Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Revista Especial - Os Parceiros (1985)

A editora Imprima era especializada em revistas sobre música, especialmente as que traziam músicas cifradas para quem tocava ou estava aprendendo a tocar violão. Mesmo as revistas que não se limitavam só às cifras, e que traziam matérias sobre música, também traziam cifras de músicas citadas na publicação. Muitas revistas abrangendo variados assuntos foram publicadas, e viraram ótimos materiais de pesquisa. Em 1985, por exemplo, foi publicado o primeiro número de uma revista sobre MPB, e que trazia um especial sobre parcerias na música brasileira. Já na capa, aparecem fotos de quatro duplas de parceiros, das mais importantes, e que são destacadas na revista: Roberto e Erasmo Carlos, Toquinho e Vinícius, João Bosco e Aldir Blanc e Milton Nascimento e Fernando Brant.
No texto de apresentação, assinado pela jornalista Tania Regina Pinto, a revista diz:
"Pensar em grandes parcerias da Música Popular Brasileira é pensar em Vinícius de Moraes e sua Santíssima Trindade com Amém e tudo - Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra e Toquinho - , porque Vinícius veio num tempo em que música popular tinha complexo de inferioridade em relação à música clássica e, por extensão, à poesia erudita, ou seja, o compositor popular sentia falta de uma grande orquestra e o letrista queria sua obra em livros.
Dentro desse contexto, anos 50, Vinícius chegou por um caminho inverso, pois era o poeta de livros publicados de poesia erudita que veio para a música popular mais coloquial, sem palavras difíceis nem músicas rebuscadas.  
Vinícius e seu último grande parceiro, Toquinho
Uma década antes, temos Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira que chegaram mostrando '... como se dança o baião, e quem quiser aprender é favor prestar atenção...', que representa um marco importante para a MPB, pois esse gênero tomou conta do Brasil até alguns anos antes do surgimento da Bossa Nova através de João Gilberto com seu manifesto: 'Eu sei que você vai dizer que eu sou desafinado, mas isso é bossa nova, isso é coisa natural...' Já nos anos 60 temos Roberto, Erasmo e a Jovem Guarda, que cativaram o público com 'Quero que vá tudo pro inferno', hino do movimento.
Mas tudo começou no final dos anos 20 com o despertar do que poderia se chamar nova fase da MPB, com  o início da participação da classe média branca num samba até então dominado pelos negros, caracterizado pela presença do maxixe.
Roberto e Erasmo
É nesse tempo  que a MPB desponta de fato, apoiada na consolidação da rádio no Brasil e tendo como padrinho o Carnaval, através de parcerias como João de Barro e Alberto Ribeiro, que discutiram o problema da exportação no país com 'Yes, nós temos banana' e tantas outras músicas sertanejas, num tempo de abertura com Alvarenga e Ranchinho, protegidos de Getúlio Vargas, a quem destinavam sátiras de forte conteúdo político."
Como já adiantou o texto de apresentação, a revista começa falando dos primórdios da música brasileira - Noel Rosa e seus parceiros, e também compositores que se notabilizaram por marchinhas carnavalescas, como João de Barro e Alberto Ribeiro, duplas de parceiros que faziam um trabalho calcado no humor ainda nos anos 30, como Alvarenga e Ranchinho, até desaguar nos anos 50, com o surgimento da Bossa Nova, onde uma boa parte da matéria destaca Vinícius de Moraes e seus vários parceiros, como Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho.
O surgimento da Jovem Guarda também merece um destaque, com a consolidação de uma das duplas mais presentes na música brasileira durante um longo período: Roberto e Erasmo. O texto destaca um inicial estranhamento entre a MPB mais tradicional e as guitarras elétricas da Jovem Guarda:
"E, dentro do panorama da música popular, a Jovem Guarda vem opor-se radicalmente à Bossa Nova, movimento sério e bem cuidado, de preocupação exclusiva com a forma e o conteúdo, enquanto na Jovem Guarda havia maior descontração para compor. Com seus terninhos justos e camisas de babadinho, eles disfarçavam com suas letras uma situação política e social existente em quase todo mundo. Trocando blusões de couro, lambretas e toda violência da época de James Dean, símbolo da revolução juvenil daqueles tempos, pela beatlemania, formaram o rock comportado."
Chico Buarque e Francis Hime - parceria riquíssima
A antológica parceria de Milton Nascimento e Fernando Brant (como também poderia ser com Ronaldo Bastos ou Márcio Borges) também é destacada:
"Um bar na esquina, em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde toda a turma se reunia, e daí surgiu 'Clube da Esquina', em 72, onde Milton juntou toda sua bagagem e propôs um álbum duplo, sinbolizando a coletivização do trabalho...
Mas antes disso, em 67, um seu companheiro de prosa, copo e poesia escreveu: 'Solto a voz nas estradas, já não quero parar, meu caminho é de pedra, como posso sonhar?...' e assim Milton Nascimento e Fernado Brant formaram uma parceria, onde o primeiro libertou o som e o segundo deixou fluir o pensar, depois de muita relutância."
Outras parcerias importantes, não poderiam ser esquecidas na análise da revista:
"Existem parcerias na MPB que têm verdadeiro papel de repórteres de época. Para Silvio Lancelotti, crítico da revista Isto É, 'gente que se dispôs a fazer isso, no auge em termos de parceria, na melhor época para compor' foi Chico Buarque e Francis Hime, através de 'Meu Caro Amigo', numa carta aberta para Augusto Boal contando do samba, do futebol e do rock, mas deixando claro que tudo não passava de aparência; João Bosco e Aldir Blanc, o engenheiro e o psiquiatra, com o 'Rancho da Goiabada', que é o começo da reação, onde se conta a história do boia-fria; e Ivan Lins e Victor Martins com 'Aos Nossos Filhos'.
A revista também traz a opinião dos próprios músicos citados, sobre outras parcerias que consideram marcantes, como é o caso de Toquinho:
"Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito é o que eu gosto mais. Eu vejo músicas bem feitas, porque o bonito de uma música é quando você não sabe o que foi feito antes, a música ou a letra. Musicar texto é coisa muito fácil, me dá uma bula que eu faço uma melodia em cima. E é por aí que eu meço quando uma parceria é boa."
E assim, a revista sobre parceiros da MPB faz uma bela análise sobre a arte de compor juntos, e transformar em música ideias e esboços. É lógico, que sempre fica faltando algo, personagens marcantes das letras, como Torquato Neto, Paulo César Pinheiro, Capinam, Cacaso e tantos outros que adicionaram poesia a melodias de inúmeros parceiros, mas aí viraria um livro.
 

                                      
                                                                               

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