Em 1977 João Nogueira lançava o disco Espelho, cuja faixa-título, em parceria com Paulo César Pinheiro, se tornaria um de seus maiores sucessos, e uma das músicas mais emblemáticas de sua carreira. No dia 19 de maio daquele ano, o jornal O Globo trazia uma matéria com João, escrita pelo jornalista Jesus Rocha, em que ele, dentre outras coisas, reclama da desunião que, segundo ele, imperava entre o pessoal do samba. Vem daí o título da matéria: "Só na hora do samba há união de sambistas". Segue abaixo a matéria:
"Quando João Nogueira começou a cantar, o pessoal do meio (do samba) dizia: João atravessa.Atravessar é desrespeitar as leis do andamento, ritmo, etc, provocando - em certos músicos acompanhantes - a ira e o desprezo. Hoje, João canta do mesmo jeito. E o pessoal do meio (do samba) suspira: é uma característica do João.
- A vida é assim, meu irmão (João lembra rindo) - é feito esse negócio de ser doido. Rico é temperamental, excêntrico, sabe como?
João Nogueira, o atravessador, faz questão de continuar atrasando em certos compassos, adiantando em outros, sincopando em certos 'tempos' do ritmo (coisa, que aliás, em outra esfera e tempo, já fez o Bing Crosby e, aqui, o Orlando Silva), e não liga nem para a lembrança das críticas nem para os suspiros dos que reconhecem hoje sua 'característica'. O mais imporante é fazer o que faz e não permitir cansaço nem 'ora, ora' no samba que ele cultiva como compositor e intérprete e também via-verbal: alguns momentos depois dessa entrevista estava viajando para Belo Horizonte a convite de estudantes para um papo de universidade.
- Além do mais, cantar é expressar o que se quer dizer. Pelo menos cantar para o compositor. Para o cantor, é outro papo. No Brasil a maioria dos compositores está gravando assim, dizendo, mostrando, suas músicas. E acabam ganhando a preferência do público até em termos de venda. Com algumas excessões muito boas de cantor-cantor, o caso de Clara Nunes. Quanto a mim, o que faço quando canto é uma espécie de narrativa musical do que tenho a dizer em música e letra - seja a letra que faço ou a que assumo, do parceiro.
Em sua preocupação de fazer e defender o samba, João lamenta um fenômeno desagradável:
- No samba, a união só existe quando se canta, na roda de samba. Depois, é cada um por si, nada de coleguismo: o que existe é concorrência, cada um 'puxando' para si como pode. O que faz lembrar, com saudade, o Tropicalismo por exemplo: que o pessoal se unia não só na hora de aprontar as suas. Havia uma união, e portanto, uma força. Já pensou se isso acontecesse no samba? Vou falar claro: eu me considero fora, 'salvo' disso. Sempre que vejo um valor novo, desconhecido, faço o que posso pra botar ele com a gente.. Levo, apresento. Tem horas que penso: por que essa desunião no samba, uma coisa que está tão dentro? Talvez o seguinte: na Bossa Nova, na Tropicália e outros movimentos, o pessoal lidava com coisas especiais. O samba não. É uma coisa geral. Todo mundo saca no Brasil. É infinito o número de gente que faz samba bem e é desconhecido e nem pensa em se fazer conhecer. O samba é realmente uma coisa de raiz e de pele. Dai talvez - eu penso - esse corre-corre de gente que nem percebe que está às vezes ferindo ou passando em cima dos outros.
'Espelho', quarto Lp de João Nogueira (Odeon). Produção: Paulo Cesar Pinheiro. Arranjos de Geraldo Vespar. Os músicos de primeiro time, inclusive Sivuca numa faixa. Doze faixas. Três que não são músicas de João, mas homenagem a outros compositores a ao mesmo tempo achados inteligentes e oportunos: 'Passado da Portela', de Monarco, um samba de 22 anos de idade; 'Apoteose do Samba', de Zinco (já falecido) e Caxambu, feito a uns 25 anos. E finalmente 'Malandro JB', faixa forte que periga ser o carro-chefe do disco. Tem um breque assim: 'Tinhorão, vem devagar'. 'É uma sátira ao que acontece nas escols de samba', justifica João com rapidez.
