Palavras Domesticadas

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sábado, 7 de setembro de 2013

Carlos Cachaça, por Aldir Blanc (1997)

Nos anos 90 circulou uma revista chamada "Música Brasileira", em que se falava sobre a mais autêntica MPB de raiz, sempre enfocando grandes nomes de nossa música. O número 7 da revista (setembro/97) trazia na capa o grande sambista mangueirense Carlos Cachaça, na época ainda vivo, do alto dos seus 95 anos. Uma ótima matéria foi escrita sobre Carlos, inclusive com um texto de Aldir Blanc falando sobre o sambista, intitulada "Cachaça não é água, não" uma bela homenagem que reproduzo abaixo:
"A Foz do Morro parece coisa de papagaio fanho, só que é verdade. O homem é um rio, é o Rio. Ele não dá bandeira. Ele é bandeira verde e rosa.
Quem duvidar, que duvide, mas o apelido Cachaça tem a mais óbvia e ululante das explicações: um litro da danada bem mamado todo santo dia, que ninguém é de ferro; precisa, como dizia Nelson Cavaquinho, botar um óleo aí.
Pra não dizer que pegou leve, nosso herói mamou o tal litro diário, pra loucura dos médicos, quase toda a vida. Sem falso moralismo, sem pudores babacas. Carlos Cachaça não deu - e não dá - motivo pra perguntas como 'quem é você que não sabe o que diz?'
Carlos Cachaça aprendeu bebendo todas que cachaça não é água, não. O paradoxal é que a cachaça que o Carlos bebia vinha do alambique e o Cachaça, o Carlos, esse é do ribeirão, do mais puro. Mas Carlos Cachaça também não é água, pra ser procurado só na hora da sede. Carlos Cachaça é fonte de todas as nossas misturas, manancial mulato, nascedouro barrento como a nossa alma, um rio na vida de todos os que amam o samba. Um rio muito especial porque deságua no mar mestiço de nossa cultura popular sem virar cascata... Cascateiros são uns-e-outros por aí perdigotando sobre 'o incrível em meu trabalho... meu próximo projeto...'. Em entrevista à Solange Duart, publicada em 28 de julho deste ano em O Globo, Carlos Cachaça diz que 'nunca foi enredo' e explica:
Carlos Cachaça, com Nelson Cavaquinho e Cartola
- Já tentaram, mas eu nunca quis, me achava despreparado.
Esse é o Carlos Cachaça, que apanhou da polícia, bebeu, amou sua Menina, foi malandro e ferroviário, versado em alvoradas, espinhos dilacerantes, sorrisos que escondem lágrimas...
Aos 95 anos, sorri mais do que se queixa. Parceiro de Cartola e Zé da Zilda, único fundador vivo da Estação Primeira da Mangueira, o homem que nos encantou cantando o desencanto de não querer mais amar a ninguém é um apaixonado pela vida, aos 95 anos de luta, trabalho, samba, bebedeira, confusão, injustiças, mas uma vida coroada pelo carinho da filha, Inês, pelo profundo respeito de seus pares, por um grande e inesquecível amor.
Quem duvidar, que duvide. Mas é preciso ser um bocado burro pra não reconhecer a grandeza de Carlos Moreira de Castro, o Carlos Cachaça, brasileiro, bom de copo, mangueirense, compositor, com muita honra. Dele e nossa."

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