quinta-feira, 1 de março de 2012
MPB Perdeu o Rumo e Continua Sem : Júlio Medaglia
O maestro Júlio Medaglia participou, nos anos 60, de uma das fases mais criativas da MPB. Ao lado de Rogério Duprat, foi um dos grandes arranjadores, e responsável pela roupagem de várias músicas da Tropicália.
Medaglia estudou na Alemanha, onde fez curso completo de regência sinfônica na Escola Superior de Música de Freiburg, onde foi colega de Frank Zappa. De volta ao Brasil, em 1966, compôs músicas para teatro e cinema, além de se envolver com a ala mais criativa de músicos brasileiros. Em 1976 concedeu para o jornal O Globo uma entrevista ao jornalista Jésus Rocha, que abaixo reproduzo. Na ocasião, ele via com pouco entusiasmo o panorama de nossa música, sem saber que muitos anos depois, a situação estaria bem pior do que aquela que ele enxergava.
"Desde a Tropicália - aquela feijoada que inverteu, bagunçou e destruiu valores, conceitos e preconceitos na música brasileira, a chamada MPB perdeu o rumo de casa, perdeu a própria casa. E ainda não saiu do impasse. Não se trata de uma crise de criatividade, mas de técnica. Uma crise de recursos.
Maestro Júlio Medaglia fala rápido, puxando um 'r' de sempre. Com a mesma impostação (ou falta de) polêmica. Que às vezes parece entusiasmo. Às vezes, raiva. Às vezes, cansaço.
- Elogio ou malhação à Tropicália?
- Elogio, claro. A Tropicália detonou o mesmo fenômeno acontecido com o rock e o jazz. Só que neste caso, o pessoal não parou. Procurou novos rumos em novas culturas. Novas motivações, entende? E continua assim. Quanto a nós, nada. Vemos por aí valores isolados pintarem de vez em quando, mas sem uma atitude ou proposta que faça alguém pensar: 'Ei, tá surgindo um novo caminho, uma nova meta'. Nossos compositores continuam sem saber - desde a derrocada tropicália - onde se agarrar.
- Não encontram motivação?
- Como disse, trata-se mais de uma estagnação em termos de técnica. Motivação não nos falta. Não existe um país mais rico que o nosso. Só em Pernambuco há mais motivações, mais riqueza de matéria-prima, ritmos, dança, formas de expressão musical que na Europa inteira. Agora mesmo, há poucos dias, um cara do rock inglês - me foge o nome no momento - esteve aí. Trancou-se num estúdio com crioulos e mandou que eles cantassem, tocassem, falassem, rissem, fizessem o que quisessem. Pagou pra isso e se mandou levando quase 200 fitas cassete, e pra que? Pra ouvir, ouvir, ouvir. E com sua técnica infernal, sugar o que há de vivo e partir para uma, dentro deles. Os grupos ingleses e americanos importantes, no rock, fazem isso, no mundo inteiro. Catam, se embrenham em subterrâneos culturais do mundo inteiro.
- Por que não fazemos isso?
- Parece que nosso pessoal, de modo geral, não vê tanta importância nisso. Não percebe que o que falta são investidas técnicas em cima de matéria bruta que não nos falta. Fim do ano passado, sabe que fui o único no Brasil - com mais de 18 anos - a aplaudir Rick Wakeman? No Maracanãzinho só deu adolescentes para ver aquele aparato técnico, um som feito por instrumentos maravilhosos, jogando de altíssimo nível, com o rock, o sinfônico, uma lição. No entanto, o pessoal da chamada MPB não quis ver. Prefere a musiquinha tocada ao violão, num banquinho.
- Falar em banquinho e na falta de um acontecimento mais eufórico na MPB atual, como você vê, hoje, aqueles festivais que você ajudou a fazer? Por que eles entraram em crise, inclusive como forma promocional?
- Tenho gravado todos os festivais daquela fase áurea
- Na memória?
- Não. Em fita mesmo. Tudo aquilo. Uma quantidade enorme de ritmos, de novidades anuais, que o pessoal derramava com força. Não foi a fórmula festival que entrou em crise. Foi a própria música brasileira, como disse. Os festivais se desgataram assim como os programas de MPB na TV, depois de grande sucesso. E por que? Porque de repente, após a avalanche de criatividade em ebulição, houve uma saturação. O consumo maior que a produção. Daí, a repetição. A falta de novas imposições ou recursos. Os últimos programas de MPB da Record, eu me lembro, foram chatíssimos. Enquanto houve equilíbrio entre produção e consumo, tudo foi ótimo. A televisão é poderosa, promove na mesma proporção que desgasta. Os festivais duraram enquanto durou a capacidade produtiva dos que mantinham a ebulição da nossa música. Todo ano havia o que mostrar, sem repetir. De repente, depois dos extremos serem jogados na mesma panela, no vale-tudo (a Tropicália), ninguém soube mais em que se agarrar, o que fazer. E esse impasse dura até hoje."
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Excelente!
ResponderExcluirMuito obrigado pela publicação!
Eu que agradeço pela visita a meu blog e o comentário
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