sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Do Poeta Augusto de Campos, Sobre João Gilberto
Não é fácil falar sobre João. Porque este “João de Nada” é tudo na moderna música popular brasileira. O começo e o fim. O sim e o não. O tom e o som. João é João. Todos sabem o que ele significa para a Bossa Nova. O que talvez nem todos saibam é o que ele significa ainda hoje para as correntes mais novas de nossa música. Caetano já prevenira quando, em 1966, no final de uma nova explosão musical, proclamava a “retomada da linha evolutiva” a partir de João. Por trás da revolução exuberante da Tropicália, lá estava ele, tão esfíngico e mudo como Marcel Duchamp. Seu último LP (Getz & Gilberto) havia sido gravado em 1964. E ele só voltaria em 1970 com “João Gilberto em Mexico”. Seis anos de silêncio. Aparentemente desligado. Mas sabendo de tudo. Mesmo do lado de fora. “Diga que eu vou ficar olhando pra ele”, me disse João em New Jersey, maio de 1968, quando era difícil olhar para Caetano. Os baianos da Tropicália receberam esse recado como sinal e como benção. Fizeram o que fizeram. Mas sabendo que por trás de tudo estava João, o rigor e a abertura - a nota só, bim bom, precisa, funcional, e a formação inesperada – oba-lá-lá, misturando beguine com samba: aí está, capsulada, a revolução da Tropicália. O João do lp branco de Águas de Março, Undiu, Avarandado, Valsa, Izaura e outras criações e recriações. Nesses últimos passos João sobe ainda mais alto, caminho da sabedoria. Nenhum excesso. Nenhuma perda. Canta e toca sem preocupação de variar. Como alguém que estivesse visando o centro do alvo e acertasse sempre na mosca. Mesmo de olhos vendados. Iluminação. Satori. Som voz. João zen. Ao falar de João, mais uma vez o comparei à figura exemplar de Anton Werbern. Os que conhecem as duras veredas da música contemporânea sabem o que quero dizer. Webern, o justo, a esfinge. Trinta e sete anos de composição em 4 lps. O radical. Aparentemente limitado. Mas aberto a ponto de poder ser o limiar das mais novas experiências. De Stockhausen a Cage, não há compositor que não lhe deva algo. Assim é João. O silêncio e o som. O som e o ruído. O ruído e o silêncio. De 58 em diante, por mais diversos que hajam sido os caminhos da música popular brasileira, de Chico Buarque e Walter Franco, a base é uma só: João Gilberto. Tudo o que ele canta é novo: o que é de outro é dele e é outro. Presente de um passado que não passa, sem tempo e sem espaço, é assim que que vejo a João, Orlando de Caetanos futuros.
Augusto de Campos – informativo Jazzmania, de onde também extraí a foto
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