Em 1975 Pepeu Gomes era o guitarrista dos Novos Baianos, aliás, na épóca seu nome artístico era só Pepeu, o sobrenome Gomes só seria incorporado anos depois, em sua careira solo. Pepeu sempre foi considerado um dos melhores guitarristas do Brasil, e sem dúvida, sua guitarra ajudou a moldar o som dos Novos Baianos, uma das bandas mais criativas surgidas no Brasil. Em sua edição de setembro daquele ano, a revista POP trazia uma matéria com Pepeu, intitulada "Pepeu, O Feiticeiro dos Novos Baianos":
"Olhar Pepeu num palco, antes que ele comece a tocar, é como estar diante de um fusquinha com motor de avião. Não dá mesmo para adivinhar o que vai sair daquela guitarrinha mirrada, rústica, sem nenhuma sofisticação. A própria figura de Pepeu, meio selvagem, é insufuciente pra dar qualquer pista do que vai acontecer quando ele entrar dentro da velha guitarra, transformando seus dedos em cordas e voando entre rocks, frevos, blues, sambas e marchas de carnaval, alucinando todo mundo com sua fantástica massa de som, firme e louca. Que ele é um dos melhores guitarristas do Brasil, nem há dúvida. E é também um dos que têm mais personalidade, que melhor se entende com o instrumento, a ponto de criar um estilo puro e único.
As transas de Pepeu com o som começaram muito cedo. Os pais eram músicos, e seus dez irmãos são músicos hoje também: 'Com 12 anos, eu já conhecia uma pá de instrumentos de cordas: bandolim, violão, guitarra. Curtia Jacob do Bandolim, aprendi a usar a palheta com Luperce Miranda (obs: na matéria está escrito Lupércio), depois olhava Jimi Hendrix. Fui para São Paulo com 15 anos, toquei na Jovem Guarda. E em gafieiras, em troca de comida.' Depois voltou pra Bahia e viveu no meio do folclore, entre violeiros e cantadores das feiras. 'Música, pra mim é vida. É isso que eu faço o tempo todo, tocando e procurando me descobrir. É só isso que eu quero: tocar o dia todo, o dia todo mesmo.' Esse amor, Pepeu sabe que não pode ser ensinado. Mas, um de seus segredos, ele acha importante contar à moçada: 'O pessoal precisa saber ouvir e depois saber se desligar do que ouviu. Não se pode continuar copiando, tentando repetir os sons lá de fora. O samba me fez sacar muitos acordes, e as maiores músicas que eu fiz foram no bandolim. Os caras tentam fazer um som que não é nosso, e o que acontece? Vira mentira dentro da cabeça da gente e vira mentira no som.'
Outra coisa importante: ficar limitado à guitarra é um erro. 'Do jeito que vai, a guitarra vai saturar a cabeça de todo mundo. Ela está agonizando, e é preciso redescobri-la de outras formas, mais vivas, mais simples. O bandolim pode muito bem vir a ser essa nova guitarra, por que não? Ele existe há tanto tempo mas quase ninguém conhece nem mesmo metade de seus recursos...'
Até hoje, Pepeu não se deu bem com nenhuma guitarra americana. Continua usando seu velho instrumento, fazendo tudo o que faz com os poucos recursos que ela permite. E tem um projeto estranho: construir uma guitarra de três braços, capaz, talvez de traduzir os sons que ele tem na cabeça, durante os sonhos. E tudo sem pressa. Humilde, Pepeu acha que tem muita gente melhor por aí, e que vai demorar ainda uns dez anos pra mostrar as coisas do jeito que gostaria. 'Sabe o que eu curto muito? Duas coisas: ouvir minhas próprias músicas, descobrir coisas novas nelas cada vez que as ouço de novo, de acordo com as emoções do momento, porque uma música nunca sai igual duas vezes. Outra coisa é tocar no Trio Elétrico da Bahia , ao lado do Dodô e do Osmar, seus fundadores.'
Tocar nesse trio elétrico, Pepeu explica, 'é uma barra, uma responsabilidade imensa, um privilégio. Sabe, é a fina flor da velha guarda baiana, um pessoal monstro com seus instrumentos'. Mestre reconhecido do cavaquinho, Pepeu sobe no caminhão e se desliga de tudo: 'A gente manobra aquela loucura de carnaval, se bate consigo mesmo. É como num palco: a gente pode botar um algodão nos ouvidos e tocar olhando a expressão das pessoas, e, como se a gente fosse surdo, sentir a música dentro da cabeça, sentir as pessoas dançando, curtir...' "
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