Alceu Valença é um pioneiro. Foi o primeiro artista a fazer a fusão do ritmo nordestino com o rock. É certo que Raul Seixas, antes dele já havia misturado Elvis com Luiz Gonzaga (Let Me Sing, Let Me Sing - 1972) e também gravado com o grupo que acompanhava Jackson do Pandeiro (As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor - 1974), mas aquela não era a base de seu som, apenas experimentos. Alceu radicalizou essa fusão. Sua postura de palco era típica de rock, e o seu som trazia as raízes musicais nordestinas em fusão com o som eletrificado do rock. Na ocasião muitos críticos tinham dificuldade em definir seu estilo. Não sabiam se era MPB ou rock.
Em 1976 Alceu lançaria o disco Vivo! gravado ao vivo, e trazendo toda a energia e a eletricidade de sua presença no palco. Na ocasião ele fez um show de lançamento desse disco na Feira de São Cristóvão, tradicional ponto de encontro de nordestinos que vivem no Rio, onde se vende produtos típicos daquela região. O jornal Hit Pop fez uma matéria sobre o show:
" 'Minha música é o quê? As pessoas dizem que é rock, mas não é rock, não. Minha música é um tapa que bate no sujeito, e ele sai do tempo...'
Foi exatamente o que aconteceu. Todo o pessoal nordestino, gente que transa de forró e sanfona, saiu do tempo ao ouvir Alceu Valença dando um recado na medida. E não é fácil contentar um público de sanfoneiros, cantadores, repentistas e similares, para os quais música boa é exclusivamente aquela que tem raízes.
Tudo isso pintou na feira de São Cristóvão, subúrbio carioca, na noite em que Alceu lançou seu disco Alceu Valença Vivo
. É a reprodução de seu vitorioso espetáculo Vou Danado pra Catende
, onde ele canta versos bonitos, como por exemplo: 'mas eu só acredito em lama, se for escorregadeira, como casca de banana, tobogã de fim de feira.'
No começo, o pessoal olhava desconfiado. Afinal, era um cara de barba e cabelo comprido, a fim de se chegar num papo musical. Devagarinho, a feira de São Cristóvão foi se surpreendendo. Uns diziam:
'Esse moço tem cabelo grande, né? Mas fala umas coisas bonitas... Coincidiu!'
Um velho, que apresenta um número de dança com sua cobra de nome Fedência, botou a bichinha de lado e exclamou: 'Eu não sou de ficar parado, num sabe? Aí fiquei parado, só ouvindo o moço aí.'
Uma doceira, muito animada, de lenço escarlate na cabeça, pedia: 'Ah, eu só queria que tivesse todo domingo...'
Com o sucesso do lançamento, Alceu se ouriçou todo. Ele até que não estava botando muita fé, pois todas as suas apresentações foram feitas em cima do pessoal de zona sul, sofisticadão:
'Quando comecei o som, fiquei com medo. Receoso do contraste. Tudo me soava meio falso. Mas, quando as pessoas foram parando, senti que ia dar certo. Tanto que as pessoas davam suas músicas pra que eu cantasse. Tudo diferente da zona sul. O lance da zona sul é as pessoas dizendo: você é lindo! Pô, e eu não sou lindo de jeito nenhum. Eu me identifico muito com o subúrbio, e comecei a achar que lá vou virar símbolo sexual.'
Disso tudo, Alceu confirmou sua ideia: música boa é aquela que traz em si mesma muita energia."
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