"Pelo que fala e pelo que briga, Chico pode até dar a impressão de ser um artista amargo, pessimista. Trata-se, porém, do contrário. Fiel às exigências de seu tempo, Chico considera que lutar pela sua arte é o mínimo que pode fazer, para poder sobreviver como homem. Em outras palavras, suas canções não teriam o menor sentido se ele não brigasse pelo direito de cantá-las.. Essa atitude implica tomadas de posição que não se esgotam apenas no terreno musical. É por isso que, coerente e otimista (que o pessimista não sai de sua passividade), Chico se recusa ao acomodamento. Nesta altura, ele resolve fazer um retrospecto de sua participação na nossa vida artística:
- Eu me orgulho, e muito, de fazer parte de um processo cultural, não só dentro da música, como também dentro do teatro e do cinema. Acho que tenho muito o que dizer, e disso não abro mão. No entanto, toda a liderança e individualidade são muito nocivas ao bom resultado desse trabalho. E sempre recusei qualquer liderança, ou possibilidade de liderança. O trabalho do artista brasileiro, a cada dia que passa, está sendo levado mais a sério, com o amadurecimento, inclusive, de união de classe. Sinto isso, principalmente, agora que estou ligado a vários setores da arte popular brasileira. Por isso acho que não tem nada a ver, alguém se arvorar em líder de movimento ou de grupo. Portanto, o que há anos atrás podia ser considerado como Chico Buarque, garoto bonito de olhos verdes, ou porta-bandeira disso e daquilo, tudo isso foram imagens impostas. E, o simples fato de terem o caráter de imposição, me forçou a rejeitá-las.
A rejeição de que fala Chico aconteceu com a célebre peça 'Roda Viva', de 1968, encenada pelo também célebre grupo teatral Oficina. Chico retoma seuas lembranças:
- Quando escrevi 'Roda Viva', porém, não tive a intenção de pôr um ponto final em nada. Simplesmente, a colocação em termos de imagem estava errada, desde o princípio. O bom menino não existia, não era verdade. Era falsa a rotulação de tímido que me atribuíam, isso só interessava à televisão, na época. Nunca contribuí para manter essa imagem e, tão naturalmente, quanto permiti que ela fosse além do desejável, escrevi a peça. Não foi uma atitude do 'vou escrever Roda Viva para acabar com esse negócio'. Na verdade, desde o início, eu estava preocupado com problemas sociais, o que não significa que não tenha meu lado lírico. De qualquer maneira, sempre tomei posições espontaneamente, sem precisar que ninguém me cobrasse - como ocorria nos circuitos universitários, dos quais resolvi me afastar. É que, nesses circuitos sempre havia debates após o espetáculo, e isso começou a ser desgastante, pois as pessoas vinham me cobrar posições. Eu tenho certeza de que, caso tenha alguma contribuição a dar, ela será mais forte e presente com meu trabalho, que com exibições ou eventuais pronunciamentos. Acho que tenho muito mais o que fazer ao lado do teatro e do cinema, dois campos de trabalho sensacionais, do que ficar aceitando rótulos ou bandeiras.
À excessão de Olhos nos Olhos, as faixas do LP de Chico são trilhas de peças ou filmes. Ele comenta o fato: 'Isso não altera grande coisa, é sempre um trabalho meu. Não seria música de encomenda, e sim de sugestão. Me pedem música sobre passarinhos, e lá vou eu pôr letra em Passaredo, do Hime. No caso de Que Será, Que Será, tema do filme 'Dona Flor...' tem gravação minha, e do Milton, ficou uma gravação sensual, muito bonita. Por falar nisso, o Milton se encontrou comigo no estúdio da Phonogram. Ele se ligou na música e, nesse entusiasmo, resolvemos gravar juntos.'
Outro tema polêmico: televisão. Chico é a favor ou contra?
- Nada tenho contra a tevê em si. Seria tolice negar sua força de penetração, mas a televisão que se está fazendo no Brasil hoje se restringe praticamente à Globo. E, ao contário do que ocorria há alguns anos atrás, não há interesse nenhum da tevê pela música. Ou você faz música para novela, ou não faz mais nada. Olhe, isso não é uma queixa pessoal minha. Há uma novela aí que tem Carolina como um dos temas, mas isso é problema das editoras, não meu. É algo que não posso impedir, pois não tenho escritório nem editora. O que posso dizer é que a tevê está prestando um grande desserviço à MPB. Há um quadro musical no 'Fantástico', e não gosto da maneira como é apresentado. Assim, com todo o seu poderio, a tevê nada faz pela música. Antes era bem rentável pegar um cara, naquela efervescência dos festivais - e, diga-se de passagem, não foram os festivais que inventaram a música - e explorar ao máximo o seu talento. Vem daí a tal imagem do lírico, do tímido garoto de olhos verdes. Com tudo isso contra, como é que eu posso me interessar pela tevê? Fazer uma coisa bem cuidada, talvez só seja possível na TV Bandeirantes (SP) e isso eu toparia de cara." (Continua)
Sempre lúcido e coerente esse Chico Buarque...
ResponderExcluirComo sempre
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