Palavras Domesticadas

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sábado, 31 de março de 2012

Cinema Olímpia - O Filme Não Realizado de Galvão, dos Novos Baianos


No início dos anos 80, Luiz Galvão, letrista dos Novos Baianos, tinha o projeto de fazer cinema. Seria uma nova empreitada de uma das mentes mais criativas da música e das letras brasileiras dos anos 70. Cinema Olímpia, título de uma música da fase tropicalista de Caetano Veloso seria também o nome de seu filme. Porém, o projeto não foi a frente, pois como se sabe, fazer cinema exige uma série de apoios e verbas, o que acaba inviabilizando muitos bons projetos. Na ocasião o jornalista Joel Macedo fez uma matéria/entrevista com Galvão, sobre seu projeto cinematográfico:
"Poeta, iogue, letrista dos Novos Baianos desde o nascimento do grupo, do qual é um dos fundadores, parceiro de Caetano Veloso, Gilbero Gil e Moraes Moreira - Luiz Antônio Galvão, baiano de Juazeiro ('como João Gilberto, ele enfatiza), tem se dedicado ao cinema nos últimos dois anos, e , depois de realizar uma série de curtas-metragens em 16 milímetros que têm sido exibidos nos shows dos Novos Baianos, parte agora para seu projeto mais ousado: o longametragem 'Cinema Olímpia, em fase de levantamento de recursos, com Caetano, Gil, Macalé e Baby Consuelo, confirmados no elenco.
Galvão, o que é 'Cinema Olímpia'?
- 'Cinema Olímpia' é onde deságua toda minha vivência anterior com um cinema artesanal, tipicamente brasileiro, calcado em uma linguagem nossa, dos trópicos, e por isso mesmo o único cinema brasileiro que considero exportável. Trata-se de um musical, como não podia deixar de ser, com alguns de nossos melhores músicos interpretando personagens e cantando num clima de muito sol, bom humor e alta filosofia.
Sem revelar sua idade - 'Um alquimista tem a idade do mundo' - Galvão é, entretanto, o mais velho dos Novos Baianos, e tem demonstrado também ser o mais inquieto, sempre a procura de novas linguagens e vias de expressão poética. Em 1971, com o fotógrafo baiano Ronaldo Duarte, iniciou as filmagens do média-metragem 'Os Novos Baianos do Final do Juízo', dando a partida para sua busca de um cinema artesanal brasileiro:
- Esse filme foi feito numa época em que a juventude assumiu literalmente o poder no Brasil. Naquela época, por volta de 1970, 71, os hippies eram muito populares. As famílias em Salvador saíam de casa para ir ao Porto da Barra ver os hippies. Foi um período de poder da juventude, muito som, muitos livros, jornaizinhos da rapaziada, e o nosso filme procurou mostrar toda essa força da juventude vista de dentro, porque os Novos Baianos sempre foram uma espécie de vanguarda daquele movimento. Nosso único erro - meu, de Ronaldo - foi não termos concordado em realizar o filme em 35 milímetros, como desejava o produtor Braga Neto. Se tivéssemos cedido à visão do produtor não tenho dúvidas de que 'O Final do Juízo' teria sido um estouro comercial. Mas esse vacilo fica por conta do espírito romântico da época, pois queríamos inovar, filmar mesmo em 16 milímetros, pensávamos mais na linguagem do que na parte comercial do empreendimento.

- E este filme, onde anda?
- A última notícia que tive é de que a única cópia existente foi queimada pela polícia em um entrevero entre esta e o fotógrafo Duarte, lá em Salvador.
- E sobre 'Cinema Olímpia', o filme em si, você pode revelar alguma coisa?
- O cinema Olímpia na história é um ponto de encontro, onde entra gente, sai gente, as pessoas se abraçam, trocam ideias, discutem tudo, entre pulgas mil na geral. Na porta do cinema fazem ponto quatro filósofos: o Alienado, que vai ser feito pelo Caetano, o Sem Lógica, que o Gil vai fazer, e mais o Esquerdinha e o Direitinho, ainda sem atores definidos. Esses filósofos discutem seus pontos de vista sobre vários temas atuais, como a energia nuclear, a energia solar, a questão do índio, o desmatamento. Cada um vendo a seu modo, dando seus toques, seus retoques. Às vezes todos concordam, às vezes divergem. Nisso aparecem os frequentadores do cinema, como Baby Consuelo, Moraes Moreira, Macalé, que chegam, levam um papo, levam um som. Uma coisa bem alegre, cheia de beleza e virtude, pois como diz o Direitinho, em determinado trecho do roteiro, 'o belo é virtude, saúde, o gosto é importante'.
- E, independentemente deste filme, você acha viável esta sua proposta de cinema artesanal dentro do atual contexto?
- Minha proposta não tem nada de excepcional. Ele parte da realidade subdesenvolvida em que vivemos. O artista brasileiro tem ideias mas lhe são bloqueados os recursos. Então, ele tem que se juntar com os amigos, se organizar em cooperativas, se quiser materializar a sua arte. Glauber, com sua câmera na mão e uma ideia na cabeça tornou-se o maior cineasta do Brasil, talvez o único, e eu não estou inventando nada, porque se você for ver os filmes de Glauber, examinar as coisas que Glauber diz, você vai ver que o que ele propõe é exatamente isso, um cinema artesanal, um cinema de artesão, no sentido que a palavra tinha na Idade Média. Afinal, tudo que eu quero, como diz a música ('Cinema Olímpia', de Caetano Veloso), é 'um lugar para mim, pra você...'."

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