Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Titãs – Pluralidade Monolítica (Revista Qualis- 1993)

Em 1993 os Titãs embarcaram num projeto ousado: lançar um disco pesado, como já era característica da banda, porém numa pegada mais radical, e para tanto foi designado para produzir o novo álbum, Jack Endino, que havia produzido várias bandas grunge, o grande movimento internacional do rock na época. Assim foi concebido Titanomaquia. O disco anterior, Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, havia sido produzido pela própria banda, após uma bem sucedida parceria com Liminha. Para o próximo disco, a banda e os executivos da gravadora optaram por trazer um produtor de peso, e com grande experiência na vertente pesada que a banda queria adotar, e o resultado foi o esperado, um disco com uma pegada potente, em que foram extraídos da banda o peso e o vigor necessários para o projeto. Em sua edição nº13 a revista Qualis trazia uma matéria sobre o novo disco, assinada por Jean-Yves de Neufville:
“Do começo hesitante de ‘Televisão’, em 82, até a consagrtação como melhor grupo brasileiro de pop/rock com ‘Õ Blesq Blom’, em 89, um gráfico biorrítmico da carreira dos Titãs deve revelar uma revolução constante. Mas a partir de 90, a curva transforma-se num eletrocardiograma em disparada, reflexo do polêmico álbum ‘Tudo Ao Mesmo Tempo Agora’, um disco mal e porcamente produzido, de difícil digestão para os seguidores da primeira hora, mas apreciado pelos adeptos do barulho. Numa guinada radical, os Titãs deixaram o mainstream para assumir de vez sua vocação pelo rock pesado. Abriram mão da pluralidade de estilos e influências, e aderiram a uma leitura monolítica do rock’n roll. ‘Quisemos gravar discos mais condizentes com o que gostamos de tocar no palco’, justificam. ‘Foi uma adequação ao que a gente gosta de fazer, e ao que o nosso público gosta de ouvir’.
O título do novo disco, ‘Titanomaquia’, que costura a mitologia inserida no nome do grupo com a arte da touromaquia, e suas 13 músicas, reforçam a estética ‘animalesca’ que tomou conta da banda. Desfalcado de Arnaldo Antunes, o octeto virou literalmente um bicho de sete cabeças. Mesmo assim, antes de partir para uma carreira solo, Arnaldo deixou três composições, entre as quais ‘Disneylândia’, provavelmente a mais engraçada já cometida até hoje pelos Titãs. Ao adentrar num mundo musical que privilegia os decibéis, em que as palavras proferidas costumam ser mero instrumento, os Titãs inverteram a equação, construindo suas músicas em torno de suas/letras/poemas peculiares, destinados a produzir mensagens de impacto em torno do comportamento. Além disso, raros são os grupos que, com eles, incluem a escatologia em suas letras, retomando a tradição da sátira, consagrada por poetas como Gregório de Mattos. Viram o mundo às avessas para que as coisas fiquem no seu lugar: ‘Ao potencializar o seu defeito, você se fortalece’, justificam.
Foi exatamente o que fez o produtor Jack Endino. O papa dos grupos ‘grunge’ de Seatlle potencializou os defeitos gritantes dos Titãs, ordenou o caos, conferiu eficiência às músicas e ajudou a resolver a dificuldade número 1: combinar as letras quilométricas com a urgência minimalista dos riffs de guitarra. Embora inclua dois guitarristas, este é o primeiro disco do grupo em que o instrumento é realmente valorizado. ‘Desta vez, acertamos na porrada’, vibram. Mais uma vez está comprovado que os Titãs são altamente dependentes de um bom produtor. Segundo eles, enquanto o Liminha de ‘Õ Blesq Blom’, louco por tecnologia, interferia no trabalho ao ponto de se tornar mais um integrante da banda, Endino é um especialista que pode até arranhar uma guitarra aqui e lá, mas respeita os limites de sua função. Fora do estúdio Jack Endino pôde dar mais força aos Titãs. O produtor deixou versões prontas das músicas em inglês. O projeto é gravar um EP (formato reduzido do LP) com três faixas em inglês e duas em português, destinado ao mercado norte-americano. ‘Aceitamos, mas não sabemos que consequência isso pode ter’, explicam. Os cantores da banda reconhecem que dominam mal a língua de Shakerpeare e alegam que o resultado por enquanto é inferior ao original. ‘Precisamos de uma estratégia realista e modesta. Para lançar este disco nos EUA seria preciso fazer uma turnê de no mínimo seis meses, até começarmos a existir no mercado do rock alternativo’, analisam. No momento, a grande meta dos Titâs é conquistar a Argentina, onde está sendo lançada uma coletânea exclusiva, com músicas cantadas em português mesmo.”

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