadas, problemas com o júri, já nessa ocasião. Wilson Simonal recusou-se a subir ao palco quando a apresentadora, Bibi Ferreira, chamou os cinco primeiros colocados. Dedo em riste, Simonal, que cantara uma música classificada em quinto lugar, fazia uma acusação: se o festival era nacional, o júri não poderia declarar vencedora uma música 'regional', como Arrastão. A despeito de posta em suspeição a música regional continuaria a merecer a preferência do público e do corpo de jurados em anos seguintes, como provam as vitórias de Disparada e de Ponteio, ambas canções de total acento sertanejo, sem características urbanas."
(continua)

domingo, 14 de julho de 2013

Revista O Cruzeiro Fala do Fim dos Beatles - 1971 (3ª Parte)

"31 de dezembro de 1970: Paul McCartney dá entrada no Supremo Tribunal da Grã-Bretanha ao pedido de dissolução da Apple, a anulação de todos os contratos existentes entre ele e o conjunto, além de requerer a liquidação dos bens da Beatles & Co. Era o fim de tudo.
Paul McCartney insistiu o quanto pôde. Após a morte de Epstein, tentou liderar os negócios do conjunto. Em 1969, indicou, inclusive, o seu cunhado, Lee Eastman, para coordenar os interesses do grupo que acabaram ficando com Allen Klein. Na época que produziram para a tv o filme Magical Mistery Tour, Paul participou da montagem, da sonorização e muitas sequências tiveram a sua direção.
O Último filme dos Beatles (Let It Be/Deixe Estar) possui uma profunda melancolia em suas intermináveis cenas no estúdio de gravação da Apple. Discutem sobre besteiras que fizeram, criticam a imagem que foram obrigados a cultivar. Uma auto-análise dos Beatles, princípio de separação definitiva.
Para se ter uma ideia de como ficou difícil para os Beatles permanecerem unidos, inclusive para criarem suas músicas, eis um dado positivo: o primeiro LP, Please Please Me, levou um dia para ser gravado e custou apenas 400 libras. O LP mais famoso, Sargent Pepper's Lonely Heart Club Band, demorou quatro meses nas gravações e acabou custando 25 mil libras. O som que cada um guardava na cabeça custava a encontrar o recíproco nos instrumentos. A última fase musical dos Beatles alcançou o ápice de suas carreiras, que já havia passado pelo rock, pelo romântico e voltou ao rock.
O LP de George Harrison é sucesso em todo o mundo atualmente. Ringo é um promissor comediante do cinema, atuando ao lado de Peter Sellerrs. John Lennon e sua inseparável Yoko rumam ao encontro do som impossível com o conjunto Plastic Ono Band. Paul também fez um disco em que só ele aparece, tocando cada instrumento e cantando.
O quadro atual dos quatro rapazes, que saíram um dia de Liverpool para conquistar o mundo com suas canções, é bem diferente do que talvez quisessem os seus fãs saudosistas. Suas personalidades permaneceram incubadas durante um longo inverno; agora chegou a hora de mostrá-las individualmente, inclusive rompendo os laços comerciais com a Apple e outras subsidiárias do vasto império Beatle.
O caminho foi duro, mas eles conseguiram. Tornaram-se eficientes produtos de consumo, foram encarados até como jovens inteligentes e comportados no auge da aceitação do fenômeno pelos adultos. Falou-se deles como propagadores do hábito dos tóxicos, foram mitos completos, enfim, mas conseguiram voltar a ser apenas John, Paul, Ringo e George. Eles sabem que sua contribuição já foi dada: quando algum historiador do futuro quiser saber o que aconteceu de novo nos anos sessenta, terá que ouvir com cuidado alguns discos geniais como Revolver, Sargent Pepper's, Abbey Road, Let It Be. Como Jimi Hendrix e Janis Joplin, eles podem morrer que o recado já foi dado. E, como mostra de que eles ainda estão na frente, partiram para a realização/mudança da vida individual como os jovens modernos. As palavras são de John Lennon:
- Amem-me ou odeiem-me. As pessoas ficam dizendo que somos os responsáveis pelo que nos tornamos e que temos que continuar assim. Mas essas pessoas estão erradas. Nós, os Beatles, fomos forçados a crescer como cogumelos em uma estufa. Criamos o produto juntos com todo o mundo. Assumimos um compromisso. Durante anos não fomos nós mesmos. Mas agora somos. Temos boas intenções. Acreditamos que somos boas pessoas e que nosso trabalho deve mostrar nossa bondade e tudo o que temos mais. Amém."

