Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Vinícius Fala de Baden


Uma das parcerias mais perfeitas da música brasileira foi sem dúvida Vinícius de Moraes e Baden Powell. As melodias inspiradas, conduzidas pelas harmonias que surgiam de um dos melhores vilonistas do mundo, se casavam perfeitamente com os versos inspirados do grande poeta, em noites regadas a muito uísque e histórias intermináveis, numa época de desenfreada boemia. Dessa parceria nasceram sambas antológicos, e um disco histórico, os Afro-Sambas. Abaixo, um depoimento de Vinícius sobre o parceiro:
"De Baden, quando o conheci em começos de 1962, tudo o que sabia é que era autor, com Billy Blanco, de um belo samba que andava correndo à boca pequena entre o pessoal de música: Samba Triste. Lembro-me dessa noite como se fosse hoje: eu tinha ido assistir ao show de meu parceiro Antônio Carlos Jobim na boate Arpege - historicamente seu primeiro - e, quando o conjunto retomou as danças, vi, alguém se aproximar dos músicos e dentro em pouco a sala se enchia de sons de improviso de jazz em guitarra elétrica. Era Baden, e ele estava com a cachorra, fazendo misérias no instrumento. Fiquei ouvindo, maravilhado, lembrando-me dos grandes guitarristas de jazz que conheci nos Estados Unidos e achando que Baden era páreo para qualquer um deles. Depois, fomos apresentados.
- Eu estava tocando pra você - disse-me ele - Tenho aí umas coisinhas em que gostaria que você pusesse letra, caso você tope.

Nessa mesma noite, nos fundos da boate já vazia, mostrou-me dois ou três temas em que eu vidrei de saída. Dei-lhe meu telefone e endereço. E a partir daí o menino de Varre-e-Sai não saiu mais do apartamento onde eu morava, no Parque Guinle. Duvido que haja na MPB uma parceria que tenha feito tanto em tão pouco tempo. Meu repertório com Baden alcança por aí umas cinquenta músicas. Pois bem: seguramente a metade foi feita nessa época, num período não superior a três meses. Compúnhamos com muito uísque na cuca - mesmo porque quem é que ia pensar em comer? 'Bom Dia, Amigo', 'Samba em Prelúdio', 'Só Por Amor', 'Consolação' e os primeiros afro-sambas datam desse período de criação a bem dizer, incoercível: 'Canto do Caboclo Pedra Preta', 'Canto de Iemanjá' e 'Berimbau'. E duas belas valsas que muito amo: 'Além do Amor' e 'Valsa sem Nome'. Esta, para mim, inexcedível em nossa parceria.

Mas, mesmo no período dos afro-sambas, não deixamos de compor outros sambas e canções, ao azar de nossa vida e nossa viagens a São Paulo, onde nos apresentávamos com frequência em programas de tevê de Elis Regina. São Paulo, diga-se de passagem, nos dá um sorte bárbara. Nos Apartamentos Excelsior, onde nos hospedávamos sempre, nasceram 'Canto de Ossanha', 'Deixa', 'História Antiga', 'Apelo', entre os principais.
Nossa vida em Paris durante 1963/64 foi também farta de canções. Além das feitas para a Ópera do Nordeste, uma tragédia minha que um dia pretendo encenar, com música de Baden, o Natal de 1963 nos deu, na mesma noite, 'Formosa', feita especialmente para distrair os convidados à ceia que eu dava, e 'Velho Amigo', cantiga em lembrança do pai de Baden, que morrera no Natal anterior, e que evitamos cantar pelas recordações doídas que nos traz. A choradeira foi geral. E, pouco antes de meu regresso, em 1964, Baden deixou-me um tema lindo, sobre o qual escrevi 'Tempo Feliz', samba que dá um belo recado."

Nenhum comentário:

Postar um comentário