Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 9 de abril de 2012

Sérgio Sampaio - Refletindo Sobre o Sucesso (1976)




Sérgio Sampaio foi um dos compositores mais talentosos daquela geração brilhante que surgiu nos anos 70. Capixaba, de Cachoeiro do Itamemirim, ele se destacou em 1972, ao participar do VII FIC (Festival Internacional da Canção), promovido pela Rede Globo. Sua composição Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua foi um dos maiores sucessos daquele ano, o que o levou a logo assinar um contrato com a gravadora Philips/Phonogram, e gravar a toque de caixa, seu primeiro disco, que trazia seu grande sucesso como título, para impulsionar as vendagens. O disco, apesar de ser um ótimo trabalho, não agradou muito a Sérgio, devido à pressa com que foi gravado, e também pela pressão que sofria da gravadora, para emplacar outro sucesso no mesmo nível do Bloco na Rua. Porém, Sérgio sempre nadou contra a corrente, nunca se deixando abalar pelas pressões do mercado, fazendo um trabalho bonito, de alto valor musical e poético, mas sem atender às exigências comerciais. Por isso levou quatro anos para gravar seu segundo disco, Tem Que Acontecer, em 1976, pela gravadora Continental. Seu terceiro e último álbum, Simplesmente, levaria mais seis anos para ser lançado, de forma independente, em 1982. Por um desses absurdos do mercado musical brasileiro, um cantor e compositor do nível de Sérgio Sampaio, com uma obra tão rica e brilhante só lançou três discos, até morrer em 1994, aos 47 anos.
Quando estava ainda gravando seu segundo disco, em 76, saiu no jornal O Globo, uma matéria com Sérgio, assinada por Ana Maria Bahiana, em que ele relata seu grande sucesso e as pressões que recebeu por conta dele:
"(...)No apartamento de Sérgio, no Leblon - pequeno, colorido e tranquilo como o seu anguloso dono - a conversa começa muito apropriadamente, por Luiz Melodia. Pelo tardio e estrondoso sucesso de Melodia com 'Juventude Transviada', na trilha da novela 'Pecado Capital'.

- É um perigo muito grande para Melô. Ele tem uma estrutura muito frágil... eu acho que ele não tem estrutura nenhuma... é um perigo. Eu fiz uma música pra ele, vou pôr nesse disco: Luiz Melodia/melhores dias virão/negão/sua imelodia/melhores dias virão.'
E daí, é claro, para uma meditação sobre o sucesso:
- Na hora do tal do sucesso é que a barra pesa. Enquanto um grupo, por exemplo, está lutando pra chegar lá, passando fome e o diabo, estão todos juntos, naquela mesma, lutando. Aí vem o sucesso, o dinheiro. Aí pinta aquele mal-estar... fulando está aparecendo mais que sicrano... você desconfia de todo mundo... será que fulano está ganhando mais dinheiro que eu?, e tal. Isso é que é duro de sustentar. Veja os Secos & Molhados. Na hora que estavam lá em cima estragaram tudo. Exatamente por isso, porque a barra é pesada demais.
- Vou lhe dizer o que aconteceu comigo. Ou melhor, o que aconteceu conosco, porque é uma coisa parecida com todos nós, com um determinado grupo que foi chamado de 'novos' (mas de novo ninguém tem mais nada, imagine novo com 4, 5 anos de carreira feito nós).
Aconteceu comigo, com o Fagner, até com o Raul numa certa medida, mas o Raul já tinha toda uma base maior por causa dos anos todos como produtor, na CBS.
Isso aconteceu com o Melodia, desde que Gal gravou 'Pérola Negra', aconteceu com o pessoal que apareceu naquele festival de 72. Aí foi aquela loucura. Quando eu olhei, naquela época do 'Bloco', já tinha gente dizendo como eu devia me vestir, como andar, o que comer, gente me dando banho, me dando roupa. Vinham me pegar aqui em casa, me achavam na casa dos amigos, e era um tal de hotel, avião, hotel, avião. E fãs, e gente querendo te pegar, e você não consegue entrar no quarto dos hotéis, e muita loucura, mil propostas mirabolantes. Eu tinha a sensação que era o centro de tudo, tudo que eu quisesse virava realidade. Dois meses depois do compacto do 'Bloco', eu já fiz um Lp, mesmo sem música nova para pôr no disco, tudo de qualquer jeito, naquela pressa doida. Pra depois me cobrarem: não tem um novo 'Bloco', está bom mas não tem um novo 'Bloco'.. E eu respondia: Mas 'Bloco' é um só, nunca vai ter outro.

- E aí a barra começa a pesar. Você vai ficando desconfiado... paranoico. Começa a pensar: o que essa pessoa quer comigo? O que ela vai ganhar comigo? Será que estão roubando o meu dinheiro? Você foi pego desprevinido, verde, sem estrutura nenhuma, você está soznho, não tem em quem confiar, tem de decidir tudo sozinho.
- Eu fiquei insuportável, intratável. Fiquei com fama de pessoa difícil, temperamental. Minha música ficou uma coisa violenta, eu xingava todo mundo nas letras. Eu não sabia, na época, mas eu estava era parando a engrenagem toda na marra, no grito.
- Aí larguei tudo, fechei o apartamento, rescindi o contrato com a Philips, fui para o Espírito Santo. Queria pôr minha vida em ordem, pôr a cabeça no lugar. Casei, voltei pra cá decidido a fazer as coisas direito. Primeiro organizar minha minha casa, minha vida de casado. Comecei a sair muito, a pasear, a descobrir de novo como era estar com as pessoas. Aí eu vi que já estava pronto pra pensar em música de novo. Porque eu queria que minha carreira fosse como a de Dorival Caymmi, uma coisa, estável, permanente, ampla, uma coisa que permanece, que progride lentamente e se estabiliza a cada etapa."

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