Em 1977, o cearense Ednardo, um dos mais talentosos compositores da safra de músicos nordestinos que invadiram a MPB nos anos 70, lançava seu terceiro disco, O Azul e o Encarnado. Aos 31 anos, Ednardo vivia uma das fases mais criativas de seu trabalho. Em agosto daquele ano, a revista Música nº 13 trazia uma matéria sobre o lançamento:
"Ao iniciar o processo de criação que resultaria em seu novo elepê, 'O Azul e o Encarnado', o cearense José Ednardo Soares Costa de Souza, 31 anos, confessa que a ideia básica era um simples jogo de palavras. Com leves traços, alinhavou no papel termos, identificando sentimentos, emoções, toda uma gama de sensações humanas: medo/coragem, sonho/real, pessoa/sistema, etc. 'O objetivo era apenas retratar o caráter de tansição do homem.'
A partir desse esboço, ele decidiu ouvir a opinião dos amigos. No papel das anotações, uniu ao desenho das palavras a figura do homem, de Leonardo da Vinci, e formou um jogo: o azul e o encarnado. Nele, dois jogadores, com o auxilio de dados, movem-se pelo corpo humano, partindo dos pés e alcançando a cabeça, o ponto máximo do jogo. Estava criada a cédula inicial do novo disco. Uma concepção anterior, embora sustentada àquela altura por 20 músicas já compostas, foi abandonada. E vieram cinco dias de trabalho contínuo: 'Me tranquei e compus 15 músicas, sem parar.'
Fausto Nilo, compositor cearense, e Maxim, arquiteto, amigo de Ednardo, encarregaram-se do aspecto visual. O plano inicial, uma capa tripla contendo o encarte com o desenho/jogo e as letras das músicas. O disco e a própria capa, porém foram recusados pela gravadora RCA Victor, que não se mostrou disposta a arcar com os custos de uma tal produção. Foi então que o próprio Ednardo, num gesto obstinado, decidiu patrocinar - com recursos próprios - a ideia. E mandou confeccionar 10 mil encartes, oferendo-os à gravadora para que os anexasse aos discos.
Como obra musical, o elepê é um prolongamento da linha do anterior, 'Berro'. Os arranjos de todas as músicas - que misturam rock, flauta medieval, tango e sons típicos do nordeste - e a mixagem de fita/base foram elaborados pela mesma equipe que então já acompanhava Ednardo. E houve, ainda, cuidados especiais, como, por exemplo, o corte da fita, feito pelo próprio cantor, que também exigiu um técnico de som 'com certa sensibilidade, para acompanhar os arranjos. Não pode ser um profissional que só aperta os botões'.O Azul e o Encarnado é o terceiro disco de Ednardo. O primeiro, Pavão Misterioso (1974), corresponde a uma fase por ele definida como comercialmente muito difícil, 'quando o mercado era só dos baianos'. A tiragem inicial não ultrapassou 4 ou 5 mil unidades. Depois, com a música principal utilizada pela TV Globo como tema da novela Saramandaia, o elepê gerou 250 mil filhotes - compactos simples e duplos. Já então - 1976 - vem a gravação de 'Berro', que incluia Vaila, apresentada no festival Abertura, da Rede Globo. 'Mas, com o sucesso da novela, a gravadora obliterou o disco. Foi uma época muito difícil.'
A tudo isso soma-se a experiência frustrada do espetáculo 'Pavão Misterioso', no Teatro Nídia Lícia, em São Paulo. Miriam Muniz, diretora de 'Falso Brilhante', o espetáculo de Elis Regina, e Luiz Carlos Campos, dono da boate Igrejinha, imaginaram um sucesso semelhante. Hoje, Ednardo faz a autocrítica: 'O espetáculo refletia um certo ranço da televisão, além do tratamento nababesco do cenário. A produção esperava um veio de outro. Mas, depois de 13 dias, desisti. Não era nada daquilo.'
Em compensação, em outubro do ano passado, no Museu de Arte moderna, no Rio, o espetáculo foi pobre em montagem e, para Ednardo, satisfatório no resultado. Mesmo assim, ele afirma, em seu linguajar um tanto peculiar; 'Não se deve entrar em sequenciamento originado de grande massificação, como rádio, TV ou disco. Além do que, a gravadora, a crítica e o próprio público exigem posicionamento e movimentação constante. E o artista não deve obedecer.'
Quanto a 'O Azul e o Encarnado', não há uma expectativa especial. Ednardo diz apenas que a expectativa 'existe para o todo, para a obra. Cada trabalho deve ser o fio da medalha e caminhar num crescendo'."
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