Em 1976 Chico Buarque se preparava para lançar seu álbum Meus Caros Amigos, e concedeu uma entrevista ao jornal HITPOP. Eram outros tempos, de censura e marcação dos órgãos repressores, e Chico era uma das maiores vítimas dos censores. Cada disco seu era aguardado com grande expectativa, mas ao mesmo tempo era uma batalha para conseguir liberar muitas de suas canções, e poder lançar seus álbuns como foram concebidos. Essa entrevista, concedida ao jornalista Eduardo Athayde, será reproduzida aqui em três partes. Em seu texto de apresentação, em uma espécie de editorial o jornal diz:
"Para Chico Buarque, produzir um disco não significa exatamente o mesmo que para outros artistas. O envio de letra e música para a Censura Federal, hoje é uma rotina para as gravadoras brasileiras, pode significar, no caso de Chico, muitos meses de trabalho e muito dinheiro jogados no lixo, com remotas possibilidades de recuperação. Apontado pela crítica como o poeta mais consistente de nossa música popular, Chico Buarque faz um desabafo exclusivo ao HITPOP, onde explica os malabarismos que é forçado a realizar, pra sobreviver com dignidade na cultura brasileira. E mais: fala de rock brasileiro, futebol e todos os temas que habitam o cotidiano de sua criação."
Segue abaixo a primeira parte da entrevista:
"Chico Buarque começa a falar. E começa pelo que há de mais polêmico, tentando situar algumas ideias a respeito de sua profissão de cantor, compositor, escritor, artista, enfim:
- Não gosto muito de definir as coisas nem de ditar regras. Acredito no artista que trabalha quase que dentro de um quarto fechado, elaborando sua arte. Isso mesmo, elaborando sua arte e, nada mais. Isso, no fim das contas, acaba tendo uma função social, ainda que o próprio artista não saiba. Não acho necessária uma preocupação permanente de dizer isso ou fazer aquilo, cantar isso ou aquilo Tudo vem e vai por si. E, se o artista trabalhar despreocupadamente, vai acabar refletindo a visão que ele tem das coisas, mesmo estando dentro de um quarto fechado. Se ele tiver uma visão distorcida, é outro papo. Mas não sou eu quem vai definir ou ditar regras. A arte é tudo.
No dia da entrevista, um final de tarde ensolarado na Barra da Tijuca, onde ficam os estúdios da gravadora Phonogram, ainda corriam boatos de que seu LP 'Meus Caros Amigos' poderia ser apreendido pela censura. Dizia-se também, que algumas faixas do disco estavam com sua execução proibida nas rádios. Chico se mostrava profundamente irritado, especialmente porque todas as suas composições haviam passado previamente pela censura federal. Ele comentava os boatos, as ondas:
- Isso está correndo porque, provavelmente, se trata do meu primeiro LP com músicas apenas minhas. Sim, porque 'Sinal Fechado' só tinha músicas de outros compositores, e 'Chico e Bethânia' foi uma gravação ao vivo, de um show que fizemos. Com tudo isso, só posso ficar perplexo, pois se existe uma censura prévia - que já liberou o disco, essa seria a maior garantia para uma vida mais longa nas lojas. O que está no disco foi aprovado pela censura.Censura prévia que eu considero uma aberração, mas ela existe. E, se ela existe, que pelo menos esqueça da gente, depois de dar o seu nihil obstat. Não deveria haver esse tipo de preocupação. Boato, boato, boato todos os dias! Isso me atinge e me chateia, é claro. mas não me pergunte porque. Fico intrigado com tudo isso. A censura prévia tem todo o tempo que quer para analisar as letras, e isso leva, no mínimo, dois meses. Acaba virando um problema de ordem industrial, pois a Phonogram tem que seguir seus organogramas. Agora, só falta a censura pedir para pedir a música com violão, pra depois achar que não é suficiente, pois a orquestra pode insinuar alguma coisa, ou aquele saxofone lá no fundo está com segundas intenções etc. Pode pintar tudo isso, sabe? Aí é uma coisa infernal, e não há indústria de discos e compositor que resista.
Mudando de assunto, Chico é convocado a analisar o tipo de música popular brasileira que tem feito sucesso nas paradas:
- Existe um certo tipo de samba, que realmente me deixa triste e cabisbaixo. A gente, ao ouvir, sente na hora o cheiro da máquina que o fez. Isso não é legal, e eu não gosto. Também, a quantidade de música estrangeira que está sendo imposta, é uma tristeza. O melhor negóicio é desligar o rádio. Mas acho que isso um dia tem um fim. Caso contrário, ninguém vai aguentar. Quanto a rock, e a esse tal de rock brasileiro, não sou muito chegado, mas não quero dar uma de censor de ritmos. Cada um faz o que quiser, mas aí se trata de uma questão de gosto, não de arte. A continuar dessa maneira, isto é, a garotada fazendo rock brasileiro, e ouvindo música estrangeira, dentro em pouco só vai dar rock no Brasil. Engraçado, não é?" (Continua)
Ótima entrevista. Parabens pela divulgação!
ResponderExcluirValeu, obrigado pelo comentário
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