sábado, 13 de julho de 2013

Revista O Cruzeiro Fala do Fim dos Beatles - 1971 (2ª Parte)

" - Ringo, por que você usa tantos aneis?
- Porque não posso pendurá-los no nariz.
- O que você acha de Beethoven?
- Gosto dos poemas dele.
- Como você achou a América?
- Dobrei à esquerda na Groelândia.
- O que acha das críticas do New York Times?
- São caras assim que fazem a gente ganhar dinheiro.
- Que acham de vocês?
- Nós estamos brincando com você, estamos brincando conosco e brincando com tudo. Não levamos nada a sério, a não ser o dinheiro.
Cabelo no estilo, roupas bem cortadas, sem gola, inconfundíveis. A displicência com que encaravam as entrevistas coletivas traduzia uma alegria que na realidade estava se tornando cansativa e monótona. Não eram donos de suas vontades; mandavam os contratos, em número sempre crescente. Enfurnados nos hoteis, bebiam, jogavam, tomavam drogas para passar o tempo até à apresentação em público. Do lado de fora, gritando por seus ídolos, uma multidão incalculável esperava que saíssem.
Cansaram muito cedo.
A última apresentação pública dos Beatles ocorreu em São Francisco, no dia 29 de agosto de 1966. Estavam livres.
Brian Epstein  procurou contornar a situação, mas os Beatles estavam decididos a não reproduzir mais a imagem que transmitiram em seu segundo filme (Help/Socorro): alegres, felizes da vida, ansiosos por aventuras e piadinhas. Os Beatles estavam mudando, o público permanecia a mesmo.
George Harrison, considerado por muitos como inseguro nas decisões que o grupo até então tomava, deu o passo em direção ao personalismo. Já havia viajado até a Índia com a esposa e fora o responsável pela introdução de instrumentos hindus nos arranjos das novas músicas de Lennon e McCartney. Agora decidira-se pela religião oriental, nas pegadas de Maharishi, o bom pastor que cativou os rapazes de Liverpool. Maharishi, meses antes, realizou uma viagem até o Brasil, pregando a sua religião de amor e paz, mas não passou dos programas secundários de TV, no horário da tarde. Em todo caso, foi esse homem eleito pelos Beatles para mostrar o novo caminho.
Nesta época, os Beatles estavam decidindo a última questão em conjunto. Dispensado o Maharishi, que aproveitou  para faturar a celebridade conseguida através dos Beatles, cada um foi cuidar da sua própria vida. John foi filmar com Richard Lester, Ringo também preparou o seu ingresso no cinema. George passava horas tocando cítara e estudando religião. Paul, o que possuía mais tino comercial, resolveu adiantar os planos de fundação da Apple, que haviam sido rejeitados nas primeiras reuniões que realizou com o staf de Brian Epstein. Agosto de 1967: morre Brian Epstein."
(continua)

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Revista O Cruzeiro Fala do Fim dos Beatles - 1971 (1ª Parte)

