Palavras Domesticadas

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domingo, 22 de setembro de 2013

Arrigo Barnabé - Revista Pipoca Moderna - 1983 (1ª Parte)

Arrigo Barnabé foi um dos expoentes máximos de uma corrente musical que teve uma grande repercussão no país, no início dos anos 80: a Vanguarda Paulistana. Seu disco Clara Clocodilo, lançado em 80, causou um grande impacto pela forma com ele fazia sua música, que sofria influência de música erudita de vanguarda, trazendo sons dedocafônicos e uma narrativa com elementos de histórias em quadrinhos. Em março de 1983 a revista Pipoca  Moderna trazia uma matéria com Arrigo, intitulada "Arre, Arrigo", assinada por Pepe Escobar:
"A música é a única arte que ignora a ironia. Não procede das malícias do intelecto, mas dos matizes ternos ou veementes da ingenuidade, estupidez do sublime, irreflexão do infinito. Como o 'rasgo de gênio' não tem equivalente sonoro, é denegrir um músico chamá-lo de 'inteligente'. Este atributo o diminui e não tem lugar nessas cosmogonias lânguidas onde, como um deus cego, improvisa universos. Se fosse consciente de seu dom, sucumbiria ao orgulho; mas é irresponsável; nascido no oráculo, não pode compreender a si mesmo.
Arrigo Barnabé tem sido qualificado, inúmeras vezes, de um músico inteligente. Ou o seu oposto. Ou o enigma. O fechamento em gavetas de fácil alcance é uma atividade altamente popular na província. Para esse paranaense de 34 anos, é indiferente. Está preocupado com este caso limite de irrealidade e absoluto, esta ficção infinitamente real: a música. Seu silêncio, no entanto, inquieta. Acalmem-se os sensacionalistas: não há nada de faustiano em se trancar em um pequeno apartamento de subsolo em Pinheiros, ao lado de um piano americano, partituras e livros, para produzir um pouco de música que introduza turbulências nas águas paradas da época.
A verdadeira história, sem mitos, começa em Londrina, em 68, quando Arrigo entrou em contato com os compositores contemporâneos de música erudita. Ele e seu amigo Mario Lúcio Cortes se perguntavam porque a Tropicália não incluía informações de música erudita na sua guerrilha contra o bunker bem-pensante da cultura brasileira.
'Superbacana', de Caetano Veloso, e 'Alegro Barbaro', de Bartók, provocavam a mesma iluminação estética. Arrigo, Mario Lúcio, Robson Borba e Paulo Barnabé começaram a pensar em desconstruir a linguagem. Só que é difícil ser bárbaro quando se é um simples garoto do interior, estudando no científico, provável futuro engenheiro químico, com eventuais incursões ao conservatório. Blood, Sweat & Tears, Dave Brubeck - interessante pela maneira como trabalhava os compassos - Jimi Hendrix, Iron Butterfly, também cruzavam seu espaço sonoro. Arrigo, no entanto, tinha preconceito contra a música americana. Rock não lhe chamava muito a atenção. 'Rock é outra coisa'.
69. Serenatas . Nelson Gonçalves e Orlando Silva. De repente Arrigo vê o Brasil pela primeira vez: O Dragão da Maldade..., em Curitiba. E começa a pensar em romper com os determinismos agindo em sua vida, por influência direta de O Lobo da Estepe.  O bom católico, bom menino e bom aluno está cara a cara com seu lado negro.
Três diálogos de Platão, Voltaire e Poe: está aberto o caminho para escrever poemas e sonhar utopias. Robson Borba lhe explica que o concretismo é o máximo. Arrigo resolve viver só mesmo na dura poesia concreta de certas esquinas.
70. Na sua cabeça, 'um momento fértil'. Arrigo chega e todo mundo está exilado. Não pensa em termos de atmosfera ' fim de sonho'. Precisa fazer cursinho, o que para ele é informação preciosa: como utilizar o espaço em branco, como compor, preencher vazios. Amigos o iniciam em determinados segredos, como os do fliperama da Ipiranga com a São João.
Arrigo vai para a  FAU, Robson para o ITA, Mario Lúcio para engenharia em Curitiba. Férias em Londrina, à Fellini, tese e prazer. Stockhausen começa a se misturar com Della Piccola, Ravi Shankar e Miles at the Filmore, quando surge, via livro, Augusto de Campos, 'fundamental, quem te direciona, dá visão crítica'. O marasmo musical não existe na cabeça de Arrigo, a não ser a partir de 76. Mesmo porque desde de 71 já estava compondo: nascia Clara Crocodilo, apresentada pela primeira vez há dez anos, em Londrina, no show A Boca do Bode - Itamar Assunção também estava. Pânico e estupor no Paraná, enquanto no palco se perpetravam coisas como 'Babynette rainha da night/faz susex com pouca light', girl, girl, yeah, yeah, bla, bla, bla e entra no palco Beta Pickles, travesti. José Richa, governador eleito do estado no último mês estava lá e gostou.
Da FAU para a ECA, vestibular de novo, mas sempre ganhando mesada - ainda por cima dividida -, dez em uma casa, sonhando com o pulsar das árvores em um enorme quintal de Londrina, ideia para show perpetuamente inédito. 'Eu nunca pensei que fosse ser músico'. No correr de uma década, Arrigo decodifica as pulsações da cidade. Em 79, no festival de Música da TV Cultura, tem uma surpresinha para ela, na primeira grande exposição pública.
Vanguardas adormecidas sacodem seus traseiros: é o novo Messias. Nem tanto. Tudo se espalhou, no início, de músico pra músico. 'O que a gente estava fazendo ninguém estava fazendo. Era uma coisa nova. Eu sentia a necessidade disso. E tudo começou com este festival, que não foi ainda devidamente dimensionado'."
(continua)

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