Palavras Domesticadas

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domingo, 23 de dezembro de 2012

Egberto Gismonti - Revista Bizz - Setembro/1985

A revista Bizz, surgiu em agosto de 1985, com a proposta de trazer informações sobre o mundo do rock, porém não se resumia a esse segmento musical. Em seu segundo número, na seção "Meu Instrumento", onde um músico falava sobre sua relação com seu instrumento e sua técnica, Egberto Gismonti, um dos mais respeitados músicos brasileiros, falava sobre o violão, embora como multiinstrumentista, Gismonti não se limite a esse instrumento, também domina o piano com perfeição. A matéria, assinada pelo jornalista José Emílio Rondeau, é reproduzida abaixo:
"Egberto Gismonti não toca um instrumento. Em disco ou ao vivo, ele explora as possibilidades musicais de umn vasto e variado arsenal, que inclui desde duas dezenas de teclados e aparelhos eletrônicos até flautas indígenas e cítaras.
'Não tenho paixão pelo instrumento em si', confidencia Gismonti. 'Tenho paixão pela música'.
'O que não significa que eu não seja apaixonado por um determinado instrumento', continua, 'por causa da história de cada um deles.'
Aos 37 anos, Gismonti construiu uma obra tão ampla quanto sua capacidade de instrumentista. E às vezes fica difícil lembrar que tudo começou da forma mais simples - a tradicional história da mãe que leva o filho para tomar lições de piano.
Seria tradicional se a própria família de Gismonti não fosse incomum, pelo menos para a década de 50.
Egberto foi criado em Friburgo, no Estado do Rio, dentro de uma família musical. Aos 6 anos foi matriculado no curso de piano da professora Elza Xavier de Melo. A princípio, o piano era uma brincadeira a mais - e das boas, pois era estimulado pelos pais. 'Era uma gracinha extra', recorda Gismonti, 'porque eu tocava em missas e em festinhas de fim de ano na escola..'
'Meus pais foram muito corajosos', continua. 'Naquela época, numa cidade pequena como era Friburgo, tocar piano era coisa de moça. O próprio colégio onde eu estudava pressionava meus pais, por causa disso.'
Apesar da pressão, o pai de Gismonti continuou incentivando o filho, alimentando seu crescente interesse por música com discos de pianistas como Thelonius Monk e Oscar Peterson. Mas, como todo adolescente, aos 13 anos Gismonti começou a confrontar os pais. 'Eu não me lembro direito', confessa Egberto, 'mas minha mãe diz que eu reclamava muito nessa época, porque não me sobrava tempo para coisa alguma. Eu estudava num colégio de padres e com a professora Elza, e isso me tomava o dia inteiro.'
Os pais de Gismonti não desanimaram e deram a ele um instrumento novo, um misto de miniviolão e cavaquinho. Porém, somente numa viagem ao Rio de Janeiro, aos 17 anos, Gismonti pegaria o violão a sério, 'muito influenciado pela bossa-nova, mas na verdade, sem referência técnica em relação ao instrumento'.
Gismonti, então, começou a estudar o violão sob o ponto de vista do piano. 'Quem estuda piano', explica Egberto, 'tem duas mãos independentes. Quem estuda violão tem duas mãos dependentes.'
Contrariando a regra do violonista, Gismonti acabou se aproximando, em atitude, do maior violonista brasileiro, Baden Powell. 'Meu pai me deu uns discos do Baden', recorda: 'Uns discos até bem obscuros, gravados na Europa. E eu ficava na frente do toca-discos, ouvindo as músicas e escrevendo numa partitura tudo que eu ouvia'.
Um belo dia, por um destes fortuitos golpes do destino, Gismonti acabou frente a frente com Baden, na casa do violonista, levado por um amigo comum que se entusiasmara com o estilo de Egberto. Baden pediu que ele tocasse e Gismonti tocou uma das peças mais difíceis e menos conhecidas de Baden, o Choro para Metrônomo.
Baden custou a crer nos próprios ouvidos - ali estava um garoto que não apenas transcrevera em partitura um verdadeiro labirinto polirrítmico e polifórmico, mas que ainda por cima emprestava ao instrincado choro seu próprio estilo. Baden pegou um segundo violão e os dois tocaram essa mesma música durante três horas.
'O que eu tocava não era o que se esperava do instrumento', diz Gismonti. Talvez por isso Gismonti tenha resolvido modificar o próprio instrumento, ajudando a criar violões de 8 e 14 cordas (o normal são seis).
Os instrumentos acústicos continuam sendo a grande paixão de Gismonti, apesar de usar teclados eletrônicos desde 1974. 'A possibilidade de expressão num instrumento eletrônico ainda está muito aquém do que se consegue num instrumento acústico. Mas eu gosto deles. Acho que são a resposta do Japão ao bombardeio de Hiroxima. Agora, através de seus instrumentos eletrônicos - todos muito bons e muito baratos -, os japoneses estão conquistando o mundo. E ninguém  segura eles.' "

2 comentários:

  1. Sabia da grandeza deste gigante multinstrumentista brasileiro.Mas após ler este artigo....brincadeira.O cara é muito mais do que possa se imaginar.Tenho alguns discos vinil dele, Dança das Cabeças, Palhaço etc.,graças a Deus

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  2. Realmente, Egberto Gismonti é um gênio da música. Também tenho vários vinis dele. Abraço

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