Em 1978 Fagner prestou um depoimento a Ronaldo Bôscoli, que tinha uma coluna musical na revista Amiga. Nessa matéria ele fala em diversos assuntos levantados por Bôscoli, que por sinal, foi uma das pessoas que mais lhe deram uma força em seu início de carreira, quando veio do Ceará tentar a vida artística no Rio. Abaixo, a matéria:
"Raimundo Fagner nasceu em Orós e antes de pintar no Rio venceu dois festivais em Brasília. Ele, engajado ao que chegaram chamar de patota do Norte, foi parceiro de Belchior e Cirino. Temperamento irrequieto e sistematicamente mutante, Fagner chegou ao Rio e depois de algumas andanças caiu nas boas graças de Elis Regina, que dele gravou algumas composições.
Levado para a Phonogram como uma grande esperança - como um rompimento de estruturas - Fagner gravou 'Manera, Fru Fru, Manera', uma crítica bastante velada ao comportamento de Caetano Veloso. Mesmo iniciando sua careira com algum sucesso, Fagner exigiu demais e depois de alguns atritos transferiu-se para a Continental. Questão de estágio. Foi em São Paulo - depois de uma fracassada viagem a Paris, onde sofreu sua primeira grande decepção através do 'grande amigo' Naná - apadrinhado pela 'inteligentzia', que ele deu um grande salto qualitativo.
Cobra que não anda não engole sapo
'A verdade é que parti de informações na minha origem e quando vim constatá-las eram quase todas falsas. Não nego que tenha um temperamento difícil porque em termos de música não gosto de papo furado. Posso ter defeitos, mas sempre procurei me agrupar a gente que realmente fosse de alto nível musical. Ganhei dinheiro durante muitas apresentações que me deixaram frustrado e perdi muito dinheiro numa boa: 'saiu tudo como eu pretendia. Taí um som legal'. Na minha concepção, dinheiro é um veículo que nos leva daqui pra lá. Positivamente eu não posso levar minha condução para dormir comigo num motel ou falar de música... Preciso de dinheiro na medida em que preciso melhorar meus equipamentos de som, pagar melhor a meus músicos, entende? Não nasci pra ser 'estrelo'. Portanto, estou quase numa boa: Tenho uma faixa de público fiel, garantido. Shows em São Paulo, no MAM, estão sempre cheios quando é anunciado meu nome.'
Então como se explica Roberto Carlos?
'Como se explica a Nara, com quem aliás gravei uma faixa num dos meus discos [na verdade foram duas]. As pessoas não precisam ser iguais a mim para que com elas eu me identifique. Você é um caso específico. Somos amigos, você me deu muita força no começo e sei que tudo que você fez não tem nada a ver com o meu trabalho. Assim foi com o Roberto Carlos.
Conheci-o e ele pediu que eu passasse em sua mansão lá no Morumbi. Gostou de 'Mucuripe'. Ouviu e gravou. E gravará outras que tenho para ele. Roberto é gente de pouco papo e muito ouvido.'
Seu trabalho no momento?
Pra falar a verdade, aqui no Rio eu capto muito mas crio muito pouco. Portanto, antes de partir para Orós - merecido repouso onde componho com mais facilidade - pretendo cumprir um pequeno calendário - mais dois ou três shows - e então irei aos Estados Unidos. Sacar, sacumé? Sacar. Se der pé, deu. Se não der, valeu. No momento procuro juntar ao máximo minhas vivências gerais, falo em termos de música. As letras são palavras que reforçam uma ideia. Sivuca e Hermeto Pascoal são figuras que estão nos meus planos porque temos bastantes afinidades.
O pessoal da ativa já era?
'Tem alguns poucos que não, e muitos deles, na realidade, nunca foram. Não cito nomes porque polêmica é uma babaquice e desgasta. Tira a gente de coisas mais sérias. Mas pode escrever aí que meu fôlego é muito maior. E neste 78 tudo está parecendo melhor, mais aberto. Há uma grande crise de criatividade. Muitos desistiram, outros se acomodaram naquelas fórmulas. Muita coisa está por ser descoberta.'
Você é tido como muito dono da verdade.
'Não sou nem dono, nem escravo dela. O que é verdade hoje não será obrigatoriamente verdade amanhã. Eu procuro a minha e concessões faço muito poucas. Certa vez eu estava numa pior, de fazer gosto, consegui ser chamado para pintar no 'Fantástico'. Começou a discussão no cachê. Acabei cedendo. Mas quando os homens resolveram vestir-me de maneira como lhes parecia melhor, deixei tudo e me mandei. Não é que tempos depois eu pintei no 'Fantástico' numa boa?
As raízes.
Cada vez mais pesquisadas. Por isso estudo muito, ando muito, estou sempre bebendo informações. O que me pareça válido incorporo e procuro recriar, o resto - a maior parte - é bagaço. Não posso negar minha origem mas posso muito bem transformá-la. E acho até que devo. A paisagem musical é como um trem. Se modifica a cada instante. Naturalmente.'
Planos para 78.
'Meus planos não têm datas. O negócio é ouvir muito, ler muito e ir criando sem olhar pra folhinha. Nenhum dos discos que gravei até agora é para mim o definitivo, mesmo à guisa de referência. Foi um trabalho de uma época e pronto. Parto para outro com novas vivências. O que desejo momento é recompor desavenças que hoje sei tolas. Menescal é um cara com quem preciso conversar. Brigamos, discutimos, mas eu gosto muito do Menescal...'
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