Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Hermeto Pascoal - 1975 (1ª Parte)

Na revista "Rock, a História e a Glória" nº 13 (1975) - suplemento "Jornal de Música", há uma excelente matéria com Hermeto Pascoal, escrita pelo jornalista Ezequiel Neves, que aqui reproduzo em duas partes:
" 'Queria ver todo mundo de gravador na mão registrando o que estou tocando. Não vou mais gravar discos porque não quero mais me repetir'.
Quem fala isso é Hermeto Pascoal. Ele está sentado à minha frente, na sala de sua casa, no bairro de Aclimação, em São Paulo. Seu cabelão está amarrado na nuca, ele veste uma camisa alaranjada e um calção estampado. Sua simplicidade me comove. Sempre que ouço o som  de Hermeto minha cuca explode e depois fica pacificada. Nunca tive coragem de chegar perto dele. Sua mulher dá uma gargalhada quando digo isso a ele. As crianças, seus filhos (ele tem seis), entram na sala, brincam com  os cachorrinhos. Hermeto pede a eles que brinquem no jardim. Ficamos então os três na sala. Ele explica, apontando sua mulher:
- Ilza é uma espécie de secretária vigilante. Cuida de tudo. Também não se importa com minhas namoradinhas.
Ilza interrompe rindo:
- Também não há razão de me importar. Sempre insisto pra que elas venham aqui. Elas chegam, dão de cara com os seis garotos e depois não voltam nunca mais.
Pergunto novamente sobre a história do gravador.
- Estou dizendo a verdade. Gravem meus concertos, divulguem as fitas. Não vejo outro meio de fazer meu trabalho ser ouvido. Vou tocar dia 28 de dezembro, no Morumbi. Vai ser um concerto patrocinado pelo Movimento Artístico de Mário de Andrade. E para a festa ser completa, quero ver todo mundo de gravador em punho. É importante isso. Você vê: levo pelo menos uma hora pra deixar meus músicos esquentarem. Depois tudo começa a explodir. Meus concertos duram, mais ou menos, umas duas horas e meia - sem interrupção. Ninguém vai se arriscar a lançar isso em gravação.
Falo entusiasmado sobre seus três concertos no Teatro Bandeirantes, na série da 'Banana Progressiva'. Digo que senti a mesma emoção quando ouvi Miles Davis. Pergunto se a transação não é a mesma. Tanto Hermeto quanto Miles funcionam como regentes, instigando músicos, organizando o caos e reinventando tudo. O que (Luiz Carlos) Maciel escreveu sobre Duke Ellington e Miles Davis, vale também para Hermeto. Para os três, 'a música é uma criação tão individual quanto coletiva, tão elaborada quanto improvisada, tão pessoal quanto comunitária'.
Já vi Hermeto com vários grupos, com vários agrupamentos de músicos. E o resultado, mais que o som universal, ou de nível internacional, é totalmente intergalático. Pergunto sobre o seu método de trabalho.
- Tudo bem simples. Na véspera do concerto a gente ensaia. O tema é escrito, todo mundo lendo a partitura. Mas 90 por cento é improvisação e acontece na hora. Já ouvi muita gente falando mal de certos músicos, mas quando eles tocam comigo rendem muito bem. Músico é como jogador de futebol. Num time ele pode render mal, mas vai pra outro e faz uma porção de gols.
A última vez que Hermeto entrou num estúdio para uma gravação com seu conjunto foi no começo do ano, na RCA. Ele fez um compacto com 'O Porco na Festa', prêmio de melhor arranjo no Fetival Abertura (que ele chama de 'Fechadura'). Em seguida, ia gravar um LP.
- Não deu certo. Eles também não queriam gastar dinheiro. E agora só aceito gravar para fazer o que sei, da maneira que eu quiser, sem aceitar qualquer imposição ou restrição. Só aceito limitações quando aceito gravar jingles e tenho feito isso com muita frequência. Pego minha flautinha e vou.. Faço isso sabendo como é e sempre com a maior dignidade. Não me escondo e até gostaria se meu nome aparecesse em alguns. Pois mesmo nesse gênero eu consegui dar minha contribuição pessoal."
(continua)

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