Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Revista Especial Latino-Americano (1980)


Apesar de não ser um dos segmentos mais populares aqui no Brasil, a música latina mereceu uma edição especial da revista Violão & Guitarra, que sempre trazia uma edição dedicada a um gênero ou determinado período da música. Publicada em 1980, a revista trazia na capa a cantora Mercedes Sosa, uma das maiores representantes do canto latino, e das mais conhecidas por aqui. Em seu texto de apresentação, intitulado "Música Latino-Americana, o som de um continente", e escrito por Horácio Viola, a revista diz:
"Este trabalho se propõe a falar sobre música latino-americana, no sentido que foi dado pelo crítico francês Michel Francat a esse termo. Muito se discutiu sobre o sentido e a amplitude da chamada 'música latino-americana'; em outras palavras, se tentou definir os limites desta corrente musical que, segundo o mesmo crítico francês, 'é possivelmente a corrente musical mais rica do mundo, tanto pela variedade de ritmos que abrange, como pela temática da qual se ocupa, desde a política terrena até a metafísica, passando pelo amor, pela morte e pela esperança...'.
Neste trabalho, dessa forma, consideraremos a música latino-americana como um fenômeno musical que se produz nos países da América espanhola, unidos por uma língua e uma história comum. Excluímos desta corrente musical os ritmos produzidos na América de origem portuguesa (Brasil) e certos ritmos ou tendências musicais de alguns países das Antilhas, que podem ser o 'reggae' jamaicano ou os riquíssimos ritmos negros do Trinidad-Tobago.
Este trabalho se inicia com um estudo, aprofundado dentro das possibilidades de espaço de que dispomos, sobre a vida e a obra deste grande criador chamado Atahualpa Yupanqui. Entendemos que Yupanqui é o iniciador do atual caminho que percorre a música latino-americana, um marco fundamental, uma referência esencial que justifica amplamente o espaço a ele oferecido, especialmente no Brasil onde sua obra é tão pouco conhecida. A importância de Yupanqui pode definir-se em duas linhas; esse 'payador' argentino pertence ao gênero dos 'divisores de água'. Na música latino-americana é lícito falar de 'antes' de Yupanqui e ´depois' de Yupanqui.
Violeta Parra
O mesmo se pode dizer de Violeta Parra, mãe da 'Nova Canção Chilena', que é a corrente musical mais mais conhecida no Brasil, talvez por suas conotações políticas.
O resto deste trabalho tentou oferecer um panorama da atual música latino-americana, incluindo intérpretes, compositores, movimentos e diferentes ritmos e temáticas. Por certo não foi possível incluir a todos; o critério de seleção foi como sempre subjetivo e, provavelmente injusto. Como disse alguém em relação aos manicômios: 'não estão todos os que são, nem são todos os que estão', nós podemos dizer com respeito a esta seleção que teve como eixo central o material discográfico disponível no mercado brasileiro.
Nestas páginas o leitor encontrará uma aproximação à música latino-americana; o resto corre por conta de sua orelha..."
Realmente a revista traz um bom trabalho de pesquisa, destacando vários nomes marcantes da música latino-americana, em textos biográficos, como é o caso citado na apresentação, do compositor Atahualpa Yupanqui, de quem a revista diz; "Falar de música latino-americana é falar de Atahualpa Yupanqui, assim como seria sem sentido falar de tango excluindo a Gardel ou da bossa-nova sem citar João Gilberto".
Violeta Parra também ganha grande destaque na revista, merecidamente, diga-se de passagem. Parra é qualificada como a grande dama da Nova Canção Chilena, que incluia nomes como Victor Jara, Angel Parra, Quilapayún, Inti-Illimani e Tiempo Nuevo. Alguns discos, na verdade todos coletâneas, também são indicados e analisados, todos trazendo a sonoridade latino-americana da qual trata a revista. "Viva Argentina", "América Latina Canta", "Nueva Canción Chilena", "América del Sol" e "A Delambrar" são os álbuns destacados. 

Silvio Rodriguez
 A música cubana, por exemplo, tão ligada à nossa música, e ao mesmo tempo tão afastada na época, de nossos ouvidos, por uma forte resistência imposta pela ditadura militar que ainda dominava nosso país era comentada através de um movimento intitulado "La Nueva Trova Cubana". Silvio Rodriguez é destacado no disco "America del Sol" por trazer sua versão autoral para uma música bastante conhecida pelos brasileiros, Pequeña Serenata Diurna, que Chico Buarque havia gravado em seu disco de 78. A revista destaca: "Silvio Rodriguez é um dos principais músicos do movimento cubano conhecido como 'La Nueva Trova', verdadeira revolução musical em Cuba. As influências musicais de Silvio Rodriguez são múltiplas e vão desde a música barroca, até a bossa-nova brasileira, passando pela "Nueva Canción Chilena", Bob Dylan e o folclore negro cubano". Pablo Milanés também não poderia deixar de ser lembrado ao se falar da música cubana, não só por sua importância, como também pela aproximação com nossa música.
Mercedes Sosa, obviamente também ganha um destaque, inclusive na capa da revista. "Indubitavelmente, Mercedes Sosa é a voz mais representativa do folclore latino-americano do momento. Sua fama tem transcendido seu país, a Argentina, para se projetar em todo o continente e, muito especialmente, na Europa e nos Estados Unidos." Assim começa o longo texto sobre Mercedes.
Alguns brasileiros também são destacados nessa vertente. Abílio Manuel, Diana Pequeno, Dorothy Marques, Dércio Marques e Milton Nascimento, assim como os grupos Tarancón e Raíces de América, que tinha Mercedes Sosa como sua madrinha.
Victor Jara
Por fim, Victor Jara, assassinado covardemente em 1973 pela ditadura chilena do sanguinário General Pinochet,  ganha também um merecido destaque:
"(...) No Brasil, como em quase todo o mundo, o 'fenômeno' Victor Jara chegou com um certo atraso e a partir da desgraça pessoal do cantor: como todos sabem ele foi assassinado no 'Estadio Nacional' de Santiago do Chile, imediatamente depois do golpe militar que derrubara a 'Unidad Popular' de Allende. Sua morte nunca foi totalmente esclarecida e as versões sobre os pormenores de seu assassinato são múltiplas. Tem uma, totalmente fidedigna, que relata que antes do assassinato lhe cortaram as mãos..."
No todo, a revista traz um ótimo panorama da música latina, e serve como um ótimo painel do que se produziu e ainda se produzia na época nessa corrente musical. É pena hoje em dia não se encontrar mais nas bancas de revistas publicações como essa.


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