Palavras Domesticadas

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domingo, 7 de abril de 2013

O Ritmo e a Musicalidade de Jackson do Pandeiro

Jackson do Pandeiro (1919-1982) foi, sem dúvida, um dos grandes nomes de nossa música. Dono de um estilo único e de um ritmo que só ele tinha, Jackson é até hoje lembrado, e descoberto pelas novas gerações. Em 1998 foi o homenageado no antigo Prêmio Sharp, que premiava os melhores de nossa música, e sempre homenageava uma figura marcante da MPB. Em sua edição de 03/05/98, o jornal O Globo trazia uma matéria sobre Jackson, assinada por Mario Marques:
"Era uma tarde calorenta em Campina Grande, na Paraíba. O bloco passava e o adolescente José Gomes Filho não se conteve: Saltou de trás do balcão da padaria, jogou o avental no chão e caiu no samba. Nunca mais voltou para perto do forno. Aos 18 anos, o cantor, compositor e ritmista, que sob o nome artístico de Jackson do Pandeiro, provocaria fascínio e furor por onde passasse mais tarde, acabara de descobrir que as noites em claro de coco e forró nos bordéis da cidade, nos anos 50, poderiam lhe render algo mais que alguns trocados. Porém, só agora, quase 16 anos após sua morte, sua obra passa a ser devidamente estudada, explorada e gravada.
Artista homenageado da 11º edição do Prêmio Sharp de música, que será entregue no próximo dia 13 no Teatro Municipal, no Rio, Jackson começa a ter sua discografia - estimada em cerca de 70 LPs, discos em 78 rpm e compactos em 33 1/3 rpm - esmiuçada nos porões das gravadoras. Há títulos, especialmente coletâneas na EMI Music - que comprou todo o acervo da Copacabana - na Polygram, na Sony Music e na Continental prontos para serem lançados e relançados. Além disso, os jornalistas Antonio Vicente e Fernando Moura estão concluindo uma biografia de Jackson.
É uma segunda tentativa de dar ao cantor um lugar de destaque na MPB. Na primeira, nos anos 70, teve vérias composições suas e outras que ficaram conhecidas em sua voz gravadas por nomes como Gilberto Gil, Gal Costa e Alceu Valença. Títulos como 'Sebastiana', 'Chiclete com Banana', 'Canto da Ema' e 'Forró em Limoeiro'. Com o grupo Borborema, composto por sua família, viajou pelo Brasil levando a batida que lhe deu o título de rei do ritmo. Morreu de embolia pulmonar, pobre, aos 63 anos, com a carreira descontrolada e parentes esperançosos por uma vida melhor.
- Ele estava bebendo muito e, como não tinha instrução, acabou não construindo nada - conta Almira Castilho, a primeira esposa, que o abandonou em 64, após descobrir, segundo a sobrinha de Jackson, Geralda, que ele a havia traído com a empregada. -  Ele só tinha 50% de seu vigor sexual depois que foi acometido de diabetes. Aí, quis afirmá-lo com outras mulheres.
Jackson e Alceu Valença, nos anos 70
Almira é a única a receber os direitos autorais de Jackson em dia. Os irmãos  Cícero e Tinda entraram na Justiça  no fim do ano passado para tentat reaver os direitos, perdidos após sua morte.
- Todo mundo está gravando Jackson agora, ganhando dinheiro, e nós estamos passando necessidades - reclama Cícero, de 66 anos, que mora com a mulher e os netos numa modesta casa em Jardim Palmares, Campo Grande, no Rio.
Da extensa lista de novas gravações constam os novos discos de Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Genival Lacerda, Cascabulho, Leila Pinheiro - cujo próximo disco tem uma canção de Guinga com letra de Aldir Blanc chamada 'Influência do Jackson', cheia de referências a versos de sucessos e a lugares por onde Jackson passou - e Mestre Ambrósio. João Bosco, um de seus seguidores, diz que a marca de Jackson, apesar de enraizada em artistas como João Gilberto e Chico Buarque, é intransferível:
- Ele foi o intérprete mais surpreendente do Brasil. E este é o ano de Jackson do Pandeiro."
A matéria ainda traz um texto de Lenine, sobre Jackson, intitulado "Música com sabor de manhã de domingo":
"Jackson do Pandeiro, para mim, tem a cara do domingo. Explico: meu pai, para minha felicidade, sempre teve o maravilhoso vício de ouvir música nas manhãs de domingo. Eram manhãs repletas de sons. Lembro de canções italianas. Lembro de modinhas portuguesas. Lembro da descoberta da música popular russa, Glenn Miller, os clássicos, e muita, muita música popular brasileira. Lembro que, com 5 ou 6 anos, sentados em frente ao nosso 'ABC, a voz de ouro', eu e meus irmãos viajávamos pela cultura planetária daquela época. Mas, essas lembranças, durante muito tempo, ficaram esquecidas em algum esconderijo neural, como num arquivo oculto, sem acesso.
Minha memória funciona de uma maneira completamente randômica. E foi a senha: Jackson do Pandeiro, que permitiu acessar e reviver todos esses momentos. Quando, na faculdade, caiu nas minhas mãos o vinil 'Os Grandes sucessos de JP', foi uma revelação. E na audição da primeira canção ('Morena bela') tudo se cristalizou. Lembrei da cara feliz de meu pai, do riso frouxo e prazeroso, quando o coco do Jackson tocava. Lembrei da tremenda festa que causava. Lembrei do rela-bucho libidinoso, do bate-coxa papai/mamãe, da sacanagem sadia que eles dois comungavam ao som do coco do Jackson. Lembrei do humor, da crônica, do suíngue irreverente daquele pandeiro. Foi o passaporte para o meu passado.
O maior percussionista de boca que o mundo já produziu.
Fez o link do coco com o samba. Fez a ponte entre o Nordeste e o Rio. 'Tudo é coco', dizia Jackson. Para mim, 'Tudo é Jackson'."

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