Em 31 de dezembro de 1970 era anunciado oficialmente o fim da maior e mais influente banda de rock de todos os tempos: os Beatles. Assim terminava o ano de 1970, com uma notícia-bomba que já era esperada por quem acompanhava os últimos tempos da banda. No Brasil, como em todo o mundo, a notícia gerou uma série de matérias na imprensa. O mundo sem os Beatles era ainda uma novidade. Em sua edição de 20/01/71, portanto a menos de um mês da dissolução, a revista semanal O Cruzeiro, a mais importante revista da época trazia uma longa matéria sobre a banda e fazia uma análise sobre seu fim. Foi, com certeza uma das primeiras grandes matérias sobre o assunto, que saiu na grande imprensa brasileira após o anúncio do fim da banda. Assinada pelo jornalista Cláudio Rocha, a matéria tinha por título "Beatles Nunca Mais", que reproduzo abaixo:
"No último dia do ano que passou, Paul McCartney tomou a decisão que há muito se esperava: pediu o seu desligamento de qualquer compromisso com os Beatles. Afinal aconteceu. Permaneceram como reis durante oito anos no mundo da música. Surpreenderam os críticos mais conservadores e deixaram uma herança de renovação nos anos 60.
A pasagem dos Beatles pelo mundo foi arrasadora, rápida e revolucionária. Desde 1962, quando eles começaram a invadir as paradas de sucessos da Inglaterra, tudo mudou muito: houve Mary Quant e a minissaia, popularizou-se a ideia da criação de uma nova civilização, surgiu o lucrativo mito da Swinging London, desenvolveu-se a alastrou-se o estilo hippie; falou-se exaustivamente de paz e amor numa época em que a violência foi uma das características mais significativas. Houve também a música oriental, as drogas, a pesquisa de novos sons, a assimilação da guitarra elétrica por todas as culturas mais dinâmicas (como a brasileira), a entrada da música jovem (ex-bárbara) na alfândega do bom gosto da crítica, Jimi Hendrix, Janis Joplin, a música e a cultura pop.
Agora que John, Paul, George e Ringo estão se separando oficialmente, pode-se perguntar sobre a responsabilidade de quatro simples músicos em todo esse clima de mudança que foi a década de 60. Certamente eles não têm nenhuma responsabilidade direta em tudo isso, na medida em que não estabeleceram qualquer programa para reformular o mundo. Ao contrário, foi vivendo e fazendo músicas da maneira mais informal possível que eles conseguiram criar uma nova melodia e influenciar no nascimento de uma nova cultura.
Bill Haley, Elvis Presley, Little Richard: o caminho estava aberto para muitos rapazes em todo o mundo que nunca haviam sentido a minha atração pela música. Os conjuntos proliferaram, concorrência de nomes estrangeiros e cada vez mais singulares. A era do rock and roll, iniciada em abril de 54 com o filme Rock Around the Clock, foi o berço dos nossos herois.
Liverpool foi sacudida como tantas outras cidades, mas o acaso colocou o seu nome em destaque. Paul, John e George encontraram-se primeiro. Depois veio Ringo, já que o conjunto estava firmado em sua terra natal. Os contratos se sucediam sob a guarda de um ex-discotecário, Brian Epstein, e os Beatles viajavam pela Inglaterra, esperando o sucesso.
O primeiro disco, Love Me Do, lançado em outubro de 1962, lhes garantiu o aparecimento nas colunas especializadas em música popular, mas não estourou em vendagem. O primeiro disco a chegar às paradas foi Please Please Me, o que garantiu a hegemonia do conjunto na Grã-Bretanha. Daí para a frente as coisas foram bem mais fáceis e o ano de 1963 lançou oficialmente para todo o mundo a beatlemania. No dia 12 de dezenbro daquele ano, o Sunday Times de Londres previa o futuro com uma audaciosa afirmação: 'Os Beatles são os maiores compositores desde Beethoven.'
1964 foi o ano da consolidação. Viagem aos Estados Unidos, primeiro filme do quarteto (A Hard Day's Night/Os Reis do Iê-Iê-Iê), permanência constante nas paradas de sucesso em todo o mundo. No Alasca ou no Japão, Beatles era a palavra sem fronteiras."

