Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Hermeto Pascoal - Festival de Jazz de Montreux (1980)


Em 1980, Hermeto Pascoal participou do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, realizando um show empolgante. A revista Manchete na ocasião fez uma matéria sobre a apresentação de Hermeto, intitulada “O Forró Suíço de Hermeto Pascoal”, assinada por Roberto Muggiati. A reportagem comenta uma matéria publicada sobre o músico brasileiro no importante jornal International Harold Tribune, assinada por Michael Zwerin. Alguns trechos são destacados:
“Depois de João Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Airto Moreira e Egberto Gismonti, conheçam agora Hermeto Pascoal, talvez o mais brilhante de todos esses brasileiros.”
“Este homem me influenciou mais do que qualquer outro nos últimos vinte anos.”
“Um soprano conduz um grupo de saxes extremamente entrosados. As figuras polirrítmicas e politonais são uma espécie de Berg incrementado com jazz. Surge a selva. Passagens melódicas implicam Stevie Wonder. Campainhas, buzinas, apitos, uivos e estalidos saem direto da filosofia de John Cage. Algumas texturas devem fazer Frank Zappa se olhar no espelho. Podemos reconhecer Sun Ra e Kurt Weil e uma curta sequência e tirada de Giant Steps de Coltrane, como que para dizer: “Vejam – nós também podemos fazer isso.”
"Quem é esse misterioso gênio de um canto remoto do Brasil? Uma coisa é certa, vamos ouvir falar mais dele.”
Sobre o show, a matéria da revista Manchete diz:
“De sua janela do Palace, Hermeto contemplou o lago azul pontilhado de barquinhos, as margens verdejantes com seus chorões tocando as águas, as montanhas do outro lado e os Alpes coroados de neve à distância. E compôs no quarto do hotel, numa partitura artesanal, uma bela modinha chamada Montreux. Durante sua apresentação no festival, ao revelar as circunstância em que a música foi composta e exibir a partitura, disse à plateia em português: 'Não é cascata não, pessoal. Olha, é uma música lenta. Se fizerem algum barulho eu paro, hein?' Hermeto falando português o tempo todo se entendeu maravilhosamente com o público jovem (4.000 pessoas) que lotava o auditório do cassino onde o festival acontece. Cantou coisas num sotaque incrivelmente nordestino com um refrão em cima de A-E-I-O-U-psilone-zê e deu o seu mote sonoro com este 'remelexo cá/remelexo lá/ re-me-le-xo em qualqué lugá'.

Na Noite Brasileira de Montreux, o diabo louro de Arapiraca emitiu gritos, grasnados e grunhidos para exorcista nenhum botar defeito. Com um lado da boca tocava a escaleta, com o outro acompanhava a si mesmo em vocais. Trocou várias vezes de teclados, saltando dos eletrônicos ao acústico, desdobrou-se entre os saxofones soprano e tenor e as flautas, No final da última apresentação, já tendo voltado ao palco algumas vezes por exigência do público, voltou pela última vez com Elis Regina e os dois numa harmonia muito suave que tocou particularmente a sensibilidade dos brasileiros, se uniram em Asa Branca, Corcovado e Garota de Ipanema. Na manhã seguinte, o jornal local L'Est Vaudois deu com destaque na primeira página uma foto em cores de Hermeto e uma reportagem que afirmava a certa altura: 'Hermeto fez a demonstração, de saída sempre útil, de que a música é universal e é preciso, para ser um digno embaixador dela, se alimentar do folclore, das tradições, de suas próprias raízes culturais. Sua arte é de uma autenticidade que ninguém poderia contestar, não segue nenhuma moda, zomba dos gêneros e das etiquetas.' Um dia depois, indiferente ao sabor do sucesso e muito na sua, Hermeto pegava mais um avião, desta vez para o Festival de Jazz de Tóquio. Não posso deixar de concordar com Micharl Zwerin quando diz que uma coisa é certa: “Vamos ouvir falar mais de Hermeto.”

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