" 'Diversões Eletrônicas' ganhou o festival, uma armada de músicos paulistas saiu de armários empoeirados em pacatos bairros de classe média e Arrigo arrumou um emprego: professor de música. Muito melhor do que as pesquisas de alguns anos atrás, quando saía de casa às 8 da manhã com 24 tubos de pasta de dente para convencer seletas incautas. Era a época onde 'os quadrinhos seguravam a a barra - O Balão, O Grito, Agora, em 79, dando aula quatro vezes por semana e ganhando sete mil cruzeiros, 'fiquei feliz pra cacete'.
Acontecimento crucial no círculo de Arrigo: Robson Borba vem para São Paulo, monta uma casa e o grupo consegue um local para ensaiar, pensando no Festival de Jazz. Mas não queriam sua presença no dito: 'achavam que a gente era porra louca'. Roberto Muylaert, organizador do festival, não pensava bem assim, mas sugeriu um 'veja lá o que vão fazer'. Arrigo viu, foi e ficou 'emocionado', mostrando todas as suas músicas, menos 'Orgasmo Total' e 'Instante', com Biafra, do Premê, na guitarra, e Tetê Espíndola cantando. Na sequência, 'mal gravado, mal mixado, mal tudo', em novembro de 80 sai o LP. Arrigo está na arena, os leões da mídia estão ansiosos. 'Dá uma certa depressão o fato de se tornar público. Ficar exposto. Todo mundo vem falar com você. Pelo menos eu ainda consigo passar despercebido'.
A partir de 81, Arrigo começa a pensar que o preço pago pelo artista - como figura pública - para mostrar seu trabalho é alto demais. As reflexões, no entanto, não são suficientes para mergulhá-lo em um pessimismo dionisíaco, mesmo porque constata que nunca teria 'um nível de popularidade altíssimo. Ninguém mandaria o Caetano embora porque já é tarde e o bar está fechando, o que ainda acontece comigo'.
Recluso, eremita, excêntrico, pernóstico? Arrigo se desconcerta com as variações sobre sua pessoa. 'Eu tinha que dar uma parada mesmo. Não entendo bem. Posso nunca mais fazer nada depois de Clara Crocodilo. Mas tudo bem. Já dei uma contribuição real, concreta em termos culturais, é uma coisa que ninguém fez, musicalmente'. Arrigo acredita nesta originalidade, plasmada há pelo menos uma década. E não é só ele. No Festival de Berlim, nenhum crítico alemão o comparou a Zappa. Seria apenas uma cegueira na capital das vanguardas?
Arrigo, na verdade, não está muito preocupado com juízos de valor, tanto europeus quanto tropicais. Acredita mesmo que quem reduz o seu trabalho a um novo degradado, já testado nos centros culturais dominantes, 'não entende nada de cultura brasileira, não tem percepção de que somos antropófagos'. Em Berlim, em contato com músicos eruditos, viu seu desprezo pela música popular. Amantes e praticantes dessa última, por outro lado, sabendo que Arrigo escreve tudo o que toca - não há improviso - ficaram desconcertados. 'Aqui a gente está fazendo o contrário, misturando as coisas. Quem fez também, foram os americanos. O novo está sendo criado na América'.
O que Arrigo ouve e gosta? Pouco. 'Estão fazendo uma coisa que eu não gosto, esse negócio de new wave, punk. Abomina tecnologias eletrônicas e a progressiva sintetização. Só pegou fogo com Laurie Anderson. Mas do que ouviu na sua viagem à Europa as melhores lembranças são de fado. Cantores e cantoras excepcionais. Quem conhece seu lado descobridor de cantoras, e o viu ao piano no último show no Sesc-Pompeia em corpo-a-corpo com mágicas canções não se surpreende.
Definitivamente, Arrigo não é um vodu urbano. Toma café no bar da esquina, vai visitar a mãe, ali mesmo em Pinheiros, lê jornal e se irrita com marasmos e mediocridades. O verão não condenou à modorra. Pelo contrário. Associou-se ao Lira Paulistana, por onde gravará e distribuirá seus discos. Está trabalhando em uma trilha sonora - 'vou viver desse dinheiro nos próximos tempos'. E está com um novo show pronto na cabeça - 'todo o conceito, é só começar a ensaiar, vai ser um choque'.
Até que ponto Arrigo premedita seus lances de dados? Até a justa medida para um inocente sofisticado, inquieto, porém acessível. Seu papel não é o de salvar a música brasileira de um buraco negro. Frente a uma paisagem aniquilada pela luz, ele permanece sereno. O sol é seu provedor de ideias negras, e o verão, a estação em que considera suas relações com o mundo e consigo próprio. Com eventual condenação de um e de outro, o que é altamente salutar."
Arrigo, na verdade, não está muito preocupado com juízos de valor, tanto europeus quanto tropicais. Acredita mesmo que quem reduz o seu trabalho a um novo degradado, já testado nos centros culturais dominantes, 'não entende nada de cultura brasileira, não tem percepção de que somos antropófagos'. Em Berlim, em contato com músicos eruditos, viu seu desprezo pela música popular. Amantes e praticantes dessa última, por outro lado, sabendo que Arrigo escreve tudo o que toca - não há improviso - ficaram desconcertados. 'Aqui a gente está fazendo o contrário, misturando as coisas. Quem fez também, foram os americanos. O novo está sendo criado na América'.
O que Arrigo ouve e gosta? Pouco. 'Estão fazendo uma coisa que eu não gosto, esse negócio de new wave, punk. Abomina tecnologias eletrônicas e a progressiva sintetização. Só pegou fogo com Laurie Anderson. Mas do que ouviu na sua viagem à Europa as melhores lembranças são de fado. Cantores e cantoras excepcionais. Quem conhece seu lado descobridor de cantoras, e o viu ao piano no último show no Sesc-Pompeia em corpo-a-corpo com mágicas canções não se surpreende.
Definitivamente, Arrigo não é um vodu urbano. Toma café no bar da esquina, vai visitar a mãe, ali mesmo em Pinheiros, lê jornal e se irrita com marasmos e mediocridades. O verão não condenou à modorra. Pelo contrário. Associou-se ao Lira Paulistana, por onde gravará e distribuirá seus discos. Está trabalhando em uma trilha sonora - 'vou viver desse dinheiro nos próximos tempos'. E está com um novo show pronto na cabeça - 'todo o conceito, é só começar a ensaiar, vai ser um choque'.
Até que ponto Arrigo premedita seus lances de dados? Até a justa medida para um inocente sofisticado, inquieto, porém acessível. Seu papel não é o de salvar a música brasileira de um buraco negro. Frente a uma paisagem aniquilada pela luz, ele permanece sereno. O sol é seu provedor de ideias negras, e o verão, a estação em que considera suas relações com o mundo e consigo próprio. Com eventual condenação de um e de outro, o que é altamente salutar."
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