domingo, 6 de maio de 2012
Cantora Olivia Byington Fala dos Doces Bárbaros (2006)
"O relançamento de 'Os Doces Bárbaros' é um acontecimento importante para quem assistiu ao filme em 1976 quando foi lançado. Porém, é mais importante ainda para quem quer conhecer um pouco mais por dentro a história recente do Brasil. Gil, Bethânia, Gal e Caetano fazem lembrar os bastidores de tudo o que está sendo contado hoje em dia sobre a época negra da repressão, sem em nenhum momento levantar bandeiras ou falar explicitamente nisso. No documentário de Tom Job Azulay, a viagem no tempo leva a muitas reflexões. Vemo-nos diante de quatro belos personagens, todos do mesmo clã, vestidos como hoje em dia se estranharia encontrar alguém no Circo Voador ou na Vila Madalena. Cada qual com seu figurino inventado e inspirado em si mesmo. Turbantes, conchas, véus, miçangas, pés descalços e a sensualidade explícita dos baianos.
A deslumbrante Gal Costa, que teve sua alma clonada pela maioria das cantoras das gerações seguintes, surge deusa, dona de voz perfeita, sem medo dos agudos, projetando-se em oitavas inesperadas. Era uma época de repressão e, ao contrário do esperado, constata-se liberdade e ousadia. Hoje, ninguém teria coragem de se lançar naqueles agudos. A música agora é digital, com compressores, a distorção é coisa má e, quanto mais piano e monocórdio o som da voz, melhor a música. Gal grita, Gil esperneia, Caetano dramatiza com gestos largos e Bethânia é a imposição dos graves, do drama, da atitude. Conhecemos tanto cada um deles que é como ver um álbum de família.
Como em todo documentário brilhante e inesquecível, 'Os Doces Bárbaros' encontra no seu caminho um episódio memorável. Jom Tob filma com câmera na mão, no melhor estilo de cinema contemporâneo, a prisão do nosso atual ministro da Cultura em Florianópolis. Fica registrada a elegância e a coerência de Gil, sua busca pela alteridade, sua caminhada mística exposta ao ridículo numa delegacia de pobres diabos. Envergonhamo-nos ao pensar, 30 anos depois, a lei é a mesma e que, caso hoje o ministro desse uns tapinhas,repetir-se-ia a cena da delegacia numa CPI de outros pobres diabos. O olhar de Gil procura a câmera quando a sentença o condena ao internato num hospital psiquiátrico para se curar do vício da 'erva maldita'.
Maria Bethânia canta 'Um Índio', de Caetano, num momento de êxtase do filme, e dá um baile num jornalista que a entrevista no camarim. É a oportunidade de ver sua inteligência marcante e desafiadora. Caetano afirma que nosso tempo é rock, mas fala da religião que os quatro trazem para o Canecão dos anos 70, o Terreiro de Mãe Menininha com atabaques a pontos emocionantes. Gil dança um ballet desengonçado, parece mesmo o espírito de uma criança com seu visual de saci-pererê. Soube que Gil foi o primeiro a autorizar corajosamente a remasterização de 'Os Doces Bárbaros'. A cópia foi tratada e o som lindamente recuperado para as plateias do futuro, que vão beber direto da fonte mais pura da virada comportamental do Brasil em plena ditadura militar graças e estes artistas queridos que, 30 anos depois, ainda nos brindam com sua arte."
Olivia Byigton
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