domingo, 7 de julho de 2013

Egberto Gismonti - Revista Música 1983

Egberto Gismonti, um dos músicos mais completos do Brasil, lançou em 1982 o disco Fantasia, e no ano seguinte, Cidade Coração. Era uma fase em que Egberto havia criado um selo, chamado Carmo - nome de sua cidade natal, no Estado do Rio. Por esse selo ele não só lançava seus próprios discos, como também de outros músicos. Na revista Música nº 71, de1983, Egberto fala de sua carreira e do selo Carmo. A matéria tem por título "Gismonti: uma festa do interior no céu":
" 'Eu pretendo me dedicar a uma música que normalmente não tem sido editada pelas gravadoras. A maioria dos discos será gravada no próprio estúdio, que reúne todas as condições técnicas e materiais. Uma outra forma que encontramos para o barateamento dos custos, foi a adoção de um padrão gráfico econômico nas capas dos LPs. Usando apenas duas cores, mas com sensibilidade, de acordo com o produto que está sendo embalado.'
'A Carmo já lançou dois músicos/compositores - André Geraissati e Nando Carneiro. Daqui pra frente, pretendo ouvir o trabalho de outras pessoas; o selo está abrto a ideias novas, quem quiser é só mandar uma fita gravada.'
Os discos  Fantasia, lançado no ano passado, e Cidade Coração foram gravados no estúdio O Porão, atualmente a Carmo.
'Cidade Coração evoca uma realidade que vivenciei muito, a de cidade do interior: o realejo, a igreja, o jardim, a praça e aquelas retretas com todo aquele clima característico. É uma viagem no tempo. A ideia do disco nasceu quando eu estava em minha casa em Saquarema (RJ) e não sei explicar exatamente como aconteceu, mas eu tive a sensação de festa, céu e universo; uma festa do interior no céu. Me veio, também, a ideia de colocar na capa a figura de um velho e uma criança, para caracterizar o presente, o passado e o futuro. Quando me bateu a ideia, as músicas pintaram rapidamente. Então, no disco tem o dia e a noite: o dia começa com uma abertura straussiana, seguindo-se 'Ciranda de Estrelas', 'Realejo', 'Foguetório', 'Lira dos Conspiradores', 'Ladainha', 'Feliz Coração', 'Pra Frente Brasil' e 'Contos de Fadas'; a noite abrange 'Fazendo Arte', 'A Fala da Paixão', 'Dancin Piazolla', 'Ruth', 'Contemplação', 'Cara de Amor' e 'Noite Sem Fim'. As histórias que são contadas neste disco serviram de base para um filme do mesmo nome, o qual vai ser feito por José Anchieta, roteirista, que bolou a capa do LP.'
Em 1967, Egberto começou a se dedicar à pesquisa de música popular, e no ano seguinte foi para a Europa, onde continuou a estudar. Ao mesmo tempo, atuava como arranjador e regente da orquestra que acompanhava a cantora Marie Laforet. Fez inúmeros shows na Itália, França e Alemanha, além de trilhar trilhas sonoras para vários filmes, e participou de festivais de jazz.
Em 1969, de volta ao Brasil, lançou seu disco de estreia, Egberto, ao qual se seguiu, um ano depois, Sonho 70 (ambos pela gravadora Polydor). E deu sequência a suas pesquisas, em meio às idas e vindas entre a Europa e o Brasil.
Mas deixemos que ele conte sua história. 'Meu trabalho não tem um tempo para ser entendido, e sim para ser sentido. E o público percebe isso - inclusive já ouvi pessoas dizerem que ele vai levar anos para ser compreendido; eu mesmo não entendo perfeitamente muita coisa do que eu faço, e eu tenho isso muito claro dentro de mim.'
'Esse processo - afirma  Egberto - é fruto de um trabalho de 15 anos e que custou a ser aceito pelas gravadoras; eu comecei num momento - década de 60 - que não era compatível, e eu não me senti à vontade para dizer coisas que eram contrárias. Depois, no momento mais agudo da crise da matéria-prima dos discos, a Emi-Odeon chegou a ter dúvidas quanto à renovação do meu contrato e eu me senti no paredão. Então, eu resolvi fazer um LP reunindo tudo o que não entrou nos anteriores; dei tudo de mim, fiz um disco bem doido: o Academia de Danças. Em 1975, eu imaginava que este seria meu último disco, no entanto foi o melhor.
'Desde então as coisas mudaram e as gravadoras, aqui e lá fora, me dão total liberdade de ação. Não foi fácil conseguir isso. O fato de eu ter sido teimoso e tinhoso abriu espaço não só para o meu trabalho, como também para o de outras pessoas. E foi dentro desse espírito que criei o selo Carmo; eu já tinha o estúdio, e foi só legalizar. Na estrutura da gravadora sou eu quem cuido de toda a produção artística dos discos, ficando com a Emi-Odeon a tarefa industrial e comercial. Dessa forma, a Carmo entrega à Odeon a fita do disco e o fotolito da capa, com total autonomia quanto à criação do produto que será levado ao público.' "


quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Centenário de Wilson Batista

