"Todas as crônicas, poemas, rascunhos, confissões do sanatório a que depois dei o título polissêmico D'Engenho de Dentro, tudo tinha de ser cancelado, borrado, apagado, queimado, e Ana Duarte resgatou da lixeira pouco antes de ser incinerado tudo, tudo o que veio depois a constituir o volume que ela e eu organizamos: Os Últimos Dias de Paupéria. O cuidado de queimar no fogo purificador, de passar a limpo, de esvaziar sua vida de toda erva daninha, de toda mácula, de toda sujidade, como nossas operações policiais denominadas 'Operação Limpeza', para que, intacta, quer dizer vazia, a vida pudesse depor no tribunal teocrático. Quando editávamos juntos a Navilouca, edição primeira e única, Torquato me apareceu um dia depois de uma internação em sanatório com o cabelo completamente tosado, um skin head avant la letre, e eu sofri uma premonição terrível e insuportável de uma ovelha negra tosada se oferecendo ao cutelo do matadouro.
O medo de ser doido aos olhos da mãe suserana. Ser feliz é ser capaz de olhar pra si mesmo sem medo. O medo exclui a felicidade e inclui a melancolia. O doce moço pálido. Doce? Escorpião sobre si mesmo. Escorpião envenenado em si mesmo. O doce moço tímido-audaz morre soterrado em suas perplexidades, mas seus recados, seus bilhetes não constituem nota de culpa para ninguém. A vida do moço estava contida num vaso delicado que se partiu, eis tudo: a morte não é vingança. Viver sua vida como se fosse sequência de um filme de Jean-Luc Godard, lances de A bout de soufle, cenas recortadas de Le petit soldat e/ou One, plus, one e o final-remake de Pierrot, le fou. Afogado no bico de gás ou enrodilhado nas bananas de dinamite, tanto faz como tanto fez. O que importa é a imitação da vida da arte.
Assim falava Carlos Drummond de Andrade: nunca amei nada na vida/quanto aquele pássaro/que vinha azul e doido/e se espatifou nas asas do avião./ Assim falava Manoel Bandeira:/e num torpedo suicida/darei de bom grado a vida./ Assim falava Décio Pignatari:/ Alguém tem de ser medula e osso/ Na Geleia Geral brasileira./ Esquecido as aspas/ Torquato fez uma releitura literal/ Brutal brutalista/Agônica/Brasisperada/dessa trinca papa-fina poética./Torquato Neto encenou o Cristo/Que o João Batista de três cabeças da poesia brasileira prenunciava./TN se transformou no esboço mais completo quase do mito do poeta cult do Brasil."
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