Em 1992, ao se completarem 20 anos de morte de Torquato Neto, o Jornal do Brasil lembrou a data convidando o também poeta Waly Salomão para escrever um texto sobre o grande letrista, poeta e participante do Tropicalismo. Segue abaixo o texto, intitulado "Um anti-herói vanguardista", que será reproduzido aqui em duas partes:
"Astro doido a sonhar. O nosso moço das ânsias. Pobre? Fauve! Fauve! Fraco herói underground. Fraco? Forte herói uinderground. Leão ainda sem juba.
Tornado.
Brutalidade-jardim. Aliás Brutalidade-jardim era a cintilação oswaldiana preferida por T.N.
Vai, anjo gauche, desmantelar o coro dos contentes e fazer uma fusão de C.D.A. e Souzândrade e recusar o mesquinho lugar ao sol dos macaquitos orgulhosos, realistas cínicos e vulgares. Sua coluna Geleia Geral se constituía no mais vibrante vento durante a ditadura militar enquanto as forças cegas, indomadas, soltas, enquanto a retórica tradicional da velha esquerda lamentava fazer escuro. Torquato desatinava e desafinava o coro dos contentes.
O mundo moderno foi forjado por dois histéricos Lutero e Dom Quixote. Aqui é o fim do mundo da contra-reforma, da entrada retardada no capitalismo e a figura emblemática para nós é o cavalheiro das amarguras.
Tor, o poeta que se cria vidente, desferrolhado, indecente. Vai, dizia a poesia e ele foi e ele vai, magro e longo grafismo, natural de Tristeresina nosso Cavaleiro da Triste Figura de Pindorama, coberto pelos escudos e armaduras poéticas dos livros que traçava. Pálida traça de livros. Qual Don Quixote de la Mancha, Tor também lia o mundo para demonstrar os livros e procurava viver uma contínua vertigem passional. Pois é. Pois é: o poeta tinha que desembaraçar qualquer Dulcinea del Toboso das embiras e cipós e lianas da floresta de signos. O poeta sendo sabido através dos livros como aquele que acima das diferenças estabelecidas religa as similitudes malocadas das coisas.
Correspondences, de Baudelaire, radicalizada como analogia entre poesia e loucura. Programa a ser cumprido ao pé da letra, literalmente.
Partir satisfeito dum mundo onde a ação não é irmã do sonho. Destino decretado desde a estação de partida, como se estivesse carimbado desde o começo no bilhete da viagem-vida.
Ele, o santo guerreiro que bem sabia pelejar para abrir campo para Sailormoon, Helio Oiticica, Ivan Cardoso, Jorge Salomão, Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Luciano Figueiredo, Oscar Ramos e que sabia vibrar seu porrete de madeira de lei sobre a frouxa fase terminal do cinema novo... ele morria de medo de ser desaprovado aos olhos da mão medusa, tirana que atendia pela graça do nome bíblico de Salomé e que semelhava em mais de um aspecto à mãe de Charles Enivrez-vous Baudelaire.
O temor fulminante de se constituir no Idiota da Família."
(continua)
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