Em 1977 a revista Música nº 16 trazia uma matéria de capa com Rita Lee - uma entrevista em que ela fala de sua carreira, o mercado de música, o panorama do rock brasileiro na época, etc. Segue abaixo, a primeira parte da matéria:
"Com a taxativa afirmação 'passarinho na gaiola não esquece de cantar', Rita Lee Jones prepara a sua volta.
No ano passado, dois acontecimentos alteram substancialmente a sua carreira.. Primeiro, a sua prisão após a gravação do elepê 'Entradas e Bandeiras' e, segundo, o desentendimento e consequente separação de Mônica Lisboa, sua empresária há cinco anos. Neste ano, os fatos parecem promissores. O nascimento de Roberto Lee, em março, a gravação de um novo disco com o Tutti-Frutti, acrescido de Roberto Carvalho, dividem com a 'Trampo Produções Artísticas', firma fundada há seis meses, as atenções da cantora.. Mas isso não é tudo, pois ainda este ano haverá a sonhada excursão com Gilberto Gil. No palco estarão as duas bandas, músicas de Rita e do compositor, além de composições novas. Na verdade, um caminho novo, 'uma terceira coisa'. No ano que vem, um circuito incluirá a América Latina, terminando nos Estados Unidos.
No próximo disco, as letras obedecerão à temática habitual da cantora: humor/ realidade/ eu quero matar a vontade/ Enquanto tenho saúde e idade/ Fazer um pouco de tudo/Vender minha alma pra comprar tudo/ Vender a minha alma pra comprar o meu mundo. ('Ambição')
Música - O que é rock no Brasil?
Rita - Até há pouco tempo, eu não queria mais falar em rock. De tanto que se está tentando definir uma coisa que justamente se propõe à não-definição, já que é a abertura total. Mas sempre tem um pessoal tentando definir esse tal de rock'n roll. Essa tentativa fica meio pobre. Os próprios roqueiros tentando se definir já é uma bobagem. Além, ainda, das pessoas que acham rock uma cultura estrangeira invadindo o Brasil. Eu acho que rock é aquele negócio que sai de dentro da gente. É a verdade de cada um.
Música - Quais a dificuldades a se enfrentar?
Rita - Tudo é muito difícil porque o rock, basicamente, depende de instrumentos, de equipamento de som, da tecnologia mais avançada que existe. Algumas pessoas pensam que é moda, outras ainda pensam que está cortando, que é o mercado estrangeiro invadindo o Brasil.
Música - Seria então uma experiência não assimilada pela nossa cultura?
Rita - Realmente, não foi. É uma coisa que eu vejo pela criançada, o público que eu atinjo, dos três aos 15 anos de idade. A meninada canta, entende a minha música. E não tem aquela mensagem filosófica chata. Mas muitas pessoas querem manipular o rock. Qual é a filosofia do rock?
Música - Essa necessidade de rotulação parte de quem?
Rita - A necessidade parte do próprio brasileiro. Ele é muito preocupado, talvez por complexo, em definir a sua música. A música brasileira sempre passou por movimentos devidamente rotulados. Passou pela Bossa Nova a rotularam., Jovem Guarda, rotularam. Tropicalismo, rotularam. Queriam também rotular o rock, para ser moda e passar. Acontece que não é isso. Gilberto Gil é uma pessoa que sempre mostrou e jogou o que pensava.
Música - Qual a saída pra isso?
Rita - A criançada não está preocupada. Por isso é que estou dirigindo o meu trabalho para eles. Porque são pessoas que não têm esse tipo de informação. Na época do Gil, quando eu comecei com os Mutantes, nos festivais era proibido tocar guitarra elétrica. Quantas vezes a gente recebeu abaixo-assinado para sair dos festivais de música brasileira. Mas chegaram os baianos e deram novas informações para a gente como 'vamos juntar tudo e partir para outra'. Foi esse o grande toque que eu recebi do Gil. Hoje, você já ouve o Martinho da Vila com uma guitarra, e é Gibson, não é Gianini não.
Música - Além da dificuldade para o equipamento, o que mais um roqueiro enfrenta?
Rita - Realmente, o equipamento é muito caro. E a carteirinha da Ordem dos Músicos não ajuda nada. Com a carteirinha, você poderia poder importar, porque é seu instrumento de trabalho. O pessoal que pretende fazer um grupo de rock, por exemplo, em primeiro lugar tem que ter uma equipe. Pessoas com determinadas funções, para que a coisa funcione.
