O Brasil perdeu ontem uma de suas figuras mais representativas, um verdadeiro patrimônio nacional e exemplo de vida: o arquiteto Oscar Niemeyer. Há 35 anos, em 1977, Oscar completava 70 anos, idade em que no Brasil o cidadão tem direito à aposentadoria compulsória, mas Oscar estava bem longe disso, e ninguém poderia imaginar que mais de trinta anos depois ele continuaria produzindo e envolvido com projetos. Aliás, é até difícil imaginar que ele estivesse entre nós tantos anos depois. Certamente o que o mantinha vivo e entusiasmado era o seu trabalho, que ele amava.
Em sua edição da semana de 16 a 22/12/77 o jornal O Pasquim faria uma longa entrevista de 11 páginas com nosso arquiteto-mor, para celebrar seus 70 anos. Era a segunda entrevista de Niemeyer para o jornal. A primeira havia sido em 1970. Ainda vivíamos o período de ditadura militar, e o comunista Niemeyer expôs em vários trechos da entrevista sua visão política. Selecionei abaixo alguns trechos dessa ótima entrevista como uma homenagem a esse grande brasileiro:
"- É a segunda vez que reentrevistamos alguém no Pasquim. O primeiro foi o Dr. Alceu e agora o segundo é você. E se há sete anos você nos disse que estava chateado com Brasíla. Agora então...
- Não, Brasília pra mim foi um momento formidável. Ver a coisa surgir do nada, a cidade começando, os prédios se acomodando, as pessoas...Como arquiteto vivi uma experiência muito boa. Agora, realmente, depois de 64 esse entusiasmo todo passou, veio aquele período que vocês conhecem. Pra mim, piorou mesmo no governo do Médici, principalmente porque o Coronel Prates era governador de Brasília, um energúmeno completo. Quando escrevi meu livro botei que ele era um energúmeno mas meu tradutor italiano me disse: 'Olha Niemeyer, em italiano energúmeno é uma palavra muito dura'. Respondi: 'Puxa, eu queria botar uma muito pior. Esse homem criou um clima tal que tive que viajar. Mas se queriam me paralisar obtiveram o contrário: me abri para um período melhor. Fui bem acolhido e encontrei uma receptividade generosa em todas as partes da Europa."
"- Como foi seu primeiro contato com o comunismo?
- Sentindo que a vida é injusta, que há opressão e discriminação do mais pobre. Isso sempre me trouxe revolta. Depois, já rapaz e informado das coisas, contribuia pro Socorro Vermelho, assinava manifestos... Um dia telefonaram dizendo que os comunistas haviam saído da prisão.
- Quando foi?
- Em 45. Aí foram lá pro escritório e se instalaram. Eu dise pro Prestes: 'Fique com o meu escritório que seu trabalho é mais importante.' Por isso é que digo: o arquiteto que reclama, fala numa arquitetutra mais ligada ao povo, fica com essa conversa, deve estar preparado pra fazer o que eu fiz quando houver um caso assim.
- Ficaram dormindo no seu escritório?
- Até fecharem o partido e a polícia me tomar a casa. Depois me devolveram. Esta casa está fechada até hoje."
"- Você faz sua arquitetura voltada para o seu tempo?
- Procuro fazer uma coisa que exprima o material e o progresso técnico (dentro de um certo limite, é claro). Se for fazer um conjunto de casas populares uso pré-fabricados, embutidos, modulados. Se me dão um prédio importante pra fazer vou fazê-lo o mais bonito possível. Se a coisa não é bonita, diferente, se é voltada pra trás lembrando outras coisas não tenho interese maior em fazê-lo."
"- O que você está lendo agora?
- Estou lendo um livro bom com entrevistas de Marcel Duchamp. Gosto muito de correspondências, me lembrei agora daquele livro do Henry Miller, correspondendo com Lawrence Durell. Mas achei o Miller muito mais inteligente. Gostei muito também da correspondência de Gorki com Lenin e de Gorki com Tchekov."
"- Você faria Brasília hoje?
- Ah, se pudesse me meter no meio do mato pro mesmo tipo de trabalho faria sim. Só de ficar lnge de tudo... Fiquei num canto trabalhando, afastado da competição..."
"- O que é que você diria pros arquitetos que estão se formando hoje, qual é a palavra de ordem pra meninada que vem aí?
- A situação do arquiteto jovem é difícil: termina o curso e vai trabalhar pra uma imobliária, ou então monta um escritório que não tem condições de manter. A ideia antiga de um atelier onde o sujeito começava a se organizar aos poucos dentro do seu trabalho acabou. Só se consegue isso brigando. Os arquitetos mais jovens, os diretamente implicados no problema, é que devem reagir e protestar. Mais importante ainda é o arquiteto tomar contato e não ficar preso aqui dentro. Deve se interessar por outros assuntos, tomar contato com o mundo em que vive, pra poder se comportar e não se omitir. E pra quando for necessário ele largue a prancheta pra ajudar os que necessitam de ajuda."
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
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