Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Gil Solta o Verbo


No verão de 1979 Gilberto Gil deu uma entrevista de duas páginas para o jornal Correio da Bahia, onde discorreu sobre vários assuntos. Foi uma entrevista das mais interessantes, concedida ao jornalista Luis Claudio Garrido, em que de forma franca, expressou sua opinião e teceu considerações sobre política, música, censura, etc. Eis alguns trechos de suas declarações:
Sobre uma censura não-oficial à sua parceria com Chico Buarque, Cálice, que havia sido liberada e recentemente gravada por Chico Buarque, e que estaria sendo alvo por parte de alguns bispos da Igreja Católica de censura junto aos fiéis. Segundo os religiosos, Cálice seria desrespeitosa a Cristo e portadora de sentimentos anticristãos:
"Cada um é o que é. Se o bispo está tomando para si as dores do Cristo, achando que pode exercer a capacidade discriminatória do Cristo sabendo o que é ruim ou bom, é um problema, digamos, de foro íntimo, problema pessoal. Agora, é uma música que reflete a minha maneira de ver um determinado momento. Eu até nem gosto dela especialmente. Acho ela comprometida com o espaço do desespero, da exiguidade. É uma música não significativa dentro do meu trabalho. Eu não gosto de ficar falando daquela carência daquele tempo, quando eu pretendi refletir um problema em relação ao qual muitos estão completamente enganados, inclusive os bispos que a chamaram de 'anticristã': ela reflete uma carência da comunidade, muito mais do que minha, pessoal. Inclusive ela é anterior a mim, no meu processo pessoal, individual. E acho que é anterior a Chico também. Ele é uma pessoa que está mais a frente que essa coisa toda. Tudo isso levando-se em conta que ela foi feita cinco, seis anos atrás, eu sou contra ela. Acho uma coisa meio revanchista. Quer dizer, gosto dela, mas a considero uma coisa antiga, desgastada, excessivamente queixosa.

Quanto a sentimentos anticristãos, acho que há um equívoco total, já que não vejo nenhum absurdo em alguém, mesmo o Cristo, um dia perder a cabeça. Como quando pegou o chicote e meteu bronca no pessoal. Cristo era um homem. Ele veio para redimir o homem. Com força e fraqueza, com paz e violência. Esse arcebispo do Pará não está sendo inteligente agora, embora até possa ser uma pessoa inteligente. Mas da mesma meneira que ele condena a minha música eu condeno as declarações dele."
Sobre um assunto que gerou polêmica, uma suposta "panelinha" entre os artistas baianos (Gil, Gal, Caetano, etc), que Fagner levantou em uma entrevista, que segundo ele, o grupo baiano não dava espaço para os artistas que não faziam parte de seu grupo seleto, Gil declarou:
"Gozado... vem o Fagner e se queixa de que o Caetano não fala dele nas entrevistas.... Se ainda ele fosse um gênio (coisa que não é), sendo ele um artista legal e tal a gente faz força, muita força, mas... eu, por exemplo, iniciei minha entrevista para a 'Veja' dizendo 'eu quero é mel', que é uma frase de Luiz Melodia. Quer dizer, eu estou dando uma força para ele, me indentificando com a forma dele pensar, com a poesia dele, eu me identifico com tudo.
Chico Buarque, por exemplo, um não-baiano, vi o 'Especial' dele na televisão e não havia coisa melhor, porque ele é um grande criador, é um gênio, canso de falar. Agora, Chico é um cara da pesada, é legal, é sensível, é genial. E aí você não pode dizer menos do que ele é.
Não é qualquer um boboca que vai chegar aí com duas ou três músicas e acha que a gente tem que sair dizendo que ele é genial, seja ele baiano ou não. Aliás, Jorge Amado, Glauber Rocha e outros estão sofrendo o mesmo tipo de pressão. No fundo a gente acaba tendo que admitir que existe um componente racista nessa história. Um coisa antibaiana. Pode parecer até absurdo, mas tem, é uma coisa inconsciente."

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