Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Falando de João Gilberto


João Gilberto provocou uma revolução musical no Brasil, e depois ganhou o mundo. Há pouco, li uma antiga parada de sucessos americana, de 1958, e lá estava Chega de Saudade com João Gilberto entre os grandes hits do daquele ano. Uma matéria assinada por Nelson Motta, em fins de 79 ou início de 80 (pois fala de uma vinda próxima de Frank Sinatra ao Brasil, que aconteceu no início de 80) se refere a João como "ídolo dos ídolos dos brasileiros". Lendo assim, fora do contexto, pode parecer um endeusamento exagerado de fã, que o jornalista confessadamente é, mas é apenas a constatação de um fato: vários cantores e compositores citados na matéria tiveram em João um primeiro ídolo musical e influenciador, daí dizer que João Gilberto foi o grande ídolo daqueles que viriam a ser ídolos de brasileriros de vários segmentos e gostos musicais, como os citados no texto Chico Buarque, Roberto Carlos, Caetano, Gal, etc, é apenas uma verdade.
O texto tem por título "João, o revolucionário permanente, herói dos heróis de nossa gente":
"João Gilberto é, no Brasil, o ídolo dos ídolos dos brasileiros. Ou seja: idolatram-no e fazem profissão de fé dessa devoção, quando cantam, gente tão diferente - e por tanta gente diversa idolatrada - como Chico Buarque, Roberto Carlos, Gal Costa, Caetano Veloso, Novos Baianos, Vinícius de Moraes e... Antonio Carlos Jobim. Esclarecendo mais: todos os acima referidos (e mais Bob Dylan, em depoimento na contracapa de um de seus próprios discos), no mínimo, dizem que gostariam de cantar como João Gilberto. E mais: quase todos os do listão acima começaram a cantar por pura imitação e admiração do talento original de João Gilberto. Depois dele o melhor Brasil-cantor passou a cantar diferente, como diferentes são Chico Buarque e Roberto Carlos, e no canto dos dois habita, com a mesma admiração adolescente e consciência madura, o som de João. As personalidades originais e raras de Chico, Roberto e Caetano levaram seus cantos a formas próprias: mas antes de tudo e sempre com tudo a presença de João Gilberto. E isso é dito de própria voz por eles, principalmente quando cantam. Um tributo que oferecem àquele som que os iluminou.

A grande revolução na maneira de cantar que Roberto deflagrou com a Jovem Guarda, em essência, era partir do intimismo perfeito e inimitável do melhor cantor para o maior número - nasceu toda uma nova estética musical, rigorosa, poderosa, revolucionária. Cantar bem.
João, como João Cabral, canta o exato e o preciso. É preciso cantar bem. O gozado é que João Cabral e João Gilberto, que provocaram mudanças parelhas nas formas de expressão artística brasileira, têm entre eles uma barreira insuperável: o poeta João Cabral é uma das raras pessoas do mundo que diz - talvez só por atrevimento poético - que não gosta de música, nenhuma música, a coisa musical. Mas não pode deixar de palrar a suspeita de que, nos intervalos de suas enxaquecas e sua escrita poética, ouça João baixinho na vitrola.

'... eu, você, João girando na vitrola sem parar e eu fico comovido de lembrar um tempo e um som. Eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor, um violão guardado, aquela flor...'
Isso é de Caetano no meio da explosão tropicalista, de 68, e se chama 'Saudosismo', sendo certamente um dos mais emocionantes tributos de um jovem criador a seu mestre e às suas próprias ideias em seu tempo. A consciência de que já havia um passado na vida daqueles jovens de 20 e poucos anos, que havia um Grande Mestre e uma vontade de abrir todas portas e janelas para dentro de si e para o mundo afora: 'João, que nos ensinou pra sempre a ser desafinados', dizia Caeano. E Torquato Neto, depois: 'Desafinar o coro dos contentes'.
Antonio Carlos Jobim, que é o gênio maior e absoluto da criação musical brasileira, sabe e diz o que significa ouvir uma música sua cantada por João, que ninguém mais poderia mais que ele, tanto quanto talvez. Mais antoniano-jobiniano que o canto de João é difícil, talvez até para o próprio Tom.
Aí vem o Sinatra, o good ol' blue eyes,e diz que seu ídolo e herói - e deu repetidas provas, cantadas e faladas - simplesmente... Antonio Carlos Jobim. E o Sinatra vem aí. Mas acontece que talvez o mais imporante a saudar seja que o João não só está aqui como pode ficar por aqui, de onde sua arte revolucionária, permanentemente revolucionária, nunca saiu.
Ou então Chico drummondiando em Frank que amava Antonio que amava João que amava Caetano que ama Roberto que ama João... que ama alguém cantando longe... alguém cantando bem."

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