Eu não posso cuidar da grana e pensar em música ao mesmo tempo. Na minha equipe, tenho engenheiros de som, gente que cuida do cenário, dos efeitos especiais, luz, montagem, etc. Quem tenta fazer um grupo de rock, tem que ter um trabalho musical, tem que funcionar em equipe mesmo, para não falhar. E o melhor exemplo talvez seja o festival de rock. Todos os festivais que se tentou fazer no Brasil foram qualquer coisa. Nunca houve um festival organizado onde cada grupo tivesse seu equipamento de som, seu técnico para cuidar de tudo.
Música - E por que?
Rita - Para começar, o grande erro é da parte de quem organiza o festival. Geralmente, não se tem a menor noção do que é. Os organizadores acham que rock é qualquer coisa. Tem que ser de graça, porque é tirar um som. Eu fiz Saquarema pensando que fosse melhor. E não era. Cheguei e já me pediram o piano emprestado. Eu não gosto de emprestar equipamento de som. Às vezes fico antipatizada por isso. Mas as pessoas não sabem da dificuldade da manutenção de tudo. Quem não tem equipamento de som, não sabe cuidar. E o pessoal que organiza não sabe disso. Não sabe mesmo que cada grupo tem que ter seu equipamento de som. Não adianta convidar um grupo que não tenha engenheiro de som. O negócio de emprestar pode ser bonito, mas não funciona. O grande erro dos festivais foi iludir tanto os grupos quanto o público. Hoje em dia, festival é uma coisa queimada., vista como um centro de drogas. E o público do Brasil também não está acostumado, disciplinado para isso. Em Saquarema, depois que a gente saía do palco, era uma sujeira, todo mundo comia sanduíche e jogava. Isso é rock no Brasil. Sujeira, qualquer coisa, pobreza e drogas."
(Continua)
Música - Qual a saída pra isso?
Rita - A criançada não está preocupada. Por isso é que estou dirigindo o meu trabalho para eles. Porque são pessoas que não têm esse tipo de informação. Na época do Gil, quando eu comecei com os Mutantes, nos festivais era proibido tocar guitarra elétrica. Quantas vezes a gente recebeu abaixo-assinado para sair dos festivais de música brasileira. Mas chegaram os baianos e deram novas informações para a gente como 'vamos juntar tudo e partir para outra'. Foi esse o grande toque que eu recebi do Gil. Hoje, você já ouve o Martinho da Vila com uma guitarra, e é Gibson, não é Gianini não.
Música - Além da dificuldade para o equipamento, o que mais um roqueiro enfrenta?
Rita - Realmente, o equipamento é muito caro. E a carteirinha da Ordem dos Músicos não ajuda nada. Com a carteirinha, você poderia poder importar, porque é seu instrumento de trabalho. O pessoal que pretende fazer um grupo de rock, por exemplo, em primeiro lugar tem que ter uma equipe. Pessoas com determinadas funções, para que a coisa funcione.
Eu não posso cuidar da grana e pensar em música ao mesmo tempo. Na minha equipe, tenho engenheiros de som, gente que cuida do cenário, dos efeitos especiais, luz, montagem, etc. Quem tenta fazer um grupo de rock, tem que ter um trabalho musical, tem que funcionar em equipe mesmo, para não falhar. E o melhor exemplo talvez seja o festival de rock. Todos os festivais que se tentou fazer no Brasil foram qualquer coisa. Nunca houve um festival organizado onde cada grupo tivesse seu equipamento de som, seu técnico para cuidar de tudo.
Música - E por que?
Rita - Para começar, o grande erro é da parte de quem organiza o festival. Geralmente, não se tem a menor noção do que é. Os organizadores acham que rock é qualquer coisa. Tem que ser de graça, porque é tirar um som. Eu fiz Saquarema pensando que fosse melhor. E não era. Cheguei e já me pediram o piano emprestado. Eu não gosto de emprestar equipamento de som. Às vezes fico antipatizada por isso. Mas as pessoas não sabem da dificuldade da manutenção de tudo. Quem não tem equipamento de som, não sabe cuidar. E o pessoal que organiza não sabe disso. Não sabe mesmo que cada grupo tem que ter seu equipamento de som. Não adianta convidar um grupo que não tenha engenheiro de som. O negócio de emprestar pode ser bonito, mas não funciona. O grande erro dos festivais foi iludir tanto os grupos quanto o público. Hoje em dia, festival é uma coisa queimada., vista como um centro de drogas. E o público do Brasil também não está acostumado, disciplinado para isso. Em Saquarema, depois que a gente saía do palco, era uma sujeira, todo mundo comia sanduíche e jogava. Isso é rock no Brasil. Sujeira, qualquer coisa, pobreza e drogas."
(Continua)
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