Em sua edição nº 13, de agosto de 2012, o excelente jornal cultural Cândido, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná, traz uma entrevista com o escritor de Londrina, Domingos Pellegrini. O escritor, dentre muitas coisas, fala de sua relação com o poeta Paulo Leminski, um dos mais brilhantes representantes da poesia brasileira de sua geração. Sobre Leminski ele falou:
"Inicialmente, a minha relação com Paulo Leminski foi conflituosa. Ele defendia a gratuidade da arte, e eu defendia uma arte comprometida. Estivemos em lados opostos, inclusive em polêmicas veiculadas em Curitiba. O Hamilton Faria, o Reinoldo Atem, o Raimundo Caruso e eu defendíamos uma posição, e o Leminski, o oposto. Depois, fui me aproximando dele. O que nos uniu, por incrível que pareça, foi a arte militar. Durante muito tempo, fui fascinado por histórias de guerra, tática de guerrilha e estratégias. Eu não podia imaginar que o Leminski conhecia o Von Clausewitz, um teórico alemão de guerras. Começamos a dialogar assim. Passei a frequentar a casa dele, e ele também esteve em várias vezes na minha, quando eu morava em São Paulo.
Leminski era a pessoa mais inteligente com quem eu me encontrava para conversar. Tínhamos uma euforia para trocar conhecimetos, devido a nossas posturas e visões de mundo. Fui o primeiro do meu grupo a romper com o marxismo-leninismo, e a perceber que a ditadura do proletariado seria apenas mais uma ditadura. Iríamos simplesmente, trocar uma ditadura de direita por uma de esquerda. Quando falei isso para os meus colegas comunistas da época, todos me olharam como se eu tivesse uma espécie de lepra ideológica. Mas o Leminski entendia. Uma vez, eu estava na casa dele, e chegou um cidadão que o convidou para ir a um encontro de um novo partido de esquerda. No ano anterior, o Leminski havia participado de uma convenção partidária cantando umas músicas, o que agradou os convidados. Mas o Leminski se recusou a participar do novo encontro, e disse: 'desse brinquedo eu já brinquei'. Ele tratava a ideologia como brinquedo, como uma brincadeira.
O Leminski e eu tínhamos essa capacidade de enxergar além e fora das ideologias, e isso nos unia, embora discordássemos a respeito de muitas questões. Mas, como a gente concordava que a variedade é a maior riqueza humana, discordávamos com prazer. Era gostoso ouvir ele defender seus pontos de vista. E ele gostava de escutar o que eu tinha a dizer. Um grande encontro que tivemos foi quando eu descobri Jesus, mas não o Cristo cultuado pelas igrejas, cuja vida é tão deformada na Bíblia, e sim o Jesus Cristo que transparece nas parábolas. Um dia cheguei na casa do Leminski, no bairro do Pilarzinho, em Curitiba, e ele perguntou o que eu estava lendo. Contei que estava 'lendo' Jesus. Ele se espantou, perguntando: 'você também?'. É que Leminski, naquele momento, estava escrevendo aquela biografia de Jesus Cristo, posteriormente compilado no livro Vida, com outras biografias que ele produziu. Tínhamos, enfim, esses encontros fulminantes, reveladores, e os desgastes contínuos, que eram absorvidos como gozação. Ele viajava com alguma frequência para a finalidade de encontrar os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. Eu perguntava: 'vai pastar nos campos?'. Assim era a nossa relação."
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