As outras nove músicas são de João Nogueira, música e letra, ou em parceria:
'Pimenta no Vatapá' (com Cláudio Jorge), 'Espelho' (com Paulo Cesar Pinheiro) 'Dora das Sete Portas (com Paulo Cesar Pinheiro), 'Desenganos' (com Mauro Duarte), 'Samba do Amor' (com Mauro Duarte e Gisa Nogueira), 'Batucajé' (com Wilson Moreira). Sem parceria: 'Wilson, Geraldo e Noel' (homenagem a Wilson Batista, Geraldo Pereira e Noel Rosa), 'Espere, Ó Nega' (partido alto) e 'Quem Sabe É Deus' "
- Além do mais, cantar é expressar o que se quer dizer. Pelo menos cantar para o compositor. Para o cantor, é outro papo. No Brasil a maioria dos compositores está gravando assim, dizendo, mostrando, suas músicas. E acabam ganhando a preferência do público até em termos de venda. Com algumas excessões muito boas de cantor-cantor, o caso de Clara Nunes. Quanto a mim, o que faço quando canto é uma espécie de narrativa musical do que tenho a dizer em música e letra - seja a letra que faço ou a que assumo, do parceiro.
Em sua preocupação de fazer e defender o samba, João lamenta um fenômeno desagradável:
- No samba, a união só existe quando se canta, na roda de samba. Depois, é cada um por si, nada de coleguismo: o que existe é concorrência, cada um 'puxando' para si como pode. O que faz lembrar, com saudade, o Tropicalismo por exemplo: que o pessoal se unia não só na hora de aprontar as suas. Havia uma união, e portanto, uma força. Já pensou se isso acontecesse no samba? Vou falar claro: eu me considero fora, 'salvo' disso. Sempre que vejo um valor novo, desconhecido, faço o que posso pra botar ele com a gente.. Levo, apresento. Tem horas que penso: por que essa desunião no samba, uma coisa que está tão dentro? Talvez o seguinte: na Bossa Nova, na Tropicália e outros movimentos, o pessoal lidava com coisas especiais. O samba não. É uma coisa geral. Todo mundo saca no Brasil. É infinito o número de gente que faz samba bem e é desconhecido e nem pensa em se fazer conhecer. O samba é realmente uma coisa de raiz e de pele. Dai talvez - eu penso - esse corre-corre de gente que nem percebe que está às vezes ferindo ou passando em cima dos outros.
'Espelho', quarto Lp de João Nogueira (Odeon). Produção: Paulo Cesar Pinheiro. Arranjos de Geraldo Vespar. Os músicos de primeiro time, inclusive Sivuca numa faixa. Doze faixas. Três que não são músicas de João, mas homenagem a outros compositores a ao mesmo tempo achados inteligentes e oportunos: 'Passado da Portela', de Monarco, um samba de 22 anos de idade; 'Apoteose do Samba', de Zinco (já falecido) e Caxambu, feito a uns 25 anos. E finalmente 'Malandro JB', faixa forte que periga ser o carro-chefe do disco. Tem um breque assim: 'Tinhorão, vem devagar'. 'É uma sátira ao que acontece nas escols de samba', justifica João com rapidez.
As outras nove músicas são de João Nogueira, música e letra, ou em parceria:
'Pimenta no Vatapá' (com Cláudio Jorge), 'Espelho' (com Paulo Cesar Pinheiro) 'Dora das Sete Portas (com Paulo Cesar Pinheiro), 'Desenganos' (com Mauro Duarte), 'Samba do Amor' (com Mauro Duarte e Gisa Nogueira), 'Batucajé' (com Wilson Moreira). Sem parceria: 'Wilson, Geraldo e Noel' (homenagem a Wilson Batista, Geraldo Pereira e Noel Rosa), 'Espere, Ó Nega' (partido alto) e 'Quem Sabe É Deus' "
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