Na data de hoje, um dos maiores sambistas do Brasil de todos os tempos faria cem anos: Wilson Batista. Reconhecido como um verdadeiro mestre na arte de criar sambas que se tornaram antológicos, Wilson Batista, apesar de tudo isso não está sendo lembrado nessa data tão marcante, como outros foram reverenciados. Na verdade, Wilson, apesar de seu talento e do sucesso que vários de seus sambas alcançaram, nunca conheceu a fama em vida. Talvez o momento que seu nome ficou mais em evidência foi quando travou uma polêmica musical com ninguém menos que Noel Rosa, o que rendeu sambas antológicos de ambas as partes. A cantora Cristina Buarque uma vez declarou: "Wilson Batista é um dos maiores compositores de samba de todos os tempos. Paulinho da Viola e João Gilberto também dizem isso. É uma injustiça que um sambista tão atual ainda hoje, seja pouco conhecido".
Tenho orgulho de ser conterrâneo desse mestre do samba, nascido em Campos dos Goytacazes/RJ em 03 de julho de 1913, e gostaria de hoje estar comemorando a data em alguma festividade, show ou exposição em homenagem a Wilson, mas os órgãos culturais (?) do poder público municipal ignoraram a data, apesar do pedido de apoio, através de projetos apresentados por admiradores de um de nossos mais ilustres conterrâneos. Mas esse esquecimento, infelizmente, é geral, pois pouco ou nada se falou sobre a data nos grandes órgãos de imprensa do país. 
Estandarte do bloco Rapaz Folgado
Alguns abnegados admiradores, por conta própria resolveram homenagear o grande mestre, criando o bloco Rapaz Folgado (título de um dos sambas feitos por Noel na famosa polêmica musical), que saiu pelas ruas ruas da cidade há alguns meses, homenageando Wilson Batista através de seus sambas e marchinhas, uma iniciativa das mais válidas e bem vindas, para provar que em sua cidade de natal Wilson não foi esquecido, e sua arte será sempre lembrada. Mas Wilson merecia mais.
Como compositor, Wilson Batista sempre se destacou pela perfeição das melodias e pelas letras oportunas de seus sambas e marchas de carnaval. Suas músicas falavam dos assuntos atuais, sempre com uma dose de humor e sarcasmo, sendo um cronista musical de seu tempo. Wilson em muitos de seus sambas fazia apologia à figura do malandro, personagem marcante na vida carioca, e no Rio, para onde se mudou ainda adolescente, fez sua fama no meio do samba. A fama de "malandro" que criou acabou causando para ele uma certa discriminação por parte de alguns compositores de renome, por considerá-lo "marginal" e frequentador de ambientes não muito recomendados, porém era lá que Wilson buscava inspiração para muitos de seus sambas.
Conta-se que Wilson Batista, ao contrário de muito de seus colegas de samba e malandragem, não era muito chegado à bebida, mas, como se dizia na época, preferia um "fumacê". Tanto é que talvez a primeira música feita no Brasil a citar a maconha é de autoria de Wilson - o samba Chico Brito, que diz: "Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte/É valente no morro/Dizem que fuma uma erva do norte". Paulinho da Viola, um fã confesso de Wilson Batista gravou magistralmente esse samba, além de outros de sua lavra, como "Nega Luzia" e "Meu Mundo É Hoje", um dos mais belos sambas de Wilson, que traz uma letra reflexiva, onde ele diz: "Eu sou assim, assim morrerei um dia/ Não levarei arrependimento/ Nem o peso da hipocrisia".
Wilson Batista também pode ser lembrado por outros tantos sambas antológicos, que fizeram sua fama, e o colocaram em um lugar merecido, na galeria de nossos melhores sambistas. Posso citar "Acertei no Milhar", "Lenço no Pescoço", "Samba Rubro-Negro", "Bonde São Januário", "Louco", "Mundo de Zinco", dentre tantos outros.
Apesar de tantos sambas de qualidade, Wilson Batista nunca receberia o que fez por merecer pelo conjunto de sua obra. Moreira da Silva, um de seus intérpretes uma vez disse: "Se fosse um país onde os direitos do compositor estivessem protegidos, e se lhe fosse feita justiça na época, Wilson Batista teria ficado milionário.Até hoje quando canto em festas, me pedem para cantar "Acertei no Milhar".
Wilson Batista morreria em 7 de julho de 68. Para atender seus dois últimos desejos, seria sepultado de smoking e ao anoitecer, cercado por uns poucos amigos que cantavam sambas antigos de sua autoria. Apesar de ter deixado mais de 700 músicas gravadas, morreu pobre. Um de seus parceiros, Alberto Ribeiro, a respeito do final de vida de Wilson, deu um triste depoimento: "Morreu, coitado, não tinha nem lençol da cama dele. Recebia Cr$ 700 de dois em dois meses, não dava nem para pagar o aluguel. Sofreu muitas ingratidões na vida. Às vezes era melhor vender as músicas, pois o direito autoral saía mais rápido. O bom bocado não é para quem faz, é para quem come".
Assim foi a vida desse gênio do samba, nascido a cem anos. Parabéns, rapaz folgado!