Em 1976 o tablóide HitPop, que vinha encartado na revista Pop, trazia um texto de Gilberto Gil, fazendo reflexões sobre a música e seu ofício de cantar e compor. Segue abaixo o texto de Gil:
"Nem sei porque a bobagem de mais uma vez me aventurar a escrever sobre música, eu que tenho, na verdade, nada a dizer sobre o assunto. Tanto mais quanto me é difícil pensar no mesmo como algo a ser discutido por quem não tem o hábito de fazê-lo através da pena como eu. Não quero fazer parecer que a discussão sobre música não me interessa e que ela não seja - como é - a substância mágica de nossas intermináveis horas de conversas entre amigos. Na verdade é só quase sobre música que conversamos. Com ela jogamos a maioria dos nossos jogos de imaginação mental. Com ela intumescemos nossas palavras sobre o sonho e com ela mesma sonhamos. Nos iludimos. Buscamos compreender e saber mais sobre tudo, como uma religião, uma ciência, um mito. Seu poder e seu encanto são alvo constante da nossa apreciação tanto com os olhos do poético e do fantástico. - já por si só tão próximos dela - pela identidade da natureza ('a música é tão eterna, tão plástica'), tanto com os olhos pragmáticos da visão técnica, para compreensão das contemporaneidades matemáticas contidas nas relações música/mundo, música/sociedade, música/mercado etc...
A dicussão sobre música me é difícil, sim, quando considerada no seu aspecto mais responsável da crítica e do ensaio sistemático do artigo de jornal, revista ou livro, a que se dedicam os chamados estúdios. Algumas vezes tão assustadores e incompreensíveis! Aí sim está o difícil para mim: a responsabilidade de julgamento público. A constituição de matéria de lei sobre os valores da arte musical, a manipulação de uma visão necessariamente particular e pessoal a nível de opinião pública, a nível de lei sócio-cultural. Aí sim, está o meu receio de que possa ser uma bobagem a aventura de escrever sobre música: a busca de instrumento de pressão pelo exercício de apreciação sobre a arte. O jogo político pela manipulação por interesses que estão fora da coisa maldita em apreciação. Nisto tudo está o com que eu não estou. O fato musical é algo pertinente aos ouvidos. Cabeças e corações abertos ao amor mais aberto, mais com tudo e com todos, com os que estão aliados com o espírito geral da coesão e do sucesso da eternidade sonora do tempo, mesmo principalmente o de agora, aqui, em que se ouve música e letra de uma mesma única possibilidade de descida do espírito santo da coesão de todos os artistas em torno do ser/música que se manifesta em Luiz Melodia. A quem, como a tantos outros artistas, é pertinente o fato musical. E tanto mais, poderia ser redizenda do fato musical, meus caros amigos